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Vão ser celebradas as duas décadas da label mais impactante do universo DIY a Norte do país com toda a pompa e circunstância, com caras e sons que têm acompanhado o percurso da Lovers & Lollypops nas suas mais diversas incursões ao longo dos anos: Cativo, Cremalheira do Apocalipse, Hetta, La Familia Gitana, Lobster e Violeta Azevedo & Ariyouok.
Das 14h às 20h deste sábado, dia 13 de Setembro, abrem-se as portas das lendárias Piscinas Municipais de Barcelos com uma brisa de nostalgia dos bons tempos passados no Milhões de Festa para celebrar este importante marco.
Falámos com o fundador Joaquim Durães sobre a história e o percurso da Lovers & Lollypops, antecipando ainda a grande festa de aniversário que se avizinha.
Como nasceu a Lovers & Lollypops, e com que propósito?
A Lovers & Lollypops nasceu em 2004, quase por acidente, a partir de um projecto de curso falhado sobre a cena underground de Barcelona. No regresso da experiência Erasmus nessa cidade, perceberam-se duas coisas fundamentais: que não havia grande vocação para o curso em que estava inscrito (Tecnologias da Comunicação Audiovisual) e que aquilo que tinha vivido em Barcelona tinha sido tão poderoso que seria imperativo transportar essa energia da cena musical independente para Portugal. Na altura, a pressão turística e os grandes festivais ainda não tinham ocupado a capital catalã e a cidade fervilhava de editoras, salas e artistas incrivelmente talentosos — alguns ainda no ativo, como ZA! ou El Guincho. A ideia passou, então, por recriar esse espírito: fundar uma editora, mesmo sem saber bem o que significava gerir uma, mas com a vontade clara de conjurar um espaço para artistas marginais como Green Machine, Lobster ou Veados Com Fome.
Sentes que esse propósito foi cumprido, ou que se foi alterando, tornou-se mais abrangente ou mais ambicioso?
O mote inicial da L&L nasceu desse espírito já clássico e maior de idade do DIY, aliado à vontade de dar palco, espaço e visibilidade a bandas marginalizadas e artistas desajustados. Uma plataforma que funcionasse como uma família de apoio, para que ninguém sentisse que estava a remar sozinho. Esse pilar mantém-se vivo até hoje: é a chama primordial que alimenta o projeto, num exercício constante de experimentação e reinvenção.
Conseguiam na altura ter uma ideia de quanto tempo iria durar o projeto? Estavam à espera que atingisse as duas décadas de longevidade?
A verdade é que nunca pensámos na longevidade como objetivo. O que sempre nos moveu foi a urgência de fazer acontecer, sem tempo para nos preocuparmos com prazos de validade. Nos primeiros anos, a energia era a de queimar o pavio o mais rápido possível, experimentar, arriscar. A Lovers & Lollypops começou como um hobby, cresceu para um part-time, depois para um full-time e, quase sem darmos conta, transformou-se numa estrutura orgânica que já atravessa duas décadas.
Podes partilhar connosco 5 pontos altos do vosso percurso? E 5 pontos baixos que vos fizeram reconsiderar a continuidade do projeto? Houve momentos em que se tenham desanimado, que tenham considerado um hiato, ou desistir dessa visão?
Felizmente, ao longo do tempo, têm sido muitos os pontos altos, momentos que alimentam a continuidade da editora e dos quais destacamos: o ano de 2008, que marcou a nossa história inicial, pois foi o ano em que nos assumimos, de forma definitiva, como promotora, colocando o Porto no mapa das tours internacionais com concertos de bandas como Liars, Deerhunter, The Black Lips ou Comets On Fire; a primeira edição em vinil, com Saturdays & Space Travels dos Black Bombaim, foi um marco editorial para quem, até aquele momento só tinha editado CDRs em números limitadíssimos; o primeiro Milhões de Festa em Barcelos, pois até aquela altura nunca tínhamos organizado nada daquela escala e ainda hoje parece um sonho aquele line up que se reuniu em Barcelos; a estreia do Tremor, em que juntámos as bandas da L&L da altura e levámos toda a gente até São Miguel — ficaram a partilhar beliches na pousada da juventude, alugámos um autocarro para os transportar e incentivámos ao máximo as colaborações, para construir um alinhamento que pudesse realmente ser chamado de festival; e finalmente a inauguração do espaço da L&L no Porto, um desejo antigo que finalmente se materializou — ter uma casa própria para residências e apresentações, mais próxima do público e capaz de oferecer condições de experimentação aos artistas que gravitam em redor da editora. É verdade que a memória é seletiva e tende a apagar os momentos negativos, mas há um que permanece vívido: o Milhões de Festa de 2011. Para o público foi um sucesso, mas para nós revelou-se uma organização terrível — uma autêntica dor de crescimento.
