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Publicado a: 26/03/2016

Aceyalone: um homem na cidade

Publicado a: 26/03/2016

[Entrevista] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados

Há exactamente dez anos era distribuído em Portugal o álbum Magnificent City que marcava o encontro do veterano Aceyalone, homem dos lendários Freestyle Fellowship, com RJD2, produtor que tinha dado os primeiros passos na Definitive Jux de El-P. A solo, a sua carreira tinha começado uma década antes, em 1995, com a edição do hoje clássico All Balls Don’t Bounce a que se seguiu, três anos depois, o não menos importante A Book of Human Language. Este último álbum marcou o início de uma boa fase da sua carreira, com a ligação à Project Blowed a render positivos dividendos na agitada era do hip hop independente de segunda metade dos anos 90. Depois de Magnificent City, no entanto, Aceyalone parece ter perdido o foco da sua identidade artística e, ouvido num repente, o seu mais recente trabalho, Action, lançado gratuitamente no soundcloud, parece um equívoco em busca de um presente diferente.

O redondo aniversário de uma década que agora se assinala sobre a edição de Magnificent City serve portanto de pretexto para a recuperação de uma entrevista com o MC veterano publicada originalmente no então semanário Blitz.


https://www.youtube.com/watch?v=lwVNp42l3Xo


 

O nome de Aceyalone é uma referência no mapa do Hip Hop underground dos Estados Unidos. Com “Magnificent City” regressa aos trabalhos na companhia de um só produtor. RJD2 é o eleito para tal tarefa.

Aceyalone é um veterano com uma história intensa no Hip Hop da Costa Oeste dos Estados Unidos. Enquanto parte dos míticos Freestyle Fellowship, que fizeram de Inner City Griots um clássico maior, Aceyalone ofereceu na primeira metade dos anos 90 uma alternativa à corrente dominante do gangsta rap que emanava de Los Angeles. Já a solo, a partir de 95, criou com os clássicos All Balls Don’t Bounce e A Book of Human Language os moldes para o som celebrado pela geração Backpacker. Em 2006, Aceyalone regressa na companhia de um produtor que muito provavelmente ajudou a inspirar – RJD2, um dos pontas de lança da Definitive Jux de El-P, expande-se para lá da sua crew de eleição (MHz) e assina um trabalho de fôlego que tem a enorme vantagem de encontrar um Aceyalone em grande forma. E desta forma, Magnificent City assume-se como um dos factos relevantes deste arranque de 2006.

Trabalhar com um único produtor no novo álbum vai fazer as pessoas pensarem em A Book of Human Language, a tua histórica colaboração com o produtor Mumbles. Claro que sabias isso antes de começar, certo?

Bem, claro que sabia que essas associações seriam feitas. Mas este tipo de colaborações é o que eu tenho andado a tentar fazer há uma série de anos. Começa a ser possível outra vez porque os produtores estão de novo a ser vistos como artistas que podem imprimir uma marca num álbum inteiro e não apenas num single para a rádio. Aconteceu agora em Magnificent City com o RJD2, mas eu quero que volte a acontecer no futuro. Tenho outros produtores em mente, mas ainda é cedo para falar.

Ficou decidido desde o início que trabalharias apenas com um produtor no novo álbum ou isso aconteceu inesperadamente?

Sim, ficou decidido logo no início do processo. Eu já tinha trabalhado com o RJD2 no meu álbum anterior, o Love & Hate, e o resultado foi tão bom que a escolha acabou por ser natural. Ele tem muitas qualidades enquanto produtor que eu aprecio. É extremamente musical e isso favorece as minhas rimas.

Já conhecias o trabalho do RJD2 antes de ele te ter dado dois beats para o Love & Hate?

Conhecia-lhe melhor a reputação do que o trabalho, confesso. Mas sim, foi por causa dos dois beats que ele produziu para o Love & Hate e por causa de um par de outros que eu ouvi que tomei a decisão de o convidar para produzir o meu novo álbum.

Ok, mergulhando um pouco mais em Magnificent City: há um milhão de histórias na cidade e tu certamente decidiste contar algumas delas. Dirias que Magnificent City é um álbum conceptual?

Tecnicamente sim, é um álbum conceptual porque tem uma ideia a sustentá-lo. Mas não será um álbum conceptual no sentido intelectual do termo, com uma grande ideia dominante explorada até à exaustão. É apenas um álbum de Hip Hop que olha para a vida urbana e tenta mostrá-la de um par de ângulos diferentes. E é verdade que eu tenho algumas histórias para contar. A vida tem-me obrigado a cruzar-me com elas.


 


 

“Heaven” é um dos temas mais fortes no álbum e pelo que eu entendo poderás estar a falar de redenção, mas este “paraíso” poderia também ser visto como uma metáfora para a indústria do rap, ou não?

Não, não é uma canção sobre rap. É mesmo um tema que discute a luta clássica entre o Bem e o Mal, a tal redenção que mencionaste. É uma ideia que é tão velha como o próprio homem. E as pessoas têm que pensar que nem sempre escrevemos sob a forma de metáforas. Por vezes as palavras são mesmo transparentes.

