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Publicado a: 07/11/2018

10 anos de Maturidade de NBC: “Consegui fazer uma coisa que não estava ao alcance de toda a gente”

Publicado a: 07/11/2018


[TEXTO] Alexandra Oliveira Matos [VÍDEOS] Luis Almeida [FOTOS] Hélder White

Passaram 10 anos desde que pudemos ouvir Maturidade pela primeira vez. O segundo álbum de NBC demorou quatro anos a ser escrito, composto, gravado e chegou a 1 de Junho de 2008 com uma sonoridade diferente da que lhe conhecíamos em Afro-Disíaco. New Max, conhecido principalmente pelo seu trabalho nos Expensive Soul, deu corpo às ideias de Timóteo Santos que foram germinando entre viagens pendulares de Lisboa ao Porto. Na memória moram ainda todos os pormenores do nascimento de cada rima e, no dia 10 de Novembro, vai ser possível pôr à prova um cancioneiro cheio de clássicos. Maturidade sobe a palco no Olga Cadaval, em Sintra, num concerto com convidados e muitas surpresas.

Numa longa entrevista ao Rimas e Batidas, o rapper contou cada pormenor. Desde o momento em que conheceu New Max até à mensagem emocionada que recebeu recentemente de um dos elementos dos The Velcrew que ensaia agora para tocar em palco. “A vida dar-te essa possibilidade é fabuloso [chora]! É incrível! São os passos que um gajo dá para chegar às coisas e as coisas acontecem dentro dos passos que tu dás e sabes que tens de lutar por coisas e tens que te afastar de outras”, emociona-se.

Das palavras não nos escapou qualquer letra. As 13 faixas foram abordadas e, 10 anos depois, não falta explicar uma única metáfora. Quem, até hoje, acreditava que “MC Frustrado” era sobre NBC? Sabiam que “A Voz” é dedicada a Sam the Kid que teve um problema nas cordas vocais? k-os e Jill Scott estão por toda a parte neste álbum, adivinhavam? E “NBCioso” também vos dá adrenalina? Compilámos tudo num faixa-a-faixa que é um documento histórico sobre esta figura do rap português desde os anos 90.

 



Lembras-te de quando começaste há 10 anos, ou se calhar há mais, o processo criativo deste Maturidade?

Lembro-me. Bom, o disco saiu em 2008, não é? O disco estava a ser gravado desde 2004, portanto foi logo a seguir ao disco de 2003, ao Afro-Disíaco. Curiosidade: eu quando lancei o Afro-Disíaco tive muitas entrevistas na Antena 3, e coisas assim, e houve uma altura em que eu fui a uma festa da Antena 3 na Figueira da Foz. Nessa festa, curiosamente, estavam lá os Gato Fedorento que estavam no início, estavam os Expensive Soul que também estavam no início, e nós conhecemo-nos ali pessoalmente e obviamente lhe disse [ao New Max] que admirava o trabalho deles e a partir daí ficámos de conversar e nos encontrarmos porque achava que a sonoridade dele era muito próxima daquela que eu tinha para mim como sendo a minha identidade e não conhecia mais ninguém em Portugal que conhecesse com profundidade o género. Nós tínhamos rappers em Portugal, produtores em Portugal, mas não tínhamos ninguém que fosse músico conhecedor profundo do género soul, que pudesse tocar os instrumentos também, e que conseguisse dar nuances a coisas que não eram só um beat. Nós tínhamos produtores que te davam o beat e a partir daí fazias o que tinhas a fazer, foi o que eu fiz com o Afro-Disíaco. Eu tive muitos beats do Sam e outros, mas era eu que criava a identidade para as coisas, fosse o que fosse. No caso do Maturidade, quando ele começa a ser trabalhado, não. Tens um gajo que é produtor, músico, que cresceu a ouvir D’Angelo — será o exemplo maior para entendermos aquilo de que estamos aqui a falar –, para conseguirmos ter um disco que consegue revelar em si uma estética que tu não tens, que sai do mero instrumental e passa para a utilização, isto há 10 anos, de material sonoro físico como teclados Rhodes, Wurlitzers que ele tinha lá em casa, Leslies , material físico que introduzes no teu disco para dar uma sonoridade com a qual só sonhavas há uns anos. O disco começa exactamente por aí e efectivamente o mundo dá estas voltas todas para nós chegarmos ao conhecimento de pessoas que existem e que nos conseguem possibilitar sermos eternos. É dessa forma que eu tenho esse agradecimento profundo com o Max, de ter criado o disco que é, obviamente, eterno porque houve músicas que foram criadas de raiz, como o “Homem”, por exemplo. Não foi com nenhum instrumental, foi apenas de uma ideia que eu tinha e que ficou transformada numa coisa real, tocada com instrumentos reais, com uma sonoridade como eu pretendia até aos dias de hoje e que eu não faria melhor hoje. Podíamos fazer melhores arranjos, mas é eterno nesse sentido. É um disco que eu tenho muito presente tudo o que aconteceu nesses quatro anos de trabalho que estivemos no Porto.

Como é que foi o processo criativo em si? Recordas-te da primeira letra ou do primeiro som que surgiu?

