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Fotografia: Michael Ochs
Publicado a: 06/11/2024

O primeiro fruto da icónica parceria que revolucionou a pop.

45 anos de Off The Wall: a coroação do rei Michael Jackson com a ajuda de Quincy Jones

Fotografia: Michael Ochs
Publicado a: 06/11/2024

Em Journey From Motown to Off The Wall, o documentário de Spike Lee que acompanha a histórica reedição do álbum que Michael Jackson ofereceu ao mundo em 1979, Karen Langford, responsável pelo arquivo pessoal do malogrado cantor, lê para a câmara um manifesto manuscrito num “tour bus”, quando os Jacksons andavam na estrada. O documento data de 6 de Novembro de 1979, alguns meses após a edição de Off The Wall, e está redigido com uma caligrafia frágil, algo infantil, que contrasta no entanto com a determinação das palavras: “M.J. será o meu nome, acabou-se Michael Jackson. Quero um personagem inteiramente diferente, uma aparência totalmente diferente, eu deveria ser uma pessoa completamente diferente. As pessoas já não podem pensar em mim como o miúdo que cantou ‘ABC’, ‘I Want You Back’. Eu quero ser um novo e incrível actor, cantor, dançarino, capaz de chocar o mundo. Não darei entrevistas, serei mágico. Vou ser um perfeccionista, um investigador, um treinador, um mestre. Serei melhor do que todos os grandes actores unidos num só. Tenho que ter o mais incrível sistema de treino. Tenho que procurar, e procurar, e procurar até o encontrar. Vou estudar o passado do mundo do entretenimento e aperfeiçoar esse mundo, levá-lo um passo mais longe do que o ponto onde os maiores o deixaram”.

Em 1979, Michael Jackson, que então contava apenas 21 anos, mas que já carregava década e meia de palcos em cima dos ombros, preparava-se, de facto, para mudar o mundo, para ascender ao topo desse incansável Olimpo do showbizz e aí permanecer praticamente até à data do seu desaparecimento, 30 anos mais tarde. Off The Wall foi o primeiro e sério passo nesse sentido, um álbum extraordinário que é também a primeira peça de um tríptico singular na história da pop realizado com o produtor Quincy Jones. O álbum vendeu, até hoje, mais de 20 milhões de cópias em todo o mundo, número astronómico que ainda assim Michael Jackson haveria de eclipsar com o seu projecto seguinte, Thriller, que seria lançado em 1982. Michael conseguiu meter 4 dos singles do álbum no Top 10 da Billboard, um feito à época sem precedentes que, no entanto, não logrou convencer a academia responsável pela atribuição de Grammys, que apenas concedeu a Michael Jackson uma estatueta pelo seu desempenho vocal em “Don’t Stop ‘Til You Get Enough”, magra recompensa para o que o álbum de facto representava. Choroso e triste depois da cerimónia, Michael ligou à mãe e anunciou profeticamente: “Para o ano vão ter que me dar os prémios!” Não no ano seguinte, mas na cerimónia de 1984, Thriller foi distinguido com 8 históricos Grammys, incluindo o de Álbum do Ano, feito nunca antes alcançado.

Para todos os efeitos, Off The Wall foi o primeiro real álbum a solo de Michael Jackson. A sua discografia oficial contabiliza Got To Be There (1972), a banda sonora de Ben (1972), Music & Me (1973) e Forever, Michael (1975) como os seus antecessores. Mas esses álbuns, todos lançados pela Motown de Berry Gordy, eram apenas resultados de uma máquina em que Michael, ainda menor de idade, era literalmente obrigado a colocar a sua marca, meros produtos para alternar nas lojas com os títulos da marca maior, os Jackson 5. Michael, enquanto artista, pouco tinha a dizer em relação a esses registos, controlado que era pelo seu pai, Joseph “Joe” Jackson, e pela famosa linha de montagem da Motown, operada com mão de ferro por Berry Gordy. 

