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Publicado a: 14/01/2016

21 faixas essenciais de Omar-S

Publicado a: 14/01/2016

[TEXTO] José António Moura [FOTO] Direitos Reservados

 

House tinha ficado gigante e massificada no final do século XX, muito brasileira e africana mas no sentido Wallpaper, gentrificada (como se diz hoje). A virtude do electroclash, que bateu muito entre 2001 e 2004, foi o contraste, o negro mas também o cor-de-rosa, trouxe rock para a pista, trouxe R&B, synth-punk, A Certain Ratio, gótico e, já no final da era, trouxe de volta acid house. Depois? Quase um reset, quando em 2005/2006 houve uma operação de reedições da Trax. Ficou claro que house nunca foi embora e que era importante perceber a raiz, a sua essência, ouvir a verdade. Os discos de Omar-S não tinham capa nem arte nos rótulos, só carimbos e um mínimo de identificação escrita à mão.

A minha entrada foi com Track #8. Toca de dentro para fora, não decidia bem se era house ou techno, lembrava Autechre. Foi puro tiro aniquilador e, no processo, um renascimento. Comprei o disco em 2004, na mesma época em que abria outra enciclopédia de house: Jamal Moss. Qualquer novo disco de Omar-S passou a ser um acontecimento muito aguardado. A Flur começou a comprar os discos directamente a ele, era uma excitação quando em Omar-S Detroit aparecia um título novo. Informação, por essa altura, era quase nula. Só em 2007, com uma entrevista ao Infinite State Machine, apanhei Omar-S a falar em discurso directo. Até aí liam-se as frases no final de cada lado nos discos de vinil e era assim que se formava uma ideia de personalidade: “Can YA’ll Keep Up With This!!“, “I’m A Invisible Man in my County“, “Techno music is my heritage – techno is not dead DAMN IT!“, ” FXHE IS DETROIT’S NEW SOUND-MUFFUKA’S“, “The Motown Minimal Sound!

E quem era Shadow Ray (creditado nos discos de Oasis)? Provavelmente ele próprio. Omar-S era operário numa fábrica da Ford, bónus muito importante para o seu estatuto de culto. Admitiu, com algum rancor, que mal sabia quem era Ricardo Villalobos quando lhe começaram a dizer que a sua mix para o CD do Fabric seguia o mesmo modelo da de Villalobos. Essa cena real na atitude trouxe mais cred à música, não havia nada que fosse processado em demasia. Tornou-se também claro que a Europa era onde apreciavam a sua música, sabia que em Detroit, fora do círculo, ninguém lhe ligava muito, nem sequer sabiam quem ele era. O álbum “111” vinha com esta frase, quase como subtítulo: “Foe Da-International DJ Only!!“.

As 21 faixas que se seguem desenham um mapa que atravessa mais de uma década e mostra a localização de tesouros inestimáveis na continuação da magnífica, tocante, história da house pelo menos desde que Steve ‘Silk’ Hurley gravou “Music Is The Key” em 1985. Omar-S apanhou essa dica pelo primo Big Strick (oiçam os discos dele), cujo filho (Generation Next) ajuda a perpetuar a tradição de house perto do osso, com poucos elementos mas todos eles essenciais. “It’s A Family Affair“.

 


 

[OMAR-S] “U (Instrumental)”
(002, 2003)

Uma faixa absolutamente definidora do som de Omar-S, a sua marca de house. Tanto que, para além da interpretação vocal editada num disco à parte, ressurgiu ainda em 2011, numa versão discreta e alongada, no álbum It Can Be Done But Only I Can Do It.

 


 

[OMAR-S] “Track #8”
(Track #8, 2004)

A tradição de mensagens no espaço de vinil entre a última faixa e o rótulo central mostra aqui outra revelação de Omar-S: “Techno music is my heritage – techno is not dead DAMN IT!” Esta faixa transporta sons recorrentes em vários discos seus, associados na minha cabeça ao período 93/94 de Autechre e da cena IDM/Warp. Drama que decorre dentro do túnel, como se ouve na reverberação metálica, mas reparem na qualidade investida na melodia.

 


 

[OMAR-S] “Always There”
(003, 2004)

Outra composição definidora de estilo, equilibrando enorme poder estético e musical sobre ténues bases sintéticas, fazendo cantar os presets. Magnífico.

