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Rui Miguel Abreu

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Em permanente aprendizagem.

Seis anos a partir pedra para as fundações da casa ainda em construção do Rimas e Batidas

Há exactamente seis anos nascia, cheio de genica, o Rimas e Batidas. Se fosse uma criança estaria agora a entrar na escola, provavelmente via Zoom, esbugalhando os olhos para tentar ver o futuro. Mas o Rimas não é uma criança, é uma ideia que se faz de muitas ideias, uma aventura em que todos os que nela acreditam são protagonistas. Por isso mesmo, antes de mais, impõe-se aqui um agradecimento a todos os que ao longo destes seis anos contribuíram com o seu trabalho para que aqui tenhamos chegado. A todos mesmo, sem excepção: muito obrigado.

Houve muita coisa que mudou nestes seis anos e sem vaidade de espécie alguma – antes, pelo contrário, acusando o peso de tal responsabilidade – penso que podemos reclamar ter sido motor de arranque importante nalgumas dessas mudanças: impusemos um discurso crítico sobre culturas e sonoridades que até aqui não contavam com esse tipo de pensamento regular e estruturado; oferecemos uma plataforma de visibilidade a artistas que não tinham lugar de fala na imprensa nacional (e, sim, estou perfeitamente ciente do quão pequena é a nossa caixa de sabão, mas, de qualquer modo, acredito que esse espaço se tornou relevante no conjunto da escrita sobre cultura em Portugal); procurámos com afinco aqueles artistas que, alheios às vagas de fundo, estão comprometidos com a arte, desafiando-se e desafiando-nos, inventando o que é novo, arriscando sons nunca antes tocados ou ouvidos, sem outra preocupação que não seja a de enfrentar o desconhecido; e, ao mesmo tempo, não tememos correr atrás dos fenómenos de popularidade, procurando entender como certos nomes que acumulam números astronómicos nas plataformas de streaming traduzem um novo pulso para esta coisa complexa e difusa que, à falta de melhor termo, poderemos identificar como “portugalidade”.

Parágrafo aqui. E um pequeno desafio: pensemos no “caso” Wet Bed Gang.

Provavelmente, o “fenómeno” desse entroncamento multicultural chamado Vialonga é o o mais espectacular caso de popularidade no nosso país neste momento, mas será difícil encontrar nos órgãos de “referência” convencionais uma entrevista que seja com eles (e ainda bem que a Lusa fez questão de os ouvir aquando da edição de Ngana Zambi). E, normalmente, quando são de facto mencionados, os Wet Bed Gang são remetidos para o “nicho” do rap. Pelo contrário, quem usar a ferramenta de busca disponível no ReB deparar-se-á com uma generosa lista a eles dedicada e que é feita de notícias, reportagens, entrevistas, críticas… Menciono este exemplo porque me interessa sublinhar uma ideia: para nós deixou até de fazer sentido falar em casos como os de Wet Bed Gang – ou, já agora, como os de Dino D’Santiago ou Nenny ou Julinho KSD ou Força Suprema ou Sam The Kid ou Allen Halloween ou Capicua ou NERVE ou Chullage ou David Bruno ou de tantos, mas tantos mais – de outro ângulo que não seja o da “música portuguesa”. Ou “música que se faz em Portugal”. Ou, vá lá, música, assim mesmo, sem aspas. Ponto. Reduzir – sim, porque é disso que se trata – a “fenómeno do rap” um grupo que soma mais de 42 milhões de visualizações numa só música e que conta com meio milhão de subscritores no seu canal de YouTube é tão grave como usar “fenómeno do fado” para descrever Mariza que também tem números extraordinários na mesma plataforma. São ambos casos fenomenais, obviamente, mas da tal “música portuguesa”. Ou da música que se faz em Portugal. Ou, e talvez seja mesmo mais simples, da música. Mais um ponto. E agora, também, um novo parágrafo.

Portanto, fizemos tudo isso. Mas ainda sabe a pouco. Se estamos há seis anos a construir esta casa, a verdade é que ainda nem sequer erguemos a primeira parede. Digamos que estamos agora a terminar as fundações. E quais são as fundações do Rimas? A vontade de pensar o que acontece no hip hop e na música electrónica, no jazz e noutras manifestações modernas de música popular, tentar perceber momentos de benigna contaminação entre géneros, e olhar para isso tudo com a mesma seriedade que há muito, noutras publicações, é dispensada aos artistas que se multiplicam do fado ao rock, da música clássica à canção de intervenção, das vanguardas à música popular de todos os géneros e feitios.

Mais: procuramos ser inclusivos, não apenas nos artistas com quem escolhemos dialogar, mas até na equipa que fomos criando. E uma palavra especial de apreço para o talento de pessoas como Núria Pinto, Alexandra Oliveira Matos, Vera Brito, Beatriz Negreiros, Camille Leon, Inês Abreu, Rita Matias dos Santos, Rita Magdala e todas as outras que têm dado um impulso decisivo para que não sejamos apenas mais um clube de rapazes bem-intencionados. E, já agora, continuamos de portas abertas para expandir ainda mais a equipa: nas tais “fundações” do Rimas está bem inscrita essa vontade de sermos uma voz plural, diversa, multicultural, transversal. Ainda não estamos lá, mas só agora vamos começar a assentar tijolo e a erguer paredes. O projecto, acreditem, é bonito.

O futuro, agora, porque o sétimo ano da nossa história começa já a desenrolar-se daqui a nada. O Rimas e Batidas quer, muito naturalmente, crescer. Mas todos temos bem presente o extraordinariamente difícil momento que atravessamos. Todos. E nem falo apenas da catástrofe pandémica, mas de uma alteração tecnológica profunda que impõe novos desafios ao jornalismo, à comunicação, à produção de pensamento sobre a cultura. E para crescer precisamos, primeiro, de aprender. Temos feito por isso, sabendo que também se aprende cometendo erros e procurando não os repetir. Dá trabalho, às vezes até nos afecta o ânimo, mas é importante mesmo fazer por aprender corrigindo erros. Vamos procurar não falhar tanto.

Queremos, falando claro, escrever mais. Falar com mais artistas. Dar espaço a mais vozes. A mais visões. Queremos atirar-nos para fora de pé, mesmo tendo noção de que ainda mal sabemos nadar. Queremos chegar ao papel. Aos palcos. Queremos ser levados a sério. Porque, muito sinceramente, acreditamos que merecemos ser levados a sério. Queremos que invistam em nós, porque só assim será possível implementar as ideias que nos agitam e que todos os dias nos assaltam. Queremos que vocês, os que nos leem, continuem a ler-nos. Que os que nos ouvem continuem a ouvir-nos. Que os que nos veem não olhem para o lado, assobiando como se nós não estivéssemos aqui. Porque estamos. Há seis anos, já. Começa aqui o sétimo.

Sigam por aqui.

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