A mudança começou com a transferência dos Jacksons para a Epic, etiqueta do conglomerado Columbia/Sony, em 1975. Gordy não os deixou levar a “marca” Jackson 5, pelo que os irmãos começaram uma nova carreira como Jacksons. A indústria, ideia bastante explorada no filme de Spike Lee, não encarou a mudança como uma aposta segura. Os Jacksons eram vistos como um novelty act prestes a passar de prazo: apelavam a um público infantil e adolescente, tinham o seu próprio programa de desenhos animados na televisão aos sábados de manhã, uma lucrativa linha de merchandising que levava milhões de crianças a carregarem a sua imagem para as escolas estampada em roupas, lancheiras, mochilas ou chapéus. Ninguém acreditava que pudessem singrar num mundo de adultos, competitivo, numa era em que a indústria já fabricava sucessos de proporções massivas: Elton John, Led Zeppelin, 10cc, Aerosmith, Fleetwood Mac, Bee Gees, Eagles, Bruce Sprinsteen, Wings, David Bowie ou Kiss eram, em 1975, gigantes numa arena profundamente branca só pontualmente colorida por nomes como Earth Wind & Fire ou Isley Brothers que nunca conseguiam, ressalve-se, vendas na mesma ordem dos fenómenos rock da ordem do dia. Era neste universo que os Jacksons se preparavam para entrar e nem todos os executivos da Columbia estavam convencidos de que eles valessem os milhões pedidos em contrato. Título do último álbum da família Jackson para a Motown? Moving Violation, editado em 1975. Título do segundo álbum dos Jacksons para a Epic, depois da edição de The Jacksons em 1976? Goin’ Places (1977). Não se pode dizer que os executivos não tivessem algum humor…



[De pequenino…]

Profissional desde os 6 anos de idade, Michael não teve uma real infância, facto bem explorado em todas as suas biografias por ser, realmente, relevante para explicar as suas idiossincrasias. Impedido de viver uma infância normal em pátios de escolas, Michael criou o seu próprio mundo interior de fantasia infantil permanente, um mundo onde Disney e Peter Pan, O Feiticeiro de Oz e o Rato Mickey e, um pouco mais tarde, Luke Skywalker foram todos figuras mágicas de escape para uma estrela que, sob muitos aspectos, nunca chegou a crescer, que treinava até à exaustão todos os seus passos de dança, que estudava com afinco outros artistas, que permanecia sentado ao lado de Berry Gordy ou Stevie Wonder durante infindas sessões de estúdio, sempre desejoso de aprender. E além dos palcos, o grande ecrã era outro espaço onde Michael acreditava que poderia projectar as suas fantasias e desejos e emoções. Quando a oportunidade surgiu, Michael não hesitou e agarrou o papel que mais desejava no elenco da produção The Wiz que o realizador Sidney Lumet pôs de pé. 

O filme foi produzido pela Motown e originalmente Berry Gordy tencionava dar o papel principal a Stephanie Mills, a jovem artista que tinha brilhado na Broadway com a adaptação teatral do mesmo livro de William F. Brown que já era ele mesmo uma adaptação “urbanizada” do clássico do início do século XX de L. Frank Baum, famosamente levado ao cinema em 1939 com Judy Garland no papel principal. Diana Ross, porém, pressionou o produtor Rob Cohen e conseguiu o papel contra os desejos iniciais de Gordy, que não acreditava que os 33 anos de idade da líder das Supremes lhe permitissem ser convincente como Dorothty. Ross, claro, era a mentora do jovem Michael, uma espécie de crush platónico que o cantor admitiu várias vezes, manifestando até o desejo de casar com ela. Assegurar um papel no filme foi crucial para o desenvolvimento de Michael Jackson, o futuro rei da pop.

Apesar de ter falhado nas bilheteiras, The Wiz valeu muitos elogios a Michael pelo seu desempenho como Espantalho. À entrada da era dourada dos videoclips — a MTV começou as suas emissões em 1980 — Michael entendeu na perfeição como a projecção da sua imagem num ecrã poderia ajudar a traduzir para uma outra linguagem de espectáculo todas as suas fantasias. O ecrã, grande ou pequeno, era para todos os efeitos um novo palco, com novas possibilidades e que multiplicava a sua presença até ao infinito: em vez de uma arena numa cidade, milhares de salas em muitos países. “Vou estudar o passado do mundo do entretenimento e aperfeiçoar esse mundo, levá-lo um passo mais longe do que o ponto onde os maiores o deixaram”, haveria de declarar Michael, já depois da edição de Off The Wall.