O “Segunda Pele” é escrito logo após o “Pela Arte” [do álbum Afro-Disíaco], deveria ter entrado nesse disco, não entrou. O “Segunda Pele” é uma consequência directa do “Pela Arte” por essa questão de já terem passado 10 anos, já na altura. Nós começámos em 1993, o disco sai em 2003 e eu estava no fundo a querer contar uma história desses 10 anos e do que é que a música tinha sido para mim. Então, a melhor forma de identificar o género era dizer que era a minha segunda pele, que a música era mais do que só música para mim, era muito mais que isso. Comecei a escrever o “Segunda Pele” com reminiscências do “Pela Arte” e do “Juventude (é Mentalidade)” [do álbum Pratica(mente) de Sam The Kid]. Existem frases no “Juventude (é Mentalidade)” que estão sempre no meu subconsciente como “olha o avô com tranças a dar barra à idade”. Esse tipo de cenas em que o tempo efectivamente é um motor que tu tens que compreender e perceber que em 1993 é uma coisa, em 2003 é outra coisa e contar a mesma história, mas com uma intenção e um significado que seja perceptível para o momento que estás a viver. Eu em 2003, em 2004, daí até 2008, estava a vivenciar uma coisa com a ajuda do Max que era a possibilidade, sem saber que podia ser assim, o álbum podia ter batido na rocha, mas com uma vontade concreta de dizer “eu quero fazer o disco que eu sempre sonhei fazer e com a pessoa que melhor me pode ajudar naquela altura”. Isso é um achievement muito grande. Ainda hoje se pensar não encontro ninguém em Portugal com quem pudesse ter trabalhado num disco e que pudesse ficar da forma como ficou. Sinto-me muito feliz com esse disco exactamente por causa disso, não há nada de que me arrependa nele.

Porquê Maturidade? Achas que atingiste a tua maturidade há 10 anos?

Esse título é interessante exactamente por causa disso, que é ter noção de que em 2003 estavas a fazer uma coisa que mesmo em 2018 ainda não é possível fazer. Hoje tens outras bandas, inclusivamente HMB e até Agir um pouco também — bandas que também já são muito mais populares e que usam a instrumentalização nos seus discos a esta escala, em termos de mistura e masterização são coisas que são complexas e que se consegue fazer hoje em dia porque há pessoas já em estúdio que o fazem. Mas estamos a falar de um disco que saiu em 2008. Se calhar só músicos dentro da linha pop naquela altura estavam a fazer um álbum em que tu tinhas instrumentos reais a serem tocados daquela forma. Portanto, sim. Maturidade porque consegui atingir naquela altura a maturidade que eu pretendia. Era mesmo isso. A palavra podia ser maturidade, podia ser sonho, podia ser realização de um sonho, whatever. Mas maturidade será talvez a palavra que nós todos conseguimos compreender o que quer dizer. Nem o Toda a Gente Pode Ser Tudo é tão complexo na sua construção como é o Maturidade.

E consideras que ainda é um álbum actual? Muitas das músicas ainda tocas hoje em dia em concertos.

Sim, muitas delas toco. O “Segunda Pele” toco, o “Homem” sempre. O “Homem” toco sempre. Ok, o “Espelho” é uma música gigante, mas para mim não é tão gigante como o “Homem” é. Aqui há dias aconteceu uma coisa muito gira, eu estava a ver uma música do Justin Timberlake de que gosto muito, o “Say Something” — é uma música simples na sua construção, mas densa na forma como consegues captar o público e o feeling. E eu estava a olhar para o rider, a ver quem eram as pessoas que tinham participado na música, e foi curioso ver que existem cinco pessoas que construíram a letra da música. Quando tu percebes que fizeste uma música que escreveste sozinho e que ela em 2018 continua a manter-se como uma música actual, socialmente actual, com todos os cânones que eu acho que são necessários para a compreensão do mundo — a diferença do outro seja homem seja mulher, as diferentes percepções de estado, de onde tu és –, essas coisas para mim continuam a ser a minha luta enquanto pessoa. Eu luto exactamente por isso, por essa desmistificação ou esse blend de que nós temos de olhar para as outras pessoas sem um olhar crítico, as pessoas são diferentes porque são diferentes. O “Homem” para mim acho que espelha de facto aquilo que eu sou e fui eu que a escrevi sozinho numa madrugada em que acordo a ver um programa de televisão do Canal 2, estava a preto e branco, estavam a dar várias coisas. Na altura eu dormia com o meu irmão, o meu quarto era um beliche, e dormia quase sempre com a televisão ligada ou o rádio. Era uma cena que deixava propositadamente, de mexer e alterar o subconsciente, fazia muito isso, os meus sonhos eram alterados por aquilo que estava a acontecer na televisão. E eu acordei a ver esse programa que estava a dar no Canal 2, era uma cena sobre guerra, estava a dar imagens sobre Hiroshima, sobre aquela cena da bala em que estão a matar uma senhora, várias cenas assim, acho que era um final de ano em que fazem aquelas compilações de imagens de vários programas. Esse momento foi captado na minha membrana e eu disse “damn, o mundo é uma cena do caraças e é o homem, o homem é que faz isto”. Vou falar sobre isto, vou contar esta história com essa visão de que de facto o homem se destrói a ele próprio. A primeira estrofe fala sobre o homem pela diferença de cor, digamos assim. A segunda parte fala sobre a diferença entre o homem e a mulher. A música continua a ser totalmente actual.

 



Podemos falar e recordar cada uma das músicas. Na “Partida” chamas a Marta Ren. Esta música é uma espécie de chamada de atenção, de “eu estou aqui”?

