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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/09/2022

Há excertos da obra e declarações de uma das colaboradoras para encontrar nesta peça.

The Routledge Companion to Jazz and Gender, um livro que é “um marco” (com a contribuição de Beatriz Nunes e Leonor Arnaut)

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/09/2022

Já lá vai mais de um ano desde que desejámos que o jazz concedesse às mulheres o que estas têm vindo a oferecer ao jazz: uma porta de percepções infinitas. Apesar do longo caminho que ainda falta percorrer, estamos, sem dúvida, cada vez mais conscientes e próximos nesta luta pela igualdade de género naquele que é o género que celebra a liberdade.

Este mês, Beatriz Nunes e Leonor Arnaut foram selecionadas para contribuírem para o livro The Routledge Companion to Jazz and Gender, cuja edição ficou a cargo de James Reddan, Monika Herzig e Michael Kahr. Consideramos a obra como mais do que um aglomerado de opiniões e registos de académicos e artistas, estabelecendo uma missão de identificar, definir e questionar a construção de género em todas as formas de jazz — da prática ao ensino — exigindo uma transformação cultural e social dos padrões heteronormativos. 

Nunes e Arnaut candidataram-se à publicação ainda antes de terem defendido as suas teses de mestrado. Para além de artistas, as cantoras portuguesas têm igualmente envergado pelo caminho da investigação. No entanto, Beatriz revela, em conversa com o Rimas e Batidas, que a notícia foi recebida “com um enorme síndrome de impostor”, uma vez que as limitações metodológicas surgiam como uma insegurança natural. No fim de contas, esta experiência revelou-se “uma grande aprendizagem” e “uma prova de confiança da equipa editorial numa nova geração de mulheres investigadores nos jazz studies”. 

Integrado na quarta parte do livro, Policy and Advocacy, o artigo “Victims No More: How Women and Non-Binary Musicians Are Collaborating for Gender Justice in Jazz” pretende conceder uma perspectiva histórica do activismo feminista no jazz nos Estados Unidos desde a década de 70, tendo como foco as estratégias de três organizações contemporâneas através da experiência de três artistas e activistas: a trompetista e líder de banda Ellen Seeling, a saxofonista e compositora Roxy Cross e a vocalista e compositora portuguesa Sara Serpa. A dupla de investigadoras concedeu, em exclusivo ao ReB, a oportunidade de partilhar alguns dos excertos que compõem o seu capítulo e que vão encontrar em destaque (em inglês e pontualmente) ao longo deste texto.

It is not uncommon to associate jazz with political activism, the struggle for racial equality or even with freedom itself. If we consider racial and social struggles as foundational aspects of jazz music, political activism and jazz have been historically connected. However, it is necessary to criticize how the narrative of freedom and empowerment in jazz made it difficult to deconstruct subtexts of masculinity in a predominantly male and heteronormative musical territory.”

Para além de lidar com as questões pessoais que, inevitavelmente, atingem as mulheres académicas que ousam envergar por territórios maioritariamente masculinos, Nunes e Arnaut tiveram de lidar com outro problema: “contactar as pessoas com quem tínhamos idealizado desenvolver o nosso estudo. Todas a residir nos Estados Unidos da América e nós apenas com o contacto da Sara Serpa, que se revelou desde o princípio um apoio indispensável para esta publicação.” 

Uma vez que o estudo foi desenvolvido em 2020, no pico de uma pandemia mundial, este demonstrou ser um desafio acrescido às já mencionadas dificuldades. A solução passou por “reformular” o inicial desejo de apenas concentrar o objecto de estudo no colectivo We Have Voice (WHC), para contar com a ajuda da equipa editorial. Conduziram-nas “ao contacto de Ellen Seeling, activista feminista pioneira no jazz, a primeira mulher a formar-se em estudos de jazz na Universidade de Indiana, em 1975, e ao contacto de Roxy Cross, saxofonista que co-fundou com Aubrey Johnson, o Women in Jazz Organization (WJO).”