Houve outro efeito claro do envolvimento de Michael Jackson com a produção de The Wiz. Michael Jackson’s Journey From Motown to Off The Wall lança luz sobre o período em que Michael, juntamente com o cast do filme dirigido por Lumet, começou a frequentar esse igualmente mágico mundo de fantasia, espécie de parque de diversões da moderna era hedonista de finais dos anos 70, que era o Studio 54, recreio de estrelas como Bianca Jagger ou Grace Jones, de Andy Warhol ou Liza Minelli, tudo figuras com quem Michael se cruzou. Na pista de dança, Michael descobriu uma liberdade que até aí nunca tinha experimentado: mesmo em cima do palco, os seus passos estavam presos a coreografias previamente estabelecidas, mas na pista Michael podia transformar-se: “Na pista somos livres, podemos dançar com quem quisermos”, explica Michael a uma jornalista em imagens de arquivo usadas por Spike Lee. A jornalista quer saber depois como se relaciona Michael com toda a “loucura” que sempre se soube existir nas pistas e nos recantos mais escuros do Studio 54: “Não, é apenas divertido dançar. Dançar e olhar para as outras pessoas. Na pista vêem-se as coisas mais malucas, o Darth Vader esteve cá na outra noite, foi incrível”. A jornalista tenta saber como se relacionava Michael com o sexo e as drogas, que eram uma constante no mais famoso clube da era Disco Sound, mas Michael, eterna criança, maravilha-se apenas com o facto de se ter cruzado na pista com um personagem de um dos seus filmes favoritos. Em breve, Michael usaria a “força” em seu proveito.

Outro crucial resultado do envolvimento de Michael no filme The Wiz foi ter conhecido Quincy Jones, que tratou dos arranjos do score. Sempre desejoso de aprender com os veteranos, Michael Jackson formou uma sólida amizade com Quincy Jones, dono de uma extraordinária carreira que arrancou nos domínios do jazz, mas que na década de 70 se estendeu, em nome próprio e através das suas produções, aos domínios da pop. Parte da decisão de mudança de armas e bagagens para a Columbia assentava no desejo de independência, de auto-expressão que Michael nunca escondeu ter. Ele queria escrever o seu próprio material, escolher os seus colaboradores e ditar a direcção do seu projecto seguinte. Inspirado pelos sons que ouvia na pista de dança do Studio 54, Michael começou a formar uma ideia muito clara do que pretendia com Off The Wall e estava convencido de que Quincy Jones seria a escolha certa para o ajudar a realizar a sua visão. Do lado da Columbia, no entanto, só havia dúvidas. No seu documentário, Spike Lee inclui declarações de executivos como Maurice Warfield, que esteve ligado à editora entre 1978 e 2003, que recordam essas preocupações: “Ninguém acreditava que ele fosse capaz de fazer um disco contemporâneo e moderno, era um tipo do jazz…” As pressões de Michael, no entanto, resultaram e quem tratava de assinar os cheques na Columbia acabou por aceder. Nem poderia ter sido de outra maneira. “Michael é uma máquina de verdade”, dizia Quincy Jones à Newsweek em 1983. “Ele equilibra a sabedoria de um homem de 60 anos e o entusiasmo de uma criança”. Era, por isso mesmo, impossível resistir-lhe.



[A força e Off The Wall]

Randy Taraborrelli, escritor responsável por múltiplas biografias, assinou Michael Jackson: The Magic, The Madness, The Whole Story em 2009. O livro mereceu tradução para português e recebeu o título Michael Jackson: A Magia, a Loucura, a História Completa (ed. Esfera dos Livros, 2009). Na Parte Quatro desta biografia aborda-se Off The Wall: “Quando Quincy e Michael se juntaram num estúdio de gravação em Los Angeles para começarem a fazer músicas em 1979, o artista e o produtor formaram a equipa perfeita. O método de Quincy em estúdio”, escreve ainda Taraborrelli, “era rodear o artista de canções e músicos de qualidade e depois deixar o artista reinar”. Exactamente o que Michael sempre almejou: poder ele definir a direcção dos seus trabalhos. Os irmãos, habituados a beneficiarem do seu óbvio magnetismo, ainda tentaram que as sessões de Off The Wall fossem o início de um novo projecto colectivo com a marca Jacksons, mas Michael foi peremptório e quem sabe se o “manifesto” que começámos por citar, e que foi escrito durante uma digressão com os irmãos, não terá sido lido em voz alta para clarificar a sua vontade de prosseguir caminho sozinho. “Eles vão ter de compreender. De uma vez por todas”, disse ele na altura.