A “Partida” do Maturidade é a sequência da partida do Afro-Disíaco, o Afro-Disíaco também tem uma entrada, uma coisa assim meio sublime. O “Partida” do Maturidade é mesmo isso, essa demonstração de que consegui, porque o “Partida” foi escrito no fim, foi a última letra que escrevi. Porque é isso, é consegui chegar aqui novamente, consegui fazer uma coisa que não estava ao alcance de toda a gente. Foram quatro anos para construir aquele disco, quatro anos a ir ao Porto quase todas as semanas, quatro anos. Comboio, autocarro, quatro anos a persistir, quatro anos a ver que os Expensive Soul estavam a ter uma carreira a rebentar e eu a ter que ligar para ele: “Max, como é que vai ser este fim de semana, dá?. “Não, estamos cheios de concertos”. E a não desistir e a continuar e a perceber que isso ia ser assim durante muito tempo. Chegámos ao fim de quatro anos e temos o disco concluído. A “Partida” é isso. A Marta Ren entra porque a minha ideia era a de usar um sample, eu queria que fosse um sample a dizer “eu estou aqui”. Colocámos a voz dela porque ela na altura namorava com o Max, e estava sempre lá, e usámos a voz dela para ser o sample. Muitas vezes pensámos em samples americanos, mas decidimos sempre por pôr coisas portuguesas.

Do “Segunda Pele” já falaste um bocadinho, é sobre música…

Sim, sobre a música, pelo amor à música.

O “Imagina Pt.1” é um olhar para a vida.

O “Imagina Pt.1” é uma música que surgiu depois de uma reunião de família. Nós estávamos em casa a falar sobre a política em Angola porque na altura tinha aparecido alguém que era de Angola, nós somos são-tomenses, e nós estávamos a falar sobre a dinâmica dos problemas de Angola na altura. No meio daquela azáfama de conversa surgiu… Eu na altura falava e estava sempre a dizer “imagina que”, usava essa expressão. E a pessoa disse “então gostava de te ver a fazer uma letra sobre isso em que usasses sempre a terminação “imagina”. Foi assim que surgiu e surgiu em duas partes porque a conversa na mesa teve essas duas temáticas. Nós enquanto filhos — na altura, quando escrevi isto não tinha filhos — nunca nos revemos no papel de pais. Então fui eu a meter-me no papel de ser pai e entender como é que é a dinâmica de ter um filho que não é aquele com que nós sonhamos. Na verdade esse filho somos nós muitas vezes e nem damos por isso. Quis mesmo que fosse construído dessa forma exactamente pela conversa que aconteceu em casa. Por isso é que tem o mesmo nome, apesar de uma delas não ter a mesma terminação. Até posso dizer que isto vai ser uma coisa que vai acontecer em palco uma a seguir à outra, exactamente porque foi construída com esse objectivo.

“NBCioso” é um clássico.

“NBCioso” é um clássico. Mas é giro hoje estarmos a dizer que é um clássico, na altura pensei em fazer um som de uma coisa que eu quero, que é mesmo isso. Eu quero não ser programado, eu quero fazer uma música em que não estou a rimar, eu quero cantar, não quero ser aquele rapper que tem de rimar em todas as músicas. E quero falar sobre essa ambição e dizer “eu não consegui lutar contra a razão, eu já desisti de educar a emoção/ é o meu instinto é que marca a direcção para onde eu vou”. É exactamente isto, faço aquilo que me apetece. Essa cena do fazer o que me apetece é uma liberdade gigante e eu por acaso tenho bué essa sorte de conseguir mesmo fazer o que me apetece musicalmente e as coisas serem aceites. Mas a aceitação tem a ver com isso, tem a ver com a energia que tu colocas nelas. Eu coloco a energia necessária para que a música possa ter uma dinâmica que me vai transmitir a mesma coisa que se fosse rimado. E é muito giro, essa música tem esta particularidade. Desde que saiu até 2010 havia pessoal que me mandava mensagens sistematicamente a dizer “mano, vou entrar agora num jogo e estou aqui a ouvir o ‘NBCioso’, eu ouço sempre”. Tinha sempre isto de bué pessoal que era desportista na altura e que ouviam a música como se fosse uma adrenalina para antes de entrar no jogo. É incrível isso. Já viste o que é teres essa possibilidade? [risos] E uma dessas pessoas vai estar no concerto, eu vou convidar especialmente por causa disso, é o Miguel Barroca. Nós conhecemo-nos exactamente por causa disso, ele mandava-me mensagens todas as semanas. “Mano, vou agora entrar num jogo e estou aqui a ouvir a tua música outra vez, isto é uma grande cena”. É incrível porque enquanto fazes a música fazes porque estás a curtir a ideia de falar sobre essa ambição de fazeres uma coisa que é meio fora, não é? O próprio instrumental é estranho até porque quando ela quebra antes do refrão é [canta]. Isto hoje em dia nem era possível fazer porque terias de fazer uma quebra com uma outra dinâmica. Pronto, hoje está aí, é um clássico.

 



Maturidade“, que dá nome ao álbum. O que há a dizer sobre esta faixa?