“The principle of intersectionality, approaching gender-diverse identities, including transgender and non-binary, represents one of the main perspective shifts from previous activist organizations for women’s rights such as JAGA. The BIJGJ leads an advocacy approach that considers not only cis-women, but also transgender and non-binary musicians as underrepresented in the heteronormative patriarchal system: ‘Gender justice implies a politic where boys and girls, men and women, cis- and transgender, gender non-conforming and non-binary persons, everyone is valued equally and shares in the equitable distribution of power, knowledge, and resources’.” 

Contudo, Nunes afirmou que se depararam ainda com uma dificuldade extra: “confrontámo-nos com uma decisão editorial que considerou os discursos da pioneira Seeling, que desde o início deste projeto se identificou como terf (trans exclusionary radical feminist), como violentos e transfóbicos”. No fim, “creio que acabámos por conseguir um bom compromisso entre aquilo que é o respeito pela voz e pela representação de Seeling e aquilo que são as próprias posições das autoras e dos editores”.



“The Manifesto raises awareness toward gender balance, and encourages its members to ‘put in place policies and action plans to involve more women as artists, artistic directors and producers, staff and board members and audience members in our work.’ The Manifesto also invited EJN members to complete a survey regarding their work over the past three calendar years to inform the formulation of future strategies.” 

Se a obra concede uma revisão histórica das iniciativas e colaborações na luta pela igualdade de género no jazz desde 1970, é importante realçar que é apenas em 2010 que a Europa demonstra uma preocupação acerca da paridade na indústria musical através de um conjunto de iniciativas, como a criação da Keychange, fundada pela Europa Criativa, um programa da União Europeia para os sectores culturais e criativos. Desde 2017 que várias organizações europeias têm vindo a assinar manifestos a favor da igualdade de género, no entanto, apesar dos resultados actuais ainda não serem os desejados, Nunes e Arnaut realçam a importância da determinação de objectivos específicos. 

“Regarding how challenging it is to change systems of male normativity, Serpa considers that it is important for women to take up their own narratives, spaces and create their communities. Serpa is committed to ‘normalize powerful women and non-binary musicians’.”

Ainda em 2017, o movimento #MeToo espoletou uma reacção em cadeia que chegou aos aspetos sociais e culturais, incluindo o jazz. Desta conjuntura nasceu o colectivo We Have Voice (WHC), fundado por 14 artistas de diferentes gerações, raças, etnias, culturas, competências, identidades de género, contextos económicos, crenças religiosas e afiliações e entre os quais encontramos Sara Serpa. O colectivo introduziu duas iniciativas: uma Carta Aberta e um Código de Conduta como forma de denunciar a “prática padronizada de má conduta sexual, possibilitada por uma cultura generalizada de tolerância nas Instituições e entre pares”.

Esta é, sem sombra de dúvida, uma luta que todos os dias conquista uma nova posição face ao passado, e, para Beatriz Nunes, esta publicação no panorama actual, para além de histórica, “é um marco, pois define este campo de estudos, gender and jazz studies, como um campo autónomo, relevante por si próprio. Creio que também revela o crescente interesse, não só académico, mas também social, por questões de género em várias áreas da sociedade.” 

Inevitavelmente, o tema abriu o debate no espaço público, mediático e digital, e “há quem considere que se trata de um tema trending, mas essa perspectiva surge do desconhecimento de que publicações sobre género e jazz existem desde os anos 80, apenas estamos a assistir a uma sistematização e destaque desta área de estudos.”

“However, according to the testimonials of various activists, it is difficult to change a system deeply rooted in patriarchy. Most leaders acknowledge that it will take a long time to achieve a completely gender-balanced music industry. Nonetheless, their actions have been critical in raising awareness and facilitating action against gender discrimination in jazz. 

É com esperança que esta seja uma das portas das infinitas percepções que tornem o jazz aquilo que realmente sempre reivindicou: um espaço de igualdade e, sobretudo, de liberdade.  

Para Beatriz Nunes, “este livro, por ser até à data o mais completo sobre o tema, com 38 capítulos de investigadoras e investigadores dos quatro continentes, será uma base indispensável na definição de conceitos e até mesmo de apoio a cursos que já são ministrados em universidades sobre Gender and Jazz.


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