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Fotografia: Tom Funk
Publicado a: 16/04/2025

Quem é o novo poster boy do hyperpop global?

2hollis: do Brat summer ao star summer

Fotografia: Tom Funk
Publicado a: 16/04/2025

Gostando ou não, 2024 foi o ano de Charli xcx. Brat capturou o zeitgeist cultural de um ano complicado para muitos em todo o mundo, cheio de incerteza e marcado por um paradigma económico desfavorável. Como no início da década de 2010, o fenómeno do recession pop voltou a dominar os charts internacionais, com música intensa e acelerada, perfeita para as discotecas de todo o mundo. Se em 2024, Charli xcx foi capaz de se afirmar como a voz a liderar este movimento (sem se ignorar a importância de uma estratégia de marketing que merece estudo), 2025 poderá ser o ano de 2hollis e do seu novo álbum star. Os paralelos são evidentes: hyperpop energético e inspirado no clubbing (no caso de 2hollis, com influências do hard techno, hardstyle e dubstep), e uma legião de fãs que idolatra o artista, especialmente nos Estados Unidos, construída através das suas performances ao vivo. star é um álbum que, tal como Brat, não será a obra-prima de 2hollis, mas talvez o seu trabalho mais comercial até à data, mantendo a direção que tem vindo a conquistar um público fiel e vocal nos últimos 5 anos. Para desconstruir este álbum, porém, será preciso refletir sobre o seu percurso e o crescimento exponencial que tem vindo a conquistar no último ano e meio.

Hollis Frazier Herndon cresceu em Chicago, e o seu interesse por música não surge por acaso. Kathryn Frazier, a sua mãe, fundou a editora OWSLA com Skrillex, e John Herndon, o seu pai, é baterista da banda Tortoise. De qualquer forma, o músico norte-americano começa a ganhar atenção com uma sonoridade bastante particular, e que pouco tem a ver com o seu som atual ou com essas potenciais influências. OSX, ou Open Swords of Ten, coletivo composto por 2hollis, Circleain e Sighsare, surge no início da década com um reportório que foi descrito pelos fãs como “chainmail music”, ou “medieval rap”. Ainda assim, algumas das suas influências atuais eram já parte integrante do seu som, nomeadamente o trabalho de Drain Gang: 2hollis revela à Pigeons and Planes que a música dos suecos lhe mostrou que “é possível ser um rapper branco sem fazer música foleira”. A chainmail music dos OSX deve muito a Bladee, Ecco2K ou Thaiboy Digital, sem qualquer dúvida, mas essa influência é cruzada com samples orquestrais e completada com todo um universo alternativo que a acompanha, inspirado na época medieval. Foi através dos OSX que 2hollis ganhou reconhecimento, pelo menos para uma comunidade de nicho, que não é, por isso, menos entusiasta. Ainda é possível encontrar hoje timelines detalhadas do universo OSX no Reddit feitas por fãs, apesar de maior parte das músicas do coletivo já não se encontrarem nas plataformas de streaming, sendo apenas acessíveis devido ao esforço desta comunidade, que as reposta no YouTube e no Soundcloud.

A verdadeira ascensão meteórica do artista, especialmente nos Estados Unidos, e as comparações a outros prodígios do hyperpop e cloud rap americano, como glaive, surgem algum tempo depois. Por mais assumidamente estranha que a música dos OSX seja, especialmente considerando todo o lore que a envolve, faltava ainda a 2hollis um projeto que o distinguisse genuinamente do largo leque de artistas que provam a influência de Drain Gang no hyperpop e cloud rap atual. Os primeiros passos foram dados em White Tiger, LP lançado em agosto de 2022, onde já se adivinhava um caminho mais alinhado com elementos sonoros do hard techno e do dubstep (não surpreende que 2hollis já tenha identificado Skrillex como outra das suas maiores influências). O ponto de viragem, porém, só acontece realmente com 2, em maio de 2023: um álbum com intensidade comparável à do hard techno, instrumentalização assoberbante e com um forte sentido de progressão e dinâmica, mas igualmente familiar, fazendo lembrar SOPHIE no seu trabalho mais inspirado pelo clubbing, por exemplo. O uso e abuso pelo artista do efeito sonoro dos foguetes do videojogo Minecraft, e outras referências que são imediatamente reconhecíveis para uma geração chronically online, é outro ponto de diferenciação importante. Foi especialmente neste projeto que 2hollis chegou ao equilíbrio entre a familiaridade e o vanguardismo característico da sua música, e faixas como “all 2s”, “poster boy” ou “trust” são a prova disso mesmo.