Essa música foi a segunda música escrita, ou seja, pensei nesse título logo no início. Essa música acontece na altura em que eu descobri um disco fabuloso que o Max me mostrou de um cantor norte-americano, do Canadá, que se chama k-os. Eu tinha o disco quase todo escrito até àquela fase em que começámos a gravar e o meu disco estava a ser baseado no disco do Xeg porque eu ouvi o disco do Xeg e houve uma frase do disco dele que me marcou muito. “Bandeira a meia haste pelas vítimas do desastre”, esta frase está marcada na minha cabeça para sempre. Eu lembro-me perfeitamente disto porque depois passado um tempo eu fiz um vídeo em casa do Sam a gozar, estávamos a ouvir o álbum e a gozar com a cena de pessoas que morreram e não sei o quê… e no dia a seguir caem as Torres Gémeas [2001]. Mas quando começo a escrever para o disco já com o Max, o Max introduz-me o k-os e eu apaguei as letras todas e comecei a refazer o disco do início. Essa música é a segunda. Portanto, do que restou eu comecei a reescrever já com o título. E ela começa exactamente dessa forma que é [começa a cantar] “ainda há uns dias brincava, usava umas calças com tinta, imaginava-me nos vinte, a vida passa num sprint, agora já tenho trinta embora ainda não sinta”. Eu comecei essa música como se fosse uma lenga lenga que é uma coisa que é usada no nosso discurso quando falamos com crianças, usamos lenga lengas para dizer coisas. E era falar para mim como se eu também estivesse a ver-me de fora e essa cena de usar uma calça com tinta era mesmo isso. Lembro-me, eu era miúdo e na altura a cena do alcatrão era mesmo à antiga, iam lá com umas pás e punham o alcatrão no chão, anos 80 na aldeia. E nós pegávamos no alcatrão que ainda estava quente e punhamos no bolso das calças para formar bolas. Quem vive numa aldeia faz brincadeira de cenas que não fazem sentido nenhum. Então as calças ficavam todas cagadas de tinta do alcatrão, é uma cena real. Então “Maturidade” dá o nome ao álbum porque “ok, comecei do início, vamos começar de novo, vamos fazer uma outra cena”. E a ouvir sempre este disco [Joyful Rebellion de k-os, lançado em 2004]. Foram dois discos muito importantes para a construção do Maturidade: esse do k-os e outro da Jill Scott de que não me lembro do título. Ouvia sempre. Daqui para o Porto punha o disco e repetia as vezes que fossem necessárias até interiorizar, um e outro. Fazia um para cima e outro para baixo, sempre os mesmos discos durante aquele tempo.

“Mudança”?

“Mudança” foi mais ou menos a seguir ao “Maturidade” em termos de escrita, exactamente por causa disso. Mudei o que pretendia dizer, achava que fazia muito mais sentido dizer outras coisas e o refrão reflecte isso. [Canta] “Sei o que vou fazer passo a passo no caminho da mudança, sei o que vou fazer passo a passo no caminho para mudar”. Não tinha nenhuma ideia em fazer um tema assim, que fosse mais lo-fi e que acaba exactamente com uma guitarra para identificar que estava numa outra fase. Aí foi uma dica do disco do k-os, ele tem lá uma cena assim também lo-fi a cantar só com guitarra e voz. E eu disse que também queria fazer uma coisa assim, se ouvirem esse álbum tem lá essa cena, é uma intro. Este gajo mudou mesmo a minha vida, mais que o Dilla até.

“Heróis(1974)”.

“Heróis (1974)” é a continuação do “Imagina Pt.1” e “Imagina Pt.2” porque tem a ver com a cena familiar. Eu estava a falar sobre a minha família e as pessoas que foram importantes para mim. Nós quando viemos para Portugal em 1980 viemos de alguma forma com a ajuda de algumas pessoas que estavam cá em Portugal já, que o meu pai conheceu em São Tomé num curso que estava a fazer de Teologia. Essas pessoas de alguma forma ajudaram-nos e foram mantendo-se na nossa vida até esta altura, por isso é que a música se chama “Heróis (1974)”. Basicamente é contar um bocadinho a história da minha família porque depois mesmo no final da música eu falo sobre essas pessoas. No fundo é um bocado também a importância que nós damos às pessoas que são importantes e que nos fazem chegar a sítios, por isso é que também neste novo disco tenho o meu pai no final porque de facto é isso. Às vezes é bom não esquecer e é esse o peso que esta música tem. Eu por acaso cantei poucas vezes essas música, nunca houve assim muita oportunidade para a cantar, mas por exemplo o vídeo dessa música tem a minha irmã, tem o meu cunhado, tem a minha sobrinha na altura. Por acaso já não vejo esse vídeo há muito tempo. Mas é isso, uma cena de família, de saberes onde estás e de onde vieste.

“Muitos já me perguntaram qual a motivação de um são-tomense que agora tem dupla nação. De facto há quem se tem que dar desculpas por não ter a mínima sensibilidade e os olhos no chão. Eu cresci como só Deus sabe em sítios bem complexados e vi que os meus dias iam ser como no Amistad, a única diferença foi para quem não sabe eu não vim forçado eu vim de livre vontade eu não tinha idade nem capacidade para definir aquilo que para mim era certo ou errado. Mas hoje posso dizer que acertaram em cheio, o nervoso mirrou-se, uma raiva, o receio desde novo tornou-se em vontade e anseio e culminou com o que sou hoje um homem mais cheio”. São essas dicas!

É incrível vocês saberem tudo de cor…

Podes crer. Eu por acaso tenho aqui as letras das músicas porque há músicas de que já não me lembro mesmo. Tenho de estar a dar uma revisão da matéria dada porque as músicas têm novos arranjos e um gajo estava habituado só a cantar as músicas nos samples. Mas ainda estou seguro, o alzheimer ainda não chegou.

