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Fotografia: André Dinis Carrilho
Publicado a: 12/08/2022

A improvisação leva à perfeição.

2JACK4U: “O que nos dá mais gozo e liberdade é a jam

Fotografia: André Dinis Carrilho
Publicado a: 12/08/2022

2JACK4U é dos projectos de música electrónica mais afinados a nível nacional. Quem já os viu actuar ao vivo fica boquiaberto com a complexidade técnica dos seus setups, no entanto, não se trata apenas de virtuosismo: a energia acid e a atitude rave que os caracterizam transpira criatividade e contagia qualquer público. 

A propósito da sua presença no festival NEOPOP, conversámos com Acid Mary e Jack Drop sobre produção de música electrónica e questões inerentes à sua cultura.



Tendo em conta o vosso processo de criação e experimentação, quais foram os modos de sincronização entre máquinas que mais vos surpreendeu? Utilizam apenas MIDI ou também utilizam CV/Gate? Qual é o sistema que mais utilizam hoje em dia?

Desde o início foi CV/Gate. É o patch que continua a surpreender-me. A primeira máquina que comprámos foi um MS20, um sintetizador semi-modular. Para caloiros que nem sabiam o que era um sintetizador, o MS20 foi um grande desafio! [Risos] Vimos uma publicidade, “Every Nun Needs a Synth” e pensámos: “Ya!” Naquela altura já começavam a surgir algumas coisas no YouTube sobre sintetizadores.

Voltando à ligação CV/Gate, em alguns sintetizadores, como é o caso do MS20, basta uma corrente de ar para alterar tudo. MIDI é muito certo, é como usar uma DAW. Se queremos introduzir o erro ao utilizar MIDI ou uma DAW, temos que trabalhar no erro, ou seja, temos que o provocar. Com CV/Gate o erro é quase o acaso. O que utilizamos para 2JACK4U é MIDI, porém, já utilizámos e continuamos a utilizar outros modos de sincronização como o sync, trigger e clocks externos. Caímos no mundo da toxicodependência dos modulares [risos]. Para o NEOPOP, por exemplo, ainda não sabemos bem que setup utilizar.

Na minha opinião, a imprevisibilidade do CV/Gate é uma contribuição muito importante para a música de pista. Deixa de ser tão quadrada, tão metódica.

Sim. Em termos de criatividade, é um desafio. É uma nova via que, de repente, se abre. Conhecendo bem as máquinas, obviamente. Caso contrário, panicas… acontece.

Acabaram de dizer que ainda não têm certezas sobre a composição do setup que vão levar para o NEOPOP. Apesar de nada estar fechado, podiam falar um pouco mais sobre o assunto? 

Ainda não temos certezas. Desde o início do projecto de 2JACK4U que apostamos muito em efeitos. Desde pedais antigos, até aos pedais mais recentes da Eventide, que são de extrema qualidade. Mas lá está: não nos agrada tanto. Preferimos uma rack com efeitos da Boss típica dos anos 80. Vamos levar uma para o NEOPOP. Vamos levar também um Quadraverb e um phaser de rock and roll — este efeito nos pratos fica uma delícia! É suposto ser utilizado em guitarras mas nós aplicamos noutros instrumentos. Uma mesa de mistura Midas é extremamente importante para nós porque serve também de instrumento. Temos sempre seis efeitos disponíveis, além dos effects one, effects two, aux one e aux two. Fazemos envios através do send/return e ainda utilizamos a saída de monitores. Além de termos efeitos por canal, temos seis efeitos à disposição dos trinta e dois canais, podendo fazer feedback entre diferentes efeitos. É uma delícia! Quando usamos modulares, não usamos nada de efeitos. O que andamos a explorar com os modulares é o seguinte: utilizando um MATRIXSYNTH, enviamos através de cabos banana os CV/Gates das TBs e acid machines que temos e que simultaneamente recebem sinal. Desta forma, podemos criar melodias intercaladas e misturadas: através do MATRIXSYNTH fazemos os envios que quisermos.