 


 

[OASIS] “Oasis #9”
(Oasis Collaborating, 2005)

Está quase tudo no jogo entre a bola de ping pong virtual e a caixa de ritmos, uma equipa que eleva isto a um certo vanguardismo que só poderia ser pretencioso se o jogo melódico não nos deixasse em êxtase. Perfeito balanço de groove, com falsa linha de baixo, beat seco e, nas máquinas, uma inteligência mais natural do que artificial. Para lá do razoável.

 


 

[OASIS] “Oasis Nineteen”
(Oasis Collaborating #2, 2005)

Uma espécie de mantra maquinal africano que fica realmente exótico algures após os três minutos. Os sons clássicos, incluindo boa dose de escovas já quando não se esperava. Bem fundo num cenário tropical imaginado por um robô.

 


 

[OMAR-S] “Jit”

(005, 2005)

O primeiro álbum de Omar-S, também chamado Just Ask The Lonely, fixava esse ano de 2005 como central no novo impulso house em Detroit. No grande fôlego demonstrado por mais dois álbuns (como Oasis), Omar-S consegue ainda, nos 11 minutos de “Jit”, mandar a sua boca iconoclasta com uma faixa em tempo quase gabba mas de paz. Um pulsar frenético rápido demais para um set de house (mesmo com o pitch no mínimo) e, para o fim, lento demais. Sempre aparentemente nas margens do que deveria ser. Incrível.

 


 

[T.O.M. PROJECT] “Renaissance”
(Renaissance, 2006)

Aqui a cama fica molhada só de ouvir os nomes: Omar-S com Theo Parrish e Marcelus Pittman. Frieza do fundo do poço como se fosse processada no Music Box de Chicago, orquestração ácida nesta manobra all-stars que dispara verdade atrás de verdade.

 


 

[GENE HUNT FEAT. JOCELYN H.] “Gotta Get Away (Deep In The Box Mix)”
(Gotta Get Away, 2007)

Uma das raras remisturas de Omar-S fora do catálogo da FXHE, aqui junto com Rick Wilhite, outro don de Detroit. Seco, seco (e sick), a voz do original vem só para lembrar Gotta Get Away em dub e filtros, de outro mundo.

 


 

[OMAR-S] “J-A-i-P-U-R”
(111, 2007)

O início parece um disparo da BBC Radiophonic Workshop, completo até com a marcação do tempo num relógio com bass. Seguem os tons artificiais que moldam as ondas de melodia, ele aqui mostra como é incrível em música romântica futurista fora da pista. Se os sons são a linguagem, esta é sua. O kick, mais para o final, tem aquele corpo gordo que faz saltar a agulha num prato mal calibrado.

 


 

[OASIS] “Oasis Two”
(Thirteen / Two / Eight, 2007)

Outra obra ambiental de todo o tamanho, nos seus cerca de quatro minutos. Quando entra a linha de baixo já estamos em transe, tudo o resto é acrescento para aprofundar a ligação. Boas salas de ambiente nos anos 90 morreriam para ter música assim.

 


 

[OMAR-S] “Psychotic Photosynthesis (No Drum Mix)”
(Psychotic Photosynthesis (No Drum Mix), 2008)

“Psychotic Photosynthesis”, com beat, já tinha partido para o infinito house, mas esta versão ambiental passa a ser a obra magna de Omar-S no território etéreo, coroando este período 2007-08 em que andou mais pelo Espaço e regressou para contar. Em 10 minutos, é E2-E4 no novo século. Tem tudo, no seu arco narrativo fabricado em Detroit.

 


 

[OMAR-S] “The Further You Look – The Less You Will See”
(The Further You Look – The Less You Will See, 2008)

No mesmo ano, outro disco que, apesar da arte a preto e branco, senta com grande coerência junto de Psychotic Photosynthesis, Plesetks Cosmodrome e Here’s Your Trance, Now Dance. Dá para identificar nestes discos um traço colorido meio new age que reconcilia um certo kitsch com a vanguarda. Puxa em ambas as direcções.

 


 

[OMAR-S] “Flying Blind”
(Still Serious Nic, 2009)

Manual de produção muito seu. O início soa como algo de 2003-2004, super reduzido, outro dos muitos exemplos nobres do que ele chamou “The Motown minimal sound“. Mas as camadas começam a chegar, as teclas e as cordas concorrem e sobrepõem-se num jogo harmónico que até dispensa a linha de baixo (introduzida mais tarde). Como boogie dos 80s a descobrir o formato house.