A partir de quando é que o projeto se tornou auto-sustentável?
Auto-sustentável é um termo caro para uma editora independente, pela necessidade constante de se reinventar, de estar sempre de bicos de pés, preparada para os desafios que possam surgir. É caminhar consciente de que não se pode dar um passo maior do que as pernas permitem, mas ao mesmo tempo evitando ossificar, cair numa anomia espectral que a deixe inerte e sem capacidade de perscrutar o futuro. A vida de uma editora nascida no início dos anos 2000 é atravessada por rápidas, profundas e constantes transformações. Lidamos com o declínio das vendas físicas, a ubiquidade das plataformas de streaming e os tostões que daí advêm em nome de uma visibilidade que supostamente traria mais concertos e melhores condições financeiras para os artistas, promessa que nunca se concretizou, porque viajar e fazer digressões é hoje cada vez mais caro, inflacionado por sucessivas crises das quais bandas e músicos não conseguem escapar. Estes 20 anos são, por isso, uma história de resiliência: atravessámos crises económicas, a troika e o seu impacto direto (na altura criámos um passe social), uma pandemia (de onde nasceu o Clube L&L), crises energéticas e agora um mundo em aceleração de polarização e atomização. Contra isso, quisemos responder com ações concretas, e um dos frutos dessa resposta foi a criação, em 2022, do espaço da L&L: um lugar rizomático, de afeto, que junta pessoas, artistas e comunidades em redor do som e das suas propriedades. Talvez a auto-sustentabilidade nunca tenha feito parte da equação, nem venha a fazer, mas a consciência do trabalho desenvolvido e a profissionalização foram ganhando corpo. Diria que a partir de 2014 começou a existir uma visão mais concreta, estruturada e pensada sobre aquilo que a editora poderia e deveria ser.
Que dicas dariam a artistas e melómanos que queiram começar os seus próprios projetos DIY, numa altura em que parece haver tanto desânimo, desinvestimento e saturação no meio artístico e criativo?
O “faz tu mesmo” continua a ser tão válido hoje como era há vinte anos, mas hoje com uma consciência acrescida: fazer as coisas com sentido comunitário e de entreajuda, em vez de alimentar competitividades desnecessárias. Quando nos alinhamos com o nosso propósito, com aquilo que nos é natural, percebemos que todos temos algo a acrescentar e que todos podem acrescentar a nós.
Quais são as vossas memórias preferidas das Piscinas Municipais de Barcelos? Já alguma vez lá houve um crowd-surfing aquático?
As Piscinas Municipais de Barcelos, contra todas as expectativas, conquistaram um estatuto de culto e transformaram-se num verdadeiro palco de memórias coletivas que ainda hoje habitam os sonhos mais belos de muitos melómanos, dentro e fora de Portugal.
Foram cenário de concertos brilhantes, atuações bizarras, sets veraneantes, performances extremas e, claro, do já lendário crowd-surfing aquático, um dos desportos radicais praticados durante os anos de vida do Milhões de Festa. Entre tantos momentos, há um que ficou gravado a ferro e água: o mergulho sonoro (e literal) de Sly & The Family Drone, em 2017. Fomos felizes com autênticas pérolas do psicadelismo como Moon Duo, Tomaga, Orchestra of Spheres ou Big Naturals, que, britânicos como são, decidiram tocar de tronco nu, sem uma gota de protetor solar. Resultado: sob o sol escaldante, terminaram o concerto transformados em autênticas lagostas. E naquela piscina cabiam — e continuam a caber — mil mundos diferentes: da eletrónica inconformada de Jamal Moss, Matias Aguayo ou Adrian Sherwood, ao punk irreverente dos Mr. Miyagi, passando pela bizarria única de Traumático Desmame e LSD Mossel. Um caleidoscópio de sons, memórias e experiências que só o Milhões conseguia reunir.
O que gostarias de dizer às pessoas que ainda estão na dúvida se vão no dia 13 de Setembro ao vosso aniversário?
Acreditamos que uma festa na piscina é tão apelativa em 2025 como era em 2010. Esta é, por isso, uma oportunidade única: regressar a um lugar onde fomos felizes e, ao mesmo tempo, integrar um alinhamento que reúne alguns dos nomes mais interessantes da música portuguesa atual. Afinal, a curiosidade sempre foi uma das chaves para apreciar o catálogo da Lovers & Lollypops.
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