 



“Voice Mail”.

O “Voice Mail” é Jill Scott, são as cenas que eu ouvi da Jill Scott em que ela fala sobre as relações da vida dela e eu também quis contar um bocado uma história que aconteceu naquela altura. Aconteceu mesmo, é bué engraçado. Nem vale a pena falar sobre isso com mais profundidade, mas foi mesmo. Foi tipo uma cena de alguém com quem eu me relacionava na altura, mas eu estava naquela cena de construir o meu disco, não estava assim com muita paciência para estar a responder todos os dias. Ainda por cima na altura os telemóveis não eram a mesma cena que hoje. E começa exactamente assim: “olá, tudo bem, já faz duas semanas que não dás um ring, não sei como te sentes com a falta de alguém que não passa sem o teu calor”. É essa cena, tínhamos uma relação, mas whatever. Quando estivermos juntos estamos quando não estivermos não estamos, mas eu agora estou a pensar noutras cenas. Ainda assim, percebo a tua cena e por isso mesmo é que ela se transformou numa canção, também já passei por isso ao contrário. Achei engraçado utilizar as palavras “olá, tudo bem” que são exactamente as com que ela começa o voice mail. É uma frase tão impessoal como pessoal, tu dizes “olá, tudo bem” para quase toda a gente. Mas achei graça começar com essa frase para começar um assunto tão sério, percebo que seja uma cena de nervos quando o voice mail cai e tens de dizer qualquer coisa. Foi exactamente isso, pegar na frase que lá está e a partir daí fazer uma construção, são coisas que ficam para sempre.

“Dá-me uma mão”?

“Dá-me uma mão” é ter conhecido o Max. Porque sem ele era “sem dor, sem mágoa, sem ti, sem ti, sem ti”. Depois eu conto a história do General D porque houve uma altura em que o General D tinha desaparecido e eu fiquei sem saber da existência daquilo que era para mim o rap em Portugal, um gajo que lançou um álbum que dizia PortuKKKal com três “k”, uma cena mega hardcore, tão americana e ao mesmo tempo tão… eu percebo onde é que ele queria chegar. Um gajo que fez coisas tão absurdas e de repente eu não sei nada da existência dele, ele desaparece. E depois conheço outro gajo que é o Max e são estas duas mãos que estão aqui desde o início do rap, daquele sentimento, aquele purismo. Para um gajo que me vai levar para uma linguagem tão mais transversal e que consigo atingir toda a gente na mesma e consigo dizer as coisas que eu sinto na mesma com uma raiva mais contida. “Back in the days essas eram as leis, a palavra era tudo não eram precisos papéis. Dá-me o telefone, dá-me um holla a gente fala e fazemos um jantar moçambicano na tua sala”: isto era eu a falar com o General D, a dizer-lhe “boy, desapareceste, mas back in the days era assim, diz-me qualquer coisa”. Porque houve um concerto que eu fiz com o General D e no final do concerto, no backstage, havia um jantar com comida de várias zonas de África e foi muito gira, daquelas coisas que ficam na tua memória para sempre. Eventualmente ele nem se lembra disso. Estávamos lá a comer à mão e ele a gozar “não, mano, em África é assim que a gente come”. São esse tipo de coisas que ficam na memória e transportas para a música no momento em que é necessário. No fundo foi chamar por ele e dizer “mano, não me esqueci de ti, estamos aqui, mas não me esqueci de ti”. E depois entra o Lince que é a ponte entre as duas coisas porque o Lince trabalhou com o General D. Não podendo ter o General D tenho o Lince que era a pessoa mais próxima do General D e que estava na altura. São aquelas cenas de coração, a gente faz sempre com esse feeling para as coisas baterem certo, fazerem sentido. Hoje estou a falar disso e eu lembro-me de tudo exactamente. As coisas eram todas mesmo assim, não há possibilidade nenhuma de te falhar com uma memória porque elas foram tão feitas com um sentimento tão natural, mas ao mesmo tempo com um sentido de que é para durar para sempre que mesmo com alzheimer eu acho que me iria lembrar disto com muita facilidade.

Faltam apenas duas, “MC Frustrado”?

