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Fotografia: Nuno Martins
Publicado a: 18/01/2022

Poucos mas fascinados e fascinantes.

Maria da Rocha e funcionário na ZDB: uma certa ideia de errância

Fotografia: Nuno Martins
Publicado a: 18/01/2022

Uma circularidade de um círculo altamente imperfeito e desenhado na esteira das experiências pessoais fez com que o primeiro concerto do ano fosse com funcionário e Maria da Rocha — ZDB, 13 de Janeiro de 2022. Um mês e alguns dias depois dos mesmos terem participado na celebração do 20º aniversário desse local mítico de encontro, que extravasa as fronteiras de loja e se mudou recentemente para o Mercado de Arroios – sim, a FLUR. A recordação do tempo como linearidade turva e construída sob remanescências de fragmentos de um passado mais ou menos difuso, mais ou menos próximo.

Uma certa ideia de errância, de tempos, locais e modos incertos e em que cada um vai procurando fazer o seu caminho caminhando, onde a visão é tacto e vértebra. E se podemos falar de tacto e de vértebra é acerca do trabalho de Pedro Tavares, ou seja, funcionário. Somos convidados pela alvura do ecrã a entrar no aquário. Fragmentos do filme de Philippe Garrel – A Cicatriz Interior (1972), que viemos mais tarde a saber terem sido alterados pelo próprio. As personagens do filme com nomes tão universais como – A Mulher (representada por Nico), O Homem (representado pelo próprio Philippe Garrel), A Criança, O Pastor, O Cavaleiro que nos remetem para a essência, para o momento primordial, ou seja, um início. A busca dos elementos — o fogo e o gelo, como no filme. Os antagonismos e antípodas muito antes de os termos colocado em campos opostos. A música de funcionário remete exactamente para esse dealbar, camadas de toadas ambient para os mais fervorosos da catalogação, mas que se vão encaixando com meticulosidade e paciência, sem a voragem da criação de uma massa sonora ou da sua desconstrução. Uma tangente fina à monotonia, sem nunca cair nela, abraçando-a e convidando-nos a andar para outros campos, muito certamente campos interiores. 

Maria da Rocha, de negro como se costuma apresentar ao vivo, violino e electrónica. Noite para nolastingname, cassete editada recentemente pela Holuzam e que sucede ao anterior registo Beetroot & Other Stories (Shhpuma, 2018). Trabalho de inegável pesquisa, de cruzamento entre linguagens que têm ocupado o espectro uma da outra de forma cada vez mais frequente, e ainda bem, a música erudita com a música electrónica. Fôlego, muito, que a tem conduzido a diferentes geografias — Estocolmo e Berlim são somente algumas das coordenadas –, e a trabalhar em locais tão emblemáticos para a história da música contemporânea como o Elektronmusikstudion EMS. Um jogo de justaposições que ao longo dos quase 33 minutos da peça nolastingname vão ocupando os diferentes interstícios – ora mais espaço para as cordas ora para a electrónica e na justaposição dos dois. A qualidade compositiva e o domínio da técnica são inegáveis, mas ao contrário de apresentações anteriores, como por exemplo em recente concerto no Lounge, em Lisboa (Julho de 2021), houve uma certa fluidez que se perdeu, uma relação entre os sons que se tornou menos clara. A atmosfera densa, de múltiplos vazios e alçapões, confere um tom enigmático que nos agrada e apaixona aquando da audição da cassete que não foi plenamente sentida, e o quanto isto tem a ver com percepções, nesta noite.

No momento presente, é uma não novidade afirmar que nos encontramos perante dois dos mais aliciantes músicos nesta área. Um reencontro com eles e com os concertos ao vivo este ano constituíram um belo passeio interior, contudo prejudicado pelo ruído exterior durante o concerto de Maria da Rocha que afectou a audição plena do mesmo. Uma outra pequena nota para a escassez de público. Estes dois Músicos merecem muito mais.


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