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Publicado a: 14/09/2017

Voando sobre um ninho de synths: vénia a La Monte Young no Maria Matos

Publicado a: 14/09/2017

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] José Frade/Egeac

Perante uma bem composta plateia, Étienne Jaumet, Sonic Boom e Celine Wadier apresentaram ontem no Teatro Maria Matos o seu tributo ao compositor norte-americano La Monte Young. Ao contrário do que normalmente sucede, a ocasião não serviu para assinalar nenhum aniversário redondo – como aconteceu aquando da celebração do centenário do nascimento de John Cage, por exemplo -, para marcar alguma efeméride mais triste – o compositor continua entre nós -, mas simplesmente para prestar uma sentida homenagem a um génio raras vezes aplaudido.

 


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A obra do autor de The Well Tuned Piano foi, claro, ponto de partida e guia para uma deriva de uma hora que, embora mapeada por uma devoção comum a Young, não se curvou a nenhuma partitura ou seguiu de perto alguma peça em concreto. Talvez a principal ideia que possa ter animado a prestação do trio seja a da dissolução do tempo, uma lição que La Monte Young resgatou aos seus estudos dos modos clássicos indianos e que aplicou numa obra visionária que é um dos pilares da escola minimalista americana.

Sobre um fundo de motivos geométricos que a espaços pareciam evocar a arte decorativa islâmica – motivos esses que muito lentamente se iam dissolvendo dando lugar a outros padrões, sempre em tons monocromáticos, criando a ilusão de uma diferente passagem do tempo – Jaumet, Kember e Wadier proporcionaram-nos uma hora de imersão total em drones e pulsares tectónicos de progressão lenta apoiados numa combinação de sintetizadores modulares, voz, saxofone e tambura.

 


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Céline Wadier foi a primeira a assumir a dianteira, aplicando a voz em modo drupad sobre esparsas notas dedilhadas na tambura enquanto, muito lentamente, Jaumet e Sonic Boom iam adicionando à mistura fios de electrónica a partir dos seus modulares. No centro, Sonic Boom exibia, além de um modular construído, seguramente, com preceitos muito particulares, um clássico Synthi AKS da EMS, peça central no seu arsenal electrónico, ferramenta de culto criada pela empresa de Peter Zinovieff e Tristram Cary no arranque dos anos 70. Jaumet, que também usou a voz como fonte sonora, processando-a com múltiplos efeitos, operou o seu modular e ainda recorreu ao saxofone, instrumento que, afinal de contas, o liga directamente a La Monte Young.

Juntos, os sons – acústicos e electrónicos – conjurados pelos três artistas presentes, criaram uma espécie de tapeçaria – talvez fosse essa a ideia na base das imagens de padrões geométricos monocromáticos exibidos em fundo – de frequências e drones que nos elevaram a todos para uma dimensão diferente daquela em que nos encontrávamos antes de chegarem ao palco. O trio executou apenas uma peça longa, sem intervalos ou espaço para qualquer intervenção falada, excepto já no final, quando Jaumet disse os nomes dos três músicos em palco, antes de saírem de cena. Tal como pareceu materializar-se a partir do silêncio, a peça tecida por Jaumet, Boom e Wadier também se dissolveu passado pouco mais de uma hora do seu arranque, deixando-nos a todos suspensos – demorou uns segundos para a plateia perceber se deveria ou não aplaudir… -, com o regresso à Terra a equivaler ao acordar de um estado semi-consciente. Foi preciso confirmar no relógio quanto tempo tinha passado, pois teria sido tão lícito achar que só se tinham desenrolado alguns parcos minutos como que já poderiam ter passado umas quantas horas desde que a voz de Céline Wadier nos começou a transportar a todos para outro lugar.

 


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