O “MC Frustrado”… eu não posso contar a história toda porque mete aqui outros rappers da altura. Não é que eu tivesse beef, mas era aquela dica sempre de às vezes um gajo ver aquelas pessoas que já estão com um som a bater e já estão a achar que são melhores que os outros. Essas cenas chateiam-nos um bocadinho quando depois queremos falar com essas pessoas e elas já se mostram com alguma arrogância. E então esta música, “MC Frustrado” que é aquela dica de “mano, um dia vai chegar o dia em que tu não vais ser nada”. “Cheguei ao fim da linha, tudo o que não consegui foi na verdade culpa minha, lutei com o que tinha, mas nunca foi suficiente porque eu fui ineficiente quando eu tinha um coeficiente e uma mente eficiente agora deficiente. Eu não quis ser paciente nem levar a luta em frente”. Levar a luta em frente era aquela luta do ser real, aquela luta que nos juntava a todos e que nos abraçava. Por acaso é muito engraçado, agora que estamos a falar do “MC Frustrado”, porque na verdade a nova música do Sam fala disso. É a mesma cena. E aquela frase que ele diz, que é linda, que é “no tempo em que nós não ríamos por extenso”. É a mesma cena. “Joguei pelo seguro para manter o meu futuro, para quando fosse maduro eu não trabalhar no duro. Eu não quis partir o muro nem respirar o ar mais puro, fui fraco e inseguro como um barco que não tem rumo em tempestade em alto mar”. São estas metáforas que usamos para não dizermos exactamente o que é, mas toda a gente percebe o que é um barco numa tempestade em alto mar, o que é que nos pode acontecer. Ou o que é que é um muro partido se nós tivermos em consideração o que aconteceu na Alemanha nos anos 90 também, as diferenças que separam uns e outros. E era isso, nós vivíamos numa cena tão pura e foi essa pureza que fez com que hoje em dia os Wet Bed Gang estão a bater, não há como olhar para as coisas de outras perspectiva. Hoje os Wet Bed Gang estão a bater em palcos principais, Dillaz, todos esses rappers estão em altas porque houve uma pureza tão grande na criação de uma cena tão enorme. Nós não pensávamos com essa perspectiva de que no futuro vai bater, pensávamos que isto é nosso e nós vamos conquistar isto como tem que ser conquistado, sem abrir excepções. Quando ligavam para nós “olha, NBC, não dá para vires aqui a este programa de televisão cantar? É em playback”. Eu dizia “não, desculpa lá, mas eu não vou fazer playback”. E tu pensavas “é um tempo de antena que vais ter”. Whatever. O que me interessa o tempo de antena? Eu tenho uma verdade para dizer e a verdade tem que ser dita com a minha voz, não vou cantar por cima do meu back in track, não vou cantar por cima da minha voz só para dizer que vou ao programa. Não faço isso, nunca fiz. Ainda ontem fui a um programa de televisão e fui cantar sozinho com a minha guitarra, ao vivo. Acho que há valores que nós temos que manter e se tu não tiveres valores a gente não estava aqui a falar do Maturidade. Enquanto eu tiver essa persistência mental e a capacidade de entender que efectivamente nós podemos abrir o nosso range, sermos permeáveis, mas há coisas que não vamos querer fazer porque elas são a nossa verdade. Sem que exista uma verdade absoluta, mas existem verdade que são imutáveis. Há coisas que o Sam não faz. Porque é que o Sam não fez mais concertos? Basta perguntar-lhe e ele vai dizer-te. Ele não queria fazer mais concertos? Claro que queria. Não havia público para o ver? O que não falta aí é público para ver o Sam. Mas há verdades dentro do nosso coração que nós aprendemos lá atrás e que não dá para mudar. As pessoas podem dizer que somos uns velhos jarretas do caraças, mas o que é certo é que aquilo que nós analisávamos como rap naquela altura dissipou-se numa outra coisa, numa outra verdade. Hoje existe uma outra verdade que não é a nossa, com a qual obviamente não nos identificamos. Eu acho que nós também gostávamos de ter o nosso fight the power, gostaríamos que houvesse mais fight the power, gostaríamos que houvesse mais Public Enemy e outros grupos de intervenção social que podiam ajudar também um bocadinho a clarificar algumas coisas que não estão a ser clarificadas. Obviamente que me podes dizer que o mundo evolui. Ok, mas se calhar se nós tivéssemos mais se calhar teríamos uma compreensão melhor das coisas e se calhar o Bolsonaro, por exemplo, não seria um gajo votado. Eu penso assim. Se o rap no Brasil tivesse mais intervenção, por exemplo, mais profunda, se no topo estivessem rappers mais de intervenção e menos do patricinho, como se costuma dizer, se calhar o próprio público tinha uma noção mais clara do que é que estava a acontecer. Depois dele ter sido eleito é que estão a aparecer os rappers de intervenção, como já me mandaram alguns vídeos com rappers de intervenção a falar. Isso devia ter acontecido antes. E em Portugal a mesma coisa, nunca se sabe o que pode acontecer. Ainda há uma semanas no jornal apareceu o Presidente da Câmara de Loures, que quer criar um partido, e que diz que quer criar não sei o quê, coisas completamente disparatadas. Se calhar se tivéssemos mais rap de intervenção, que foi aquilo que nós fizemos na altura, a sociedade iria compreender outras coisas. Não está a compreender agora, agora estamos todos… É fixe, ninguém está contra isso, mas a vida não é só isso. Nós temos pai e temos mãe e temos avós. Os avós dão-nos chocolates e doces, a mãe e o pai dizem que não. E neste momento só estamos com os avós, estamos todos a comer doces. Cada um tire as suas ilações a partir daí.

Para terminar o álbum, “A Voz”?

