Começa a ser difícil pensar noutro dia assim na história do hip hop em Portugal: no próximo dia 16 de Julho, o Super Bock Super Rock vai receber, no seu palco principal, os Orelha Negra, De La Soul e Kendrick Lamar. Mas os argumentos para convencerem os fãs do género a marcarem presença no Parque das Nações não se ficam por aqui: haverá Kelela e Capicua no Palco EDP, DJ Ride e Batida no Palco Carlsberg e, sabemo-lo agora, Slow J e Mike El Nite no Palco Antena 3. Não me lembro de uma outra jornada assim, tão plena de rimas e de batidas significantes.
Pense-se no que esse “universo” contido nos 9 nomes que nos dizem mais no cartaz do Super Bock Super Rock de dia 16 (há mais, claro: dos GNR aos Salto, dos Fidlar a Daniel Haaksman) significa: estão representados artistas nacionais e internacionais; nomes consagrados e emergentes; DJs e MCs; bandas orgânicas que soam como um homem só e homens sós que soam como bandas digitais; mulheres e homens; gente que quer fazer a festa e mais gente que quer fazer a revolução; todos artistas de corpo inteiro.
Durante muito tempo, o hip hop era um OVNI que raramente se avistava neste género de eventos e não se pode dizer que não continue a existir uma certa resistência a programar nomes vindos deste terreno estético: basta pensar que da generosa oferta do Primavera Sound em Barcelona – que começa em Action Bronson, passa por Avalanches, Dam-Funk, Freddie Gibbs, Hudson Mohawke, Jay Rock, Pusha T e, no que mais nos diz respeito, só termina em Vince Staples – sobreviveu no cartaz do Porto apenas o homem de Shadow of a Doubt, Freddie Gibbs. Não será, naturalmente, apenas uma questão de vontade – HudMo é um dos nomes do espaço de Electrónica do Rock In Rio e os Avalanches, por exemplo, estão apenas a fazer uma muito curta série de apresentações, como indicámos anteriormente, aliás – mas também é difícil não ler na ausência de nomes internacionais em boa parte dos cartazes dos festivais de maior dimensão (o Alive tem uma boa representação nacional, a começar em Mundo Segundo e Sam The Kid, passando por Carlão, NBC, Sir Scratch e Bob da Rage Sense, MGDRV ou DJ Glue, quase sempre em palcos mais pequenos) um certo alheamento do que nos parece evidente: o hip hop tem força para aguentar os embates nos palcos maiores – a apresentação que testemunhei o ano passado dos Run The Jewels no Primavera Sound tinha power para qualquer palco de dimensões mais generosas em qualquer um dos nossos principais festivais – e não estou a falar apenas na energia empregue na actuação, mas força para atrair multidões na dimensão certa. E esse é apenas um exemplo.
Se tudo correr bem, portanto, dia 16 de Julho de 2016 marcará um ponto de viragem na história dos nossos festivais de primeira linha. Se correr bem, e não há nenhum sinal a apontar para que não corra – o entusiasmo que se sente nas redes é mais do que evidente -, o cartaz de dia 16 deixará muito claro que, na hora de programar, os promotores dos nossos festivais deverão começar a considerar um mais vasto universo de sonoridades do que apenas aquelas que dependem quase exclusivamente das guitarras e dos amplificadores. É muito difícil o resto do mundo ficar indiferente ao que faz vibrar a América e nesta era de permanente quebra de recordes o hip hop e géneros adjacentes têm ditado o ritmo do mercado mais dilatado do planeta pelo que será inevitável que se sintam réplicas desses abalos sísmicos noutros mercados, mais distantes, mais pequenos também, mas igualmente sensíveis a essas realidades.
Talvez haja aqui uma certa dose de “wishful thinking”, talvez isto seja apenas consequência da vontade de ver outros dias como o próximo 16 de Julho a repetirem-se nos cartazes dos festivais de Verão e não só: não me importava de ver Drake ou Kanye West na Meo Arena, de ver Vince Staples ou Chance The Rapper ou Travis Scott no Coliseu dos Recreios, de me voltar a cruzar com os Run The Jewels, com os De La Soul, com Joey Badass com tantos dos outros nomes que todas as semanas agitam as águas do panorama musical norte-americano. Tenho toda a paciência do mundo porque acredito que nada será igual depois de 16 de Julho. Venha de lá esse futuro, portanto.
https://www.youtube.com/watch?v=ytS8m2BgyK4