 


 

[OMAR-S] “Busaru Beats”
(Blown Valvetrane, 2009)

É só uma teoria, mas “Busaru” é um anagrama de Subaru, a marca qua Omar-S privilegiou (neste momento não sei, mas em 2007 ele conduzia um STI de 2006. Talvez seja estranho trabalhar na indústria automóvel americana e guiar um carro japonês, mas a justificação era simples: “É um carro de rally, ninguém sabe o que é, por iso ninguém o quer roubar.” O título automobilístico deste disco para a Sound Signature de Theo Parrish era inevitável, mais tarde ou mais cedo, na carreira discográfica de Omar-S. “Busaru Beats” assume claramente a característica de DJ tool que Omar dizia que todas as suas faixas eram, as pessoas é que não percebiam e inventavam grandes histórias sobre a sua música.

 


https://www.youtube.com/watch?v=eJKOwqaLlQo

 

[ALEX SMITH] “Here With Me”
(Here With Me, 2009)

Não é a primeira canção com voz editada na FXHE, mas foi a partir desta que se tornou regular ouvir vozes, mais tarde com L’Renee, Colonel Abrams, James Garcia, John F.M. A canção é conduzida por Diviniti em típico modo introspectivo house, tão falado como cantado. O espaço é muito importante, mas aqui tudo o que não é espaço está no sítio certo: piano sintético, linha de baixo e a pulsação ácida que acrescenta mau tom (bom tom) à voz doce de Diviniti.

 


 

[OMAR-S AND KAI ALCE] “Not Phazed”
(Jive Time, 2010)

Apesar de adorar esta a 33 RPM, a verdade é que no seu ritmo original esta é das malhas de dança mais iluminadas do século. Para trás disso, ocorrem “Dreamland” e “Butterfly“, por exemplo, ambas de Carl Craig em 97. Se traduzirmos “Not Phazed” como “Não estou preocupado”, esta torna-se uma faixa eminentemente terapêutica. O passo, a melodia, o ácido, as claps secas, o horizonte bem ao fundo mas perfeitamente ao alcance, essa é a esperança ao ouvir isto. Estamos aqui mas podíamos estar Além.

 


 

[OMAR-S FEAT. DJ B-LEN-D] “Da-Teys”
(All I Do / Da-Teys, 2010)

DJ tool espacial, não engana. Omar manda o beat e umas cores que vão crescendo, DJ B-len-D está nos shakers e percussão. Totalmente extraterrestre, vinda da selva de outro planeta.

 


https://www.youtube.com/watch?v=fV5atykAV9U

 

[OMAR-S AND L’RENEE] “S.E.X. (C.G.P. Remix)”
(S.E.X. The Remixes, 2012)

Umas teclas bem tensas, as palmas robóticas características, a voz de L’Renee bem espalhada ao longo da faixa, e está feito outro clássico, aqui na melhor mistura do disco. “Conant Gardens Posse Remix” tanto pode referenciar a zona negra “bem”, em Detroit, como Amp Fiddler e o seu banco de sons de percussão em conjunto com o legado de beats de J Dilla. Mas são as teclas que tornam a mensagem ainda mais malvada.

 


 

[OMAR-S] “Dumpster Graves”
(Thank You For Letting Me Be Myself, 2013)

Dub não anda nunca muito longe nas produções de Omar-S, mas acho que foi preciso chegarmos a 2013 para as reverberações soarem mesmo ondulantes,a desaparecer na distância. Uma faixa aparentemente experimental cuja chave de personalidade está precisamente na melodia distorcida pelo dub. A percussão fala muito alto, também.

 


 

[OMAR-S] “Annoying Mumbling Alkaholic”
(Annoying Mumbling Alkaholic, 2014)

Um dos mais evidentes exemplos “de época” na sua discografia, com a percussão distante a recordar o brilho de R&B electrónico produzido nos 80s. Mais uma vez o glamour dos presets a elevar-se. Considerando o título, eis uma faixa até bastante pacífica.

 


 

[OMAR-S] “Frogs”
(Romancing The Stone, 2014)

A maioria dos temas ácidos de Omar-S não têm nada de extraordinário, só que é precisamente nos poucos que TÊM que há pontos a serem acumulados em massa. Claramente em uníssono com o título, a linha ácida têm o mesmo tipo de impacto que escutamos em “Here With Me”, mas em “Frogs” chega ao primeiro plano, depois da faixa arrancar em modo disco filtrado dos 90s. Isto salta por todos os lados, o disco regressa, abafado. O final corta abruptamente o groove.

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