Foi através de 2, e da inclusão de “poster boy” na banda sonora do jogo EA Sports FC 24, que 2hollis conquistou a sua maior oportunidade até à data: abrir para a estrela em ascensão do trap americano Ken Carson na A Great Chaos Tour no verão do ano passado, nos Estados Unidos. Inicialmente, a receção que recebeu como opening act não foi assim tão positiva, e a forma como o artista descreve o que sentiu na primeira parte dessa tour à Pigeons and Planes demonstra novamente a sua ligação à internet culture: “Todas as noites, sentia que estava a entrar numa luta contra um boss do Elden Ring ou do Dark Souls” (uma referência a dois videojogos famosos por serem difíceis de completar). Rapidamente o paradigma mudou, e as suas performances foram alvo de compilações no TikTok a mostrá-lo “mogging Ken Carson” (termo informal usado para descrever alguém que é consistentemente mais atraente que outra pessoa ou algo). A sua imagem é tão importante quanto a sua música na sua ascensão, seja através do mistério à volta do artista ou da sua aparência andrógena. O lançamento do álbum boy, que foi também um salto, comparado a 2, mesmo antes da sua tour com Ken Carson, alimentou ainda mais a chama, com faixas como “crush” ou “light” a servirem de provas da sua evolução. Juntam-se às faixas deste álbum vários singles que seriam lançados entre boy e o seu novo álbum, que continuam a ser das músicas mais ouvidas do artista nas plataformas de streaming, como “jeans”, “gold” ou “trauma”.

Não se pense, apesar disso, que 2hollis só ganhou popularidade no outro lado do Atlântico. A sua primeira digressão europeia, que se realizou no mês passado, esgotou salas em cidades como Madrid, Paris ou Berlim. Além disso, e talvez ainda mais surpreendentemente, a sua primeira tour asiática, no final de fevereiro, foi um sucesso ainda maior. É sabido que o trap e o hyperpop têm ainda pouca expressão na Ásia, mas os vídeos dos seus concertos na Coreia do Sul e na China parecem indicar o contrário. Para o explicar, falta mencionar uma outra característica da música de 2hollis, tão importante como as demais: o artista captura de forma exímia uma vivência característica do jovem Gen Alpha/Gen Z. Fá-lo nomeadamente através do egotrip, a fazer lembrar Ken Carson, Destroy Lonely ou Playboi Carti, ou apresentando vulnerabilidades muito próprias da idade, com histórias sobre paixões veranis, intensas e sensuais. O próprio utiliza o termo coming-of-age para descrever a sua estética, seja a nível instrumental ou na sua performance vocal. Por outro lado, olhando à sua faceta mais extática, é impossível não estabelecer os paralelos entre a sua música e o trabalho de artistas como Usher ou Jason Derulo no final da década de 2000 e inícios da década de 2010.

É neste contexto que 2hollis nos apresenta star, o seu novo LP. Este não é exatamente o mesmo 2hollis que conhecemos em boy ou em 2, ainda que mantendo uma linha estética comparável. Uma das principais diferenças, expectável apesar de tudo, é uma necessidade menos evidente de se provar edgy ou na vanguarda: vemo-lo muito mais confortável em utilizar os cânones da pop contemporânea neste seu trabalho. 2hollis já é a “star” que dá nome ao álbum, e entrega-nos um projeto que o reflete. “flash” é a primeira faixa do mesmo (excluindo o interlúdio “beginning”), e funciona como um bom sumário da proposta do artista. É uma música em crescendo, mas que mantém bastante dinamismo, e que culmina num drop com um kick pronto a rebentar qualquer subwoofer, acompanhado por um elemento melódico 8-bit que relembra o seu maior sucesso até à data, “jeans”. Ou seja, apenas nessa música temos a consolidação de vários elementos já familiares aos fãs do norte-americano, mas da mesma forma nota-se um à-vontade com o uso de formulações de composição testadas por outros nomes do pop mundial no passado.



