LP / CD / Cassete / Digital

21 Savage & Metro Boomin

SAVAGE MODE II

Epic / Boominati / Republic / 2020

Texto de Nuno Afonso

Publicado a: 06/11/2020

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Convenhamos que a ideia de sequela em redor de um objeto artístico simbólico é sempre um ato que aporta risco. No cinema são imensos os casos de uma sobrexploração, muitas vezes inconsequente, de um tema, personagem ou história que termina por esfumar toda a magia que afinal celebrou trabalho original. Também na música a ideia foi sendo replicada e SAVAGE MODE II surge agora, cerca de quatro anos depois, como uma continuação do disco que juntou duas das forças criativas mais celebradas nos recentes anos. Como tal, a nuvem mediática era espessa tal para estratégia promocional: as especulações pelas redes sociais, o website criado especificamente para o efeito e até uma linha telefónica onde os curiosos poderiam escutar, em primeira mão, excertos dos novos temas. Nem Morgan Freeman escapou, marcando presença neste álbum como interlocutor entre faixas – e se assim quisermos, uma espécie de guru espiritual ou voz do subconsciente. Há claramente em SAVAGE MODE II uma urgência latente em procurar explorar o fértil caminho conjunto deste projeto.

“Are things better or worse the second time around? Can we really do anything more than once?” As palavras são lançadas por Freeman, em jeito de provocação ou premonição do que se escuta ao longo das 15 faixas que estruturam esta segunda instalação. E o que se escuta é um disco sólido, que sabe onde quer chegar e como o fazer com natural mestria. Se por um lado 21 Savage é uma das vozes que soube encontrar o seu lugar em parcos anos, por outro, Metro Boomin criou toda uma (justa) imagem de produtor fetiche – Gucci Mane, Future e até Kanye West reconheceram o seu brilho. Contudo, SAVAGE MODE II prima por soar a algo diferente das suas carreiras a solo, como uma genuína colaboração que busca outras latitudes. Neste sentido, e conectando com a ideia inicial deste texto, estamos perante um disco que felizmente soube arriscar e completar a semente outrora plantada.



Nos 45 minutos em que se desenrola esta estória urbana, é com satisfação que se observa as tentativas de sair da zona de conforto de cada um. Metro Boomin é ligeiramente o elo mais forte, entregando beats envolventes e cinematográficos, amplamente diversos e inesperados. Existe quase uma ligação umbilical criativa entre o produtor e o MC (de resto, à semelhança do que acontece na dinâmica Playboi Carti e Pi’erre Bourne ou Eric B e Rakim). Embora 21 Savage enverede por um discurso mais familiar, logra escapar do óbvio. Porta-voz das ruas de Atlanta, ele é um cronista nato, capaz de capsular imagens em movimento nos versos que partilha ao microfone.

“Runnin” é a primeira canção do disco e resume o que até aqui foi sugerido: um momento que imediatamente transita do comum para algo mais além. Existe ironia e inteligência no modo como 21 descreve os seus fantasmas e visões, quase numa tentativa de decifração do próprio. O lado mais escuro e confrontativo de SAVAGE MODE II emerge com um forte conjunto de temas como “My Dawg”, “Glock In My Lap” e “Steppin on Niggas” (este último a soar brilhantemente retro, com um piscar de olhos ao passado). Três shots de realismo cru e que sem esforço deixam um rasto pelos ouvidos por onde passam.

Num álbum que também se faz de convidados, encontramos Drake no solarengo “Mr. Right Now”, Young Thug em “Rich Nigga Shit” ou Young Nudy no emblemático “Snitches & Rats” — apelando à memória os guiões da magnífica série televisa The Wire. Existem de facto momentos memoráveis em SAVAGE MODE II, mas também existe uma leve sensação da presença de alguns fillers entre um bom conjunto de temas killers. Ainda assim, e contas feitas, a dupla traz um álbum ambicioso na narrativa conceptual que segue, alcançando um resultado amplamente positivo. Não sendo um xeque-mate no jogo, é disco que acrescenta uma jogada audaz nas edições deste ano no que respeita ao universo do rap. Espelha, acima de tudo, muita da realidade actual e consegue impor-se como um retrato geracional da sua época.


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