Essa música é dedicada exclusivamente ao Sam, começa mesmo a dizer isso. Porque na altura da construção desse tema, o tempo foi passando, o Sam teve um problema de voz. Ele teve um problema nas cordas vocais e teve de ser operado e passou ali por um processo complicado. Eu lembro-me de ter falado muito com ele. A vida é assim, temos pessoas com quem temos uma proximidade maior e eu com o Sam tenho uma proximidade gigante, gosto mesmo dele e acho que ele é um ser humano incrível. Hoje em dia não falamos tanto como antes, mas continuamos a falar e houve um tempo em que falávamos muito e trocávamos muitas ideias. Ele é esse ser extraordinário que tem muita coisa com a qual nós podemos aprender. Ainda aqui há dias lhe disse que o disco dele para mim é uma bíblia, tem lá tudo o que preciso quase como pessoa, tem lá dicas muito fortes até à data de hoje. E essa música foi feita em exclusivo para ele, claro que depois no final da música falo de outras pessoas importantes também como o Regula, o próprio Max, o Valete. A minha ideia sempre foi uma ideia de conversão, eu sempre gostei de convergir pessoas para o meu lado e dizer às pessoas que elas são importantes. Por isso é que também tenho uma música que se chama “Gratia”. Eu acho que nós agradecermos às pessoas é uma coisa muito importante. Em muitas alturas comigo aconteceu uma coisa muito engraçada que as pessoas pensavam que o meu agradecimento era uma bajulação a outras pessoas. As pessoas pensam “este gajo é mais fã”. Isto estou a falar de coisas que me disseram, houve coisas que vim a saber por outros. Mas não, o agradecimento é uma coisa muito importante, agradeceres aos outros limpa-te energeticamente. Ficas limpo, agradeceste. Há pessoas que acreditam em Deus e uma das condicionantes de quem acredita em Deus e está numa igreja é “obrigado, Senhor, pelo dia, obrigado”. Esse agradecimento, para quem não quer acreditar nesta vertente, é “obrigado por existires, obrigado por fazeres parte da minha vida, obrigado por estares aqui a fazer esta entrevista”. Nós estamos todos aqui sempre a trabalhar no sentido em que eu estou a dar a minha entrevista por uma cena que é fixe, uma cena que aconteceu, mas vocês estão a dar o vosso trabalho. São este tipo de contributos que aconteceram nos anos 60, na altura do Black Panther que fizesse com que os negros fizessem a revolução deles. A Nina Simone não é só Nina Simone hoje em dia por ser a Nina Simone. Ela é a Nina Simone porque teve um marido que fez com que o trabalho fosse assim e é conhecida também pela revolução que fez porque as pessoas que estavam envolvidas naquela cena, entre eles Malcom X, Luther King e outras pessoas, deram força para que a música dela perdurasse até aos dias de hoje e hoje é publicidade de perfumes de alta marca ou de séries de televisão. Mas a profundidade das coisas é muito maior do que aquela que imaginamos e é esse agradecimento que tenho sempre. Eu sempre fui fã do Frank Sinatra e não sabia muito bem porquê. Só agora é que eu percebi porque é que eu sou fã do Frank Sinatra. Porque o Quincy Jones foi o gajo que fez com que o Frank Sinatra fosse a pessoa que ele é hoje. Eu não sabia, só percebi agora quando vi o documentário do Quincy Jones. Eu não sabia. Está tudo interligado e é esse agradecimento, que todas essas pessoas têm na minha vida, de que eu gosto efectivamente. “A Voz” é isso mesmo. Deus deu-me uma benção na voz e deu uma benção na voz a todas essas pessoas que ao longo destes vinte anos em que a música em Portugal teve este crescimento e este género teve este crescimento nós conseguimos sem nada conseguir coisas que não estariam ao alcance se não fosse esta luta da voz. Quando uma pessoa tão importante como o Sam perde a voz ficas “fonix, o Sam sem voz?”. Brincámos muito sobre isso [risos]. Essa muito foi mesmo dedicada a ele, eu não tinha essa letra até esse acontecimento. Eu lembro-me perfeitamente do momento em que isso aconteceu, estava na casa de banho a tomar banho, tinha acabado de falar com o Sam, e olhei para os azulejos e digo “Deus deu-me uma benção na voz”. Foi esta a frase que me saiu. E depois tem várias coisas que têm a ver com essa cena da voz, da má utilização da voz. “A laringe, a faringe, a língua e a traqueia não atinge quem finge ou quem míngua a ideia, quem não atinge o carisma da última ceia que exijo no humanismo da mente mais ateia” [risos]. São coisas que também são muito viradas para o meu pensamento. Nem tudo é fácil de entender, como é óbvio, e a possibilidade de nós conseguirmos escrever coisas que são tão nossas e irem para o mundo inteiro tem um bocado a ver com isso. Eu estou aqui a misturar, porque se eu começo com “Deus deu-me uma benção na voz” obviamente que eu tenho de falar sobre essa cena da divindade, não é? Esse canal que entra em ti que é tão óbvio quando me perguntas sobre letras que falo delas hoje e não sei como aconteceram quase. É uma canalização, tem de vir de algum lado, é uma energia. Da mesma forma acontece também em palco. Esta é a parte sentimental. A parte física concreta é: a maior parte dos músicos em Portugal, dentro do género do rap, quando estão no backstage estão a fumar ganzas, estão a beber bebidas frias. A segunda estrofe começa assim. “Bebidas frias, noites frias, que tipo de vida querias, tu já sabias que tinhas que passar a mensagem cá do messias se não eras capaz então dizias porque o teu talento não é lento é todos os dias”. Essa exigência que é necessária a quem está nos bastidores de quando se vai para cima do palco, é necessário haver uma transferência e um espaço em que tens de educar a tua voz, fazer aquecimento vocal, uma compreensão do que vais fazer para que com o tempo e nos vários concertos que vais fazer não perderes a voz. Foi uma coisa que o Sam não fazia, não sabia como é óbvio e que com o tempo vai prejudicar o teu relacionamento com o microfone e o teu relacionamento com o público e tudo mais. Eu apercebi-me disso a tempo certo, por isso é que tenho 44 anos e faço os mesmos concertos que fazia quando tinha 25, na boa, o mesmo range vocal que fazia. Apercebi-me disso e fui tentando o mais que eu posso dentro da minha cena humana, porque obviamente também tenho as cenas que também gosto de fazer e não são tão boas quanto isso. Imagina o que é não conseguires falar, já imaginaste? É absurdo. Nós temos tão por garantido que a nossa voz está fixe que nunca nos lembramos que podemos ficar sem ele e se ficares sem ela termina pelo menos uma dinâmica. Nada melhor do que terminar o disco a dizer que sem ela não poderia fazer as 13 músicas que estavam para cima.