De “flash” seguimos para “cope”, que contém uma interpolação do refrão “Heroes”, de David Bowie, um hino do coming-of-age, com uma entrega vocal que se encontra entre o sofrido e o sensual, e que podia facilmente cair num lugar-comum, mas que surpreendentemente resulta. Depois desta temos “you”, que é das faixas mais bem conseguidas do álbum: um verdadeiro hit de verão, tão agressivo quanto comercial, que equilibra o melhor dos mundos do EDM e do hard techno. Para fechar este começo prometedor, ainda se pode ouvir “tell me”, que é outra faixa club-ready que meterá qualquer alma a mexer-se e a reverberar com a sua linha de baixo 808 estupidamente distorcida. 

Porém, a partir daqui o álbum perde algum gás. Seguem-se as algo genéricas “destroy me” e “burn” (que ainda assim não nos surpreenderá que possam ter algum sucesso), até voltarmos a outra das faixas mais fortes do projeto, “girl”. Esta é a música que mais deve ao trap neste álbum, com os seus sinos que já se tornaram a imagem de marca de Yeat. Destacam-se ainda “sidekick”, onde 2hollis usa e abusa da distorção que encaminhou os novos talentos do trap ao estrelato, e “safe”, um afro-house grandioso que não estamos habituados a ouvir do artista, fechando o álbum noutro crescendo, apesar de soar algo incompleto.

star não é um álbum perfeito, nem é o melhor trabalho que já vimos de 2hollis. Numa era da música internacional em que, cada vez mais, o dispositivo do LP vai perdendo terreno para a importância de um bom single, também não se podia esperar um projeto coeso ou que no seu todo pretenda dizer alguma coisa. Charli xcx não o fez com Brat, e isso não impediu que o álbum se tornasse num dos mais relevantes para o zeitgeist cultural do início desta década. De qualquer forma, é ingrato comparar 2hollis a Charli xcx: enquanto a autora de Brat já conta com uma carreira com mais de uma década de trabalho, 2hollis está agora a começar o seu caminho e apresenta uma proposta que, por mais popular que se comece a tornar, ainda será pouco digerível para uma parte considerável do público. 

Uma coisa é certa, no entanto: 2hollis mostra estar num bom caminho para liderar um novo movimento musical a nível global, especialmente porque captura um sentimento muito próprio da geração jovem adulta, acompanhado por uma sonoridade que cada vez mais se populariza entre quem está agora a entrar nos seus vintes. Ouvir 2hollis é ouvir a voz de uma geração que já nasceu online, que consome tutoriais de Minecraft em versão música trap, e que compara o cabelo loiro do artista à crina de um pégaso. Todo o seu trabalho partilha com uma nova geração um contexto de vivência e relação com os outros que é próprio desta, para o bem ou para o mal (até a velocidade estonteante de muitos dos seus hits nos pode dizer algo sobre o nível de atenção do seu público, afetado pelas redes sociais). A obsessão de 2hollis com os universos à sua volta e à volta das suas músicas reflete igualmente a dualidade do mundo em que vivemos, especialmente do mundo em que o jovem adulto vive, e é outra faceta que o liga ao recession pop de Usher ou Jason Derulo: a necessidade de, por vezes, poder escapar de um mundo que é cada vez mais confuso para todos nós. 

Não será irresponsável afirmar que a probabilidade de um dia 2hollis vir a encher um Coliseu ou mesmo um Pavilhão Atlântico é grande, mas que isso demorará a acontecer. De qualquer forma, o artista já conquistou algo que está ao alcance de poucos: a sua música é a promessa de um som que representa toda uma comunidade de chronically online kids que se preparam para começar a sua vida adulta. Será muito interessante perceber se conseguirá corresponder a este potencial, mas com faixas como “crush” ou “you”, está num bom caminho, e no mínimo já nos consegue entregar um verdadeiro star summer, mesmo que sem a mesma expressão de Brat.


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