Michael Jackson escreveu três das canções de Off The Wall – “Don’t Stop ‘Til You Get Enough”, “Working Day and Night” e “Get On The Floor”. Em todas a mesma ideia presente de entrega sem reservas, de avanço sem compromissos, de absoluta crença. A mesma ideia expressa no manifesto. A mesma força que todas as pessoas à sua volta — músicos, produtores, editores e engenheiros — reconheciam imediatamente. Quincy Jones, veterano conhecedor das dinâmicas pop, sabia que para lá dos arranjos e das vestes estéticas, o álbum teria que contar com uma sólida fundação de canções. Foi, por isso mesmo, buscar material a alguns nomes que não seriam provavelmente primeiras escolhas óbvias: Rod Temperton, compositor britânico ligado aos Heatwave, projecto Disco, escreveu “Rock With You”, “Off The Wall” e “Burn This Disco Out”; as restantes quatro canções foram assinadas por Paul McCartney (“Girlfriend”, gravada pelos Wings em 1978), Tom Bahler (“She’s Out of My Life”), Stevie Wonder e Susaye Greene (“I Can’t Help It”) e ainda Carole Bayer Sager e David Foster (ela foi casada com Burt Bacharach e escreveu inúmeros hits, ele trabalhou com toda a gente, de Alice Cooper a Barbra Streisand — juntos assinaram “It’s The Falling in Love”).

Com este material, Michael assinou um disco maduro. Capaz de resultar nas pistas onde os adultos queimavam os últimos cartuchos Disco Sound, mas também nos quartos onde as rádios estavam sintonizadas nas estações que emitiam quiet storm (as baladas românticas e as músicas tranquilas que por cá se ouviriam, por exemplo, num popular programa como o Oceano Pacífico, da RFM). Do álbum, retiraram-se uns inéditos cinco singles, três deles mereceram mesmo videoclipes promocionais, como o icónico “Don’t Stop ‘Til You Get Enough” (canção regravada por Melo D e pelos Cool Hipnoise há alguns anos, para uma edição especial do álbum Missão Groove, lançada em 1998). Neste tema, Michael canta “keep on with the force, don’t stop”, frase que muitos interpretaram como sinal do seu fervor espiritual, ele que, por influência da mãe, era seguidor das Testemunhas de Jeová. A explicação é provavelmente mais prosaica e poderá até adivinhar-se no encontro com Darth Vader na pista de dança do Studio 54. No filme de Spike Lee, Questlove, o líder dos The Roots, defende que o grito gutural de Michael no arranque do tema é o seu “free at last, free at last”. Os trejeitos vocais que Michael transformaria numa assinatura, o falsete que provavelmente devia alguma coisa aos primeiros passos de Prince, tudo se condensa naquele tema que marca o arranque de um álbum que mudou tudo na indústria discográfica.

The Weeknd, uma das mais destacadas vozes R&B do presente, não faz as coisas por menos e confessa no documentário assinado por Spike Lee que encontrou o seu falsete com este disco: “Uso sempre o Michael, antes de mais nada, como uma inspiração vocal. E o Off The Wall foi o disco que me fez sentir que eu também era capaz de cantar”. Não necessariamente por Michael transmitir a ideia de que qualquer um o poderia fazer, bem pelo contrário — as interpretações de Michael, captadas na perfeição por Quincy Jones e pelos seus engenheiros, roçam a perfeição absoluta. Mas a tal verdade de que falava o produtor e a força evocada por Michael são noções contagiantes que muitos artistas ao longo destas décadas têm justificadamente citado como inspiração para as suas próprias carreiras.