 



Que público conquistaste com o Maturidade?

Todo, foi amplo.

Lembras-te de alguma mensagem que te tenha marcado particularmente?

Essa do Miguel Barroca. Eu falo muito dele porque é uma mensagem muito importante. É uma pessoa de quem eu nunca iria fazer ideia — era um jogador de basquetebol, jogava no Benfica –, se não fosse a música nunca iria acontecer a nossa ligação.

O que é curioso porque foi exactamente nessa fase, lembro-me perfeitamente, que tivemos um concerto no Delta Tejo, que na altura ainda havia, foi um dos concertos mais importantes para mim. Convidei o David Cruz, o Pina já cantava comigo, e a Eliza também convidei para cantar nesse concerto. Estávamos na preparação do concerto, nos ensaios, e morre o Michael Jackson, uns dias antes. Nos ensaios, antes de começar, cantávamos músicas dele, aquela cena de o evocar. E um pouco antes do concerto acontecer tive uma epifania por causa disso e surgiu-me uma frase que ficou para sempre e de vez em quando digo que é “se a música nos une nada nos separa”. E são estas coisas, são estas pessoas, é o Miguel Barroca, são estes momentos em que tu converges com pessoas tão diversas por causa de uma coisa que é a música, que te dá uma possibilidade gigante de conhecer pessoas. E de poderes estar ligado a pessoas com um sentimento que não sabes qual é porque tu não sabes qual é o sentimento que a música te traz quando estás em estúdio, é uma coisa que não é contabilizada, não está escrita, não é matemática. Lembro-me de quando fizemos o “Espelho” e pedi ao Sir Scratch para cantar a parte dele, ele está ali a deitar a alma dele para fora. Foi giro que ele até apagou a luz para ser mais canalizado ainda. Hoje nós ouvimos “boy ando com o corpo a fugir há bué, boy ando com o corpo já dorido há bué”, mas a canalização da energia que está ali não sabes de onde é que vem. Nunca iria conhecer este gajo se não fosse através da música, era muito difícil. Conhecê-lo, partilhar com ele coisas. E perceber que a vida é mesmo engraçada, é mesmo um filtro e que só vai passando exactamente aquelas pessoas que queres que passem dentro do teu feeling. O Sir Scratch é essa pessoa, é mesmo irmão.

Para o concerto de dia 10 de Novembro, o que tens preparado?

Eu nunca tinha feito um concerto desta escala. Já tinha feito outros concertos, no B.Leza e tal, coisas mais pequenas, mas um concerto com esta escala nunca tinha feito. Ainda por cima apanhou a meio da minha viagem para o Brasil. Eu estava um bocado assustado. Na promoção, no que é que eu ia fazer, e não queria estar eu à frente da responsabilidade do palco. Então chamei uma pessoa, que também é meu amigo de longa data, que faz produção e é ele que está a trabalhar na produção do espectáculo em termos visuais. Vamos fazer uma coisa meio visual, o rap também não pode ser só aquela coisa de ir rimar. Vamos ter alguns convidados, não todos os que pretendíamos, por situações de cada um, mas vamos ter.

Para mim o mais importante, honestamente é isso que me dá um grande gozo e é aquela coisa a que dizes mesmo passe o tempo que passar, por mais que te custem algumas coisas, sentes orgulho dos teus passos terem sido tomados daquela forma. Nós temos um grupo no Whatsapp com a malta que está a ensaiar para o concerto, os músicos dos The Velcrew, e um dia destes um dos elementos do grupo, o João, mandou uma mensagem… até parecia que tinha levado um soco na barriga, a sério. Dizia assim: “mano, quero agradecer-vos por este concerto, quero agradecer-vos por este momento, é uma cena inacreditável estar a fazer isto com vocês, este disco”. Eu comecei a olhar para a mensagem, comecei a sentir cair uma lágrima, deixei-me estar, não respondi logo. Isso é bonito, um gajo fica emocionado. É deep, não é só irem lá tocar, é mais, é uma cena incrível. A vida dar-te essa possibilidade é fabuloso [chora]! É incrível! São os passos que um gajo dá para chegar às coisas e as coisas acontecem dentro dos passos que tu dás e sabes que tens de lutar por coisas e tens que te afastar de outras. É uma luta diariamente sobre o que é que eu devo fazer e o que é que eu não devo fazer, será que isto é correcto, será que isto não é correcto. Estamos aqui a comemorar os 10 anos de um disco com uma banda incrível que ouviu o disco e que está a fazer isto com amor. De um género de música que é o que todos sabemos, todos nós estivemos lá desde o início. E com o que foi feito, não é? O disco foi lançado pelo Bomberjack na altura com aquelas impossibilidades, aquelas dificuldades todas, mas hoje estamos aqui e vamos encher o Olga Cadaval.

Enquanto o love estiver lá sustenta tudo o resto e sempre foi isso quer eu quis mais do que tudo. Eu quero manter as pessoas à minha volta pelo love. Quando houver para todos é para todos, a gente vai fazer sempre assim.

 


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