Falem-me um pouco do vosso processo de criação musical. Li que baseiam-se muito na improvisação, contudo, têm coisas publicadas e ainda há bem pouco tempo lançaram um álbum. Quando gravam, continua a ser tudo improvisação? Gravam tudo em multipista e depois editam? Fazem uma distinção entre fazer um álbum e fazer um live?

Normalmente, aquilo que queremos é conseguir gravar o improviso e lançá-lo tal como está. Seja em multipista ou apenas o stereo do master. Quando gravamos só o master temos que ter tudo muito bem equalizado, não há margem para erros. Já lançámos músicas assim e é a maneira que nos dá mais gozo. No que toca à composição, já experimentámos tudo, ou seja, multipista e o total de uma jam. Estamos constantemente a procurar novas maneiras de fazer as coisas. No início da pandemia, fizemos um som só com VSTs sem nunca ter experimentado qualquer VST! Se não puderes utilizar todas as ferramentas que tens ao teu dispor, qual é a piada? Acabamos por cair nesse erro, de tocar muito tempo com a mesma máquina, com o mesmo setup. Voltando à gravação, sem dúvida que o que nos dá mais gozo e liberdade é a jam. Afasta-nos um pouco daquele carácter obsessivo… A tarola nunca está boa! [Risos]

No ano passado lançaram o EP Alpha Street. Têm algum lançamento agendado para este ano? Ou algum projecto de lançamento sem data definida?

Há pouco tempo lançámos um álbum pela editora brasileira The Church of the Noise Goat. Não tem nada a ver com house. É, basicamente, noise e experimental, por vezes um noise hardcore. Deram-nos carta branca para enviar o que quiséssemos e enviámos quatro faixas correspondentes a diferentes projectos do nosso covil. Foram faixas repescadas. Há várias editoras que nos querem lançar e editar. Temos que por mãos à obra e tratar desses projectos futuros.

Como é que vêem os lugares a que chegaram a música de dança e o techno? Vêem esta comercialização e “hipsterização” da cultura underground de forma positiva ou negativa?

De forma mais positiva. A quantidade de coisas que saem, a qualidade desses mesmos projectos… Mas há, obviamente, aspectos negativos. Pela quantidade de coisas que saem, muitas delas são cópias umas das outras, melodias repetitivas que utilizam a mesma forma. No fim dos anos 80 e no início dos anos 90, conseguias identificar perfeitamente a autorias das músicas. “Isto é Jeff Mills”, por exemplo. Hoje em dia ouvimos não sei quantos temas e não conseguimos identificar quem é. Não há um toque pessoal da coisa. Este é um aspecto que considero negativo, mas acho que é muito bom que as pessoas produzam. Sem querer fazer propaganda, o que a Behringer fez — pegou em clones e vendeu-os ao preço da chuva — fez com que muitas pessoas começassem a produzir música electrónica. Isto não acontecia nos anos 80. Quem tinha bandas de garagem… comprar instrumentos era caríssimo! Uma guitarra era caríssima, um conjunto completo de bateria era caríssimo… Acabávamos sempre por usar coisas emprestadas. No nosso caso, como andávamos todos numa escola de padres, utilizávamos os instrumentos dos padres, mas tínhamos, em contrapartida, que tocar nas missas. Hoje em dia não é assim. Acho que se perdeu muito do techno… Sem saber de onde se vem, começamos a fazer disparates relativamente ao lugar para onde se vai! Até há bem pouco tempo perguntavam-nos como é que fazíamos música. As pessoas não percebiam que eram máquinas! [Risos] O techno não vem do Pingo Doce, vem destas máquinas, percebes? Por um lado, as pessoas já começam a perceber o básico, devido aos live acts, no sentido que o pessoal começa a perceber de onde é que vêm aqueles sons e que é possível eles próprios fazerem aqueles sons! O acid foi causado por um gajo que não tinha dinheiro. Queria comprar um baixo acústico, mas encontrou uma TB à venda porque já não estava na moda. Pegou naquilo num estado alterado de consciência e repetiu durante 12 minutos a mesma malha. Não reproduziu nada de ninguém, foi algo completamente novo. Hoje em dia não se vê tanto isto.


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