Numa entrevista televisiva de 1980, Michael já se sente como um rei, coroado finalmente por um sucesso adulto e em nome próprio, e explica à jornalista que a energia que se obtém de audiências de milhares de pessoas, de raças e culturas diferentes, que seguem a sua música e respondem a cada um dos seus gestos, é uma coisa tremenda: “Nem os políticos conseguem isso”. Mas é nesta época, também, que a peculiar vida de Michael Jackson começa a mostrar as marcas profundas que deixou na jovem estrela que nessa entrevista confessa o desconforto que é o normal contacto humano e que o único lugar onde se sente verdadeiramente confortável é o palco: “Não é fácil lidar com o mundo real”, admite Michael, “mas as pessoas também não sabem como se hão-de dirigir a mim, falam sempre de maneira diferente comigo. Por isso, no palco, tudo é diferente. É mágico”. A ideia de magia, de artifício, de fantasia esteve sempre presente na vida de Michael que haveria de chamar à sua residência oficial Terra do Nunca, evocando a morada de Peter Pan, o rapaz que nunca cresceu.



[O rei chegou]

A imprensa musical da época entendeu Off The Wall pelo que de facto era: um marco geracional, um disco que estabeleceu uma nova escala para o sucesso e que firmou finalmente Michael Jackson como uma estrela adulta. Em Agosto de 1979, J. Randy Taraborrelli, o já citado biógrafo, entrevistou Michael Jackson para assinalar a sua chegada legal à idade adulta. “A idade é só um número”, explicou a estrela. “Não sou mais homem do que era ontem. Mas, contudo, para mim ter 21 anos tem significado. Já vi muito, fiz muito. Acho que as coisas agora vão ser diferentes para mim, melhores”. Ainda nessa entrevista, Michael assinala os seus ídolos, os modelos que procura igualar ou até mesmo ultrapassar: “Para mim, Walt Disney é um verdadeiro homem. Charlie Chaplin, um verdadeiro homem. Fred Astaire, um verdadeiro homem. Bill Robinson, um verdadeiro homem. Não só atingiram os seus objectivos, como deram tanta alegria às outras pessoas. As pessoas admiravam-nos. Também quero que as pessoas me admirem. Fizeram caminhos. Eu também quero fazer um. É isso que significa para mim ser um verdadeiro homem”.

O que o futuro que se estendeu à frente de Michael deixou claro foi que ele foi de facto capaz de construir um caminho, de estabelecer as suas próprias regras, de dar corpo à sua própria visão. E para isso teve que ultrapassar diversos obstáculos. O primeiro dos quais era o seu pai. Quando completou 21 anos, Michael contratou os seus próprios advogados e tratou de romper com o pai e com os irmãos. E depois atacou a própria indústria. John Branca, o advogado que o representou e que tinha na sua carteira de clientes artistas como Neil Diamond, Beach Boys ou Bob Dylan, era um feroz negociante que, com base no sucesso de Off The Wall, abordou a Columbia e conseguiu para Michael a mais alta taxa de royalties de sempre da companhia — 37 por cento de 100 por cento do preço de revenda dos discos, exactamente o mesmo número de que artistas como Dylan ou Diamond já beneficiavam. Depois foi a vez dos media: Michael vivia frustrado com o facto de não ser encarado pela imprensa com o mesmo respeito que artistas brancos e meteu o seu publicista a escrever cartas a revistas como a Rolling Stone. Perante uma resposta negativa de Jann Wenner, o editor da Rolling Stone, Michael fez uma promessa: “Já me disseram vezes sem conta que negros nas capas de revistas não vende. Mas esperem. Um dia essas revistas hão-de implorar para eu lhes dar uma entrevista. Talvez eu dê. Ou talvez não”.

Deu. A 17 de Fevereiro de 1983, a Rolling Stone rendeu-se às evidências, colocou Michael Jackson na sua capa com o título “Life as a Man” e publicou uma entrevista longa assinada por Gerri Hirshey, que escreveu: “Uma criatura como Michael Jackson é o perfeito híbrido pop para os anos 80”. A peça, que a Rolling Stone encomendou para ecoar a força de Thriller, termina com o repórter a acompanhar Michael num encontro com Freddie Mercury. Os Queen vão tocar ao vivo e momentos antes da banda inglesa subir ao palco, Hirshey testemunha a excitação de Michael, que parece viver para aqueles momentos: “O Freddie está pronto! Como o invejo neste momento, nem sabes quanto”. Em breve, Michael conseguiria o impossível transformando o mundo inteiro no seu palco. Era ele o rei.



*Texto originalmente publicado na revista Blitz.

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