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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 13/09/2023

Em destaque no MOTELX.

15’: trap português chega ao cinema num filme que cruza realidade e ficção

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 13/09/2023

A 17.ª edição do MOTELX – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa arrancou esta terça-feira, 12 de Setembro, e prolonga-se até dia 18, no Cinema São Jorge. Como sempre, o terror é visto pela organização como um género lato, que pode ir dos imaginários mais fantásticos aos thrillers psicológicos mais tensos, passando pelas histórias de terror mais convencionais ou de nicho, cobrindo uma alargada área de filmes que, em comum, desafiam os espectadores.

Na programação deste ano há um filme português relevante para o universo das rimas e batidas, intitulado 15’. Realizado e escrito por Francisco Neves, e produzido por Justin Amorim e pela sua Promenade Films, foi gravado durante a pandemia e inclui como atores muitos dos quais a interpretar versões ficcionadas deles mesmos uma série de rappers do trap português, da geração que deu que falar na última meia-dúzia de anos.

Sippinpurpp, Minguito, Yuzi, Playboi Zuka e Valdir participam neste filme conceptual de 15 minutos onde o conceito da “hiper realidade” se cruza com o dos “15 minutos de fama” popularizado pelo artista Andy Warhol.

“As pessoas cada vez mais confundem o que é verdadeiro e o que é falso, o que é real e mentira, principalmente através das redes sociais e dos media”, argumenta Francisco Neves em declarações ao Rimas e Batidas. Além disso, nesta era digital de consumo rápido, os temas muitas vezes são efémeros e o autor de 15’ também se inspirou pela forma como os rappers ou criadores de conteúdos mais jovens, sobretudo norte-americanos, usavam as redes sociais de forma “polémica ou agressiva”, partilhando muitas vezes um estilo de vida violento.



“Tivemos o caso do Boonk Gang, um gajo de Los Angeles que ficou conhecido por roubar pessoas e lojas enquanto fazia vídeos no Instagram. Ele estava a usar as redes sociais de uma forma meio cómica e de repente já estava com um ou dois milhões de seguidores no Instagram”, explica Francisco Neves. “Achei que seria interessante ligar esse mundo a esta história que cruza realidade e ficção.”

Francisco Neves assume-se como um fã da geração de rappers que emergiu em plataformas como o SoundCloud e, por mérito próprio, conseguiu ascender na indústria musical e criar vastas comunidades de fãs. Em Portugal, já tinha trabalhado em videoclipes de alguns rappers, nomeadamente ProfJam, pelo que também estava relativamente por dentro do circuito. O diretor de fotografia do filme, Bernardo Infante, também tem créditos em múltiplos videoclipes da nova geração do hip hop português.

A narrativa acompanha um beef entre as personagens de Sippinpurpp e Minguito, que estão a interpretar versões diferentes deles mesmos. O motivo da discórdia entre os rappers é uma influencer que dá pelo nome de Bad Caty. Como se pode ler na sinopse, o enredo vai centrar-se sobretudo no momento em que três dos rappers se barricam numa loja com um fã ferido.

Os próprios artistas participaram activamente na construção do filme, visto que Francisco Neves escreveu a base do guião mas depois foram feitos pequenos ajustes, já que o objectivo era que as personagens fossem o mais fiéis possíveis.

“Queria que fossem o mais aproximadas possível da realidade e uma das coisas que fiz foi trabalhar o guião com eles. ‘Tu farias isto? Ou dirias isto assim?’ Eu escrevi a base e depois eles disseram coisas do género ‘eu não uso esta palavra’. E mesmo no próprio set houve sempre alterações, principalmente na parte do diálogo, a forma como se mexiam, etc.”

A forma como 15’ foi realizado também nos faz mergulhar na tal zona ambígua entre o que é real ou não. Francisco Neves utilizou diferentes formatos desde os stories e directos no Instagram até a uma emissão de um telejornal, passando por uma câmara de mão que Valdir usa durante a acção para transmitir a tal sensação de realidade. 

“É found footage, não percebemos muito bem se o que estamos a ver é real ou não. No filme acompanhamos um acontecimento através de vários media. E vamos acompanhando o filme através dessa ligação entre câmaras, quase como se alguém tivesse encontrado os brutos ou tivesse juntado os vídeos da Internet, da televisão e da câmara do Valdir e tivesse montado o 15’.”

Francisco Neves também queria distanciar-se do ponto-de-vista das personagens, colocando a acção de forma mais imparcial nas mãos do espectador. A forma como foi filmado também contribui para isso. “Vamos saltando de media em media, de câmara para câmara, não sou eu que estou a transmitir o ponto-de-vista de ninguém. O espectador não se agarra mais a esta ou àquela personagem. O espectador vê um bocado o filme como olha para as redes sociais, como olha para a televisão.”

O autor do filme argumenta que muitas vezes as pessoas olham para os beefs, que acompanham através do digital, como “produtos de ficção” e de entretenimento, mais uma vez turvando as linhas que separam aquilo que é real e aquilo que é ficção. 

“Percebi que existem alguns elementos ligados ao hip hop e aos seus subgéneros que têm uma força dramática muito forte. Em certa forma, ligados à forma como nós humanos nos interessamos por histórias, personagens e conflitos. O beef, por exemplo, pode ser considerado um elemento narrativo muito forte no que toca a captar a atenção das pessoas”, defende. “Para a maioria das pessoas que acompanham os beefs entre rappers, seja através das redes sociais, através de letras de músicas, entrevistas, etc., fazem-no como se estivessem a ver uma série. Aos olhos de quem está de fora, esses rappers passam a ser vistos quase como se fossem personagens. E, se a série for interessante, o espectador quer ver o episódio seguinte”, diz, apontando o exemplo do beef entre 6ix9ine e Trippie Redd. “Nós, humanos, ficamos muito presos à polémica e à violência.”

Ainda assim, Francisco Neves sublinha que o filme não serve para “criticar os rappers ou a cultura rap” e que não existem lições de moral nesta história. “Mas realmente estas últimas gerações estão associadas, de alguma forma, à violência e à forma como as redes sociais são usadas de um modo agressivo.”

O filme, que conta ainda com Manthinks e Lucy Val na banda sonora, será exibido esta quarta-feira, 13 de Setembro, às 21h15, na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge. Haverá uma segunda exibição no sábado, dia 16, na Sala 2, que já se encontra esgotada. A ideia passa por manter 15’ no circuito dos festivais de cinema, mas que eventualmente possa chegar a uma plataforma de streaming. Curiosamente, Francisco Neves já tinha realizado uma série para a RTP intitulada Menos Um, em que músicos como Pedro Mafama, PZ, Cláudia Pascoal e Samuel Úria fazem uma versão ficcionada deles próprios.

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