Continuas a escrever todos os dias ou só te atiras aos cadernos de rimas quando estás em estúdio e há um novo álbum para ser feito?

Depende do período que estou a atravessar. Escrevo quando tenho que escrever, quando tenho um deadline qualquer a cumprir, mas também o faço quando nem sequer tenho planos para gravar, quando algo acontece que me obriga a escrever. E nunca sabemos quando isso é… essas situações surgem naturalmente.

Talvez por causa da capa do A Book of Human Language tenho a ideia de que serás um leitor compulsivo. Isso é verdade?

Eu leio muito, isso é verdade, mas ultimamente tenho-me concentrado mais na escrita do que na leitura. Tenho-me dedicado muito mais a tirar coisas da cabeça do que a metê-las lá dentro. Talvez por ainda estar a deixar que coisas que aprendi no passado se manifestem…

Como é que Magnificent City foi gravado? Estiveram os dois no estúdio ou foi um processo mais solitário da tua parte?

Foi um trabalho solitário para ambos, mas houve momentos em que nos encontrámos no estúdio para nos podermos certificar os dois que o trabalho estava a seguir na direcção certa. Correu bem porque agora estamos juntos em digressão nos Estados Unidos.

Qual é a situação actual do Project Blowed? Há novos projectos a sair?

O Project Blowed continua a acontecer sob a forma de workshop todas as quintas feiras no Leimert Park, em Los Angeles. Enquanto editora, lançámos recentemente o álbum de Rifle Man EllaY Khule’s de título Califormula… Também está a chegar às lojas o álbum que marca o décimo aniversário do Project Blowed e em Maio deveremos lançar um Best Of dos A-Team. Tudo isto poderá ser seguido através do nosso site www.projectblowed.com que será agora relançado com uma série de novidades.


 

https://www.youtube.com/watch?v=5VgSxJkaC-A


 

Depois dos Freestyle Fellowship tiveste uma experiência com uma major, a Capitol, onde editaste o teu álbum de estreia a solo, em 95. Mas depois fizeste questão de adquirir os direitos do All Balls Don’t Bounce à Capitol. Uma questão de honra?

Uma questão de bom senso. Muitas vezes os masters são a única coisa que um artista tem no final de uma carreira. É importante para mim manter o controlo da minha própria música. Desta forma não tenho que viver segundo os calendários de ninguém e estabeleço as minhas próprias regras.

Estando na Europa tende-se a formar uma imagem do Hip Hop nos Estados Unidos que não sei se é real: de um lado o rap mais comercial que nos é vendido pela MTV, do outro os nomes do underground que chegam até nós graças a certas revistas ou sites de Internet. E parece não haver nada no meio. As coisas são mesmo assim?

Eu diria que essa imagem não anda muito longe da realidade. Existe uma divisão clara entre esses dois mundos. Uma divisão que se pode fazer pelo conteúdo das letras, pelo som, pela exposição claro… Há artistas que são criados e alimentados pelos grandes meios de comunicação e outros que só conseguem exposição em imprensa mais alternativa. É natural que assim seja: há muito hip hop aqui, muita concorrência. E nalgumas regiões as divisões são ainda mais complexas. Mas eu penso que todas estas veias ainda estão ligadas a um único corpo.

Uma certa ideia de Hip Hop?

Esse corpo é a cultura, a cultura negra que se tornou a língua de toda uma geração.

Estás orgulhoso de Magnificent City

Claro. Penso que é um álbum forte que expressa tudo o que eu queria expressar neste momento.

Há algum outro projecto na manga?

Tenho um álbum que vendo na digressão com 10 novas canções e mais produção de RJD2 e Z-Trip, por exemplo. Chama-se Grand Imperial. Em Abril devo andar pela Europa, por isso terão oportunidade de o arranjar!


 

ACEYALONE & RJD2
Magnificent City
Project Blowed/Só Hip Hop

8/10

Duas gerações de Hip Hoppers a trabalharem em harmonia. Dá gosto ouvir…

Este álbum tem gerado críticas confusas – das incrivelmente negativas às incondicionalmente positivas. Curiosamente, as negativas nunca se esquecem de referir o passado de Aceyalone e as positivas sublinham o presente de RJD2. De facto, compreende-se que tal ocorra, porque Magnificent City não é um álbum transparente que se ofereça de forma imediata a quem o aborda. Aceyalone parece menos preocupado com os conteúdos do que com as novas formas de gerir as palavras em cima dos beats com a sua incrível mala de ferramentas recheada de flows e RJD2 entrega-lhe um catálogo de batidas que apontam em diversas direcções, mas carregam já um toque de autor. Os samples são eleitos pela sua carga dramática, mas também pelo carácter funcional e assim Aceyalone pode escolher de uma enorme variedade de emoções sonoras os ritmos que mais lhe convêm em cada momento. Esse entendimento mútuo é o verdadeiro trunfo deste álbum. Solomon Jones que o diga…

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