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Fotografia: Inês Mineiro Abreu
Publicado a: 29/07/2021

Noutro plano.

Guilherme Rodrigues e Rodrigo Amado na Jazz Messengers: e, de repente, a música nasce

Fotografia: Inês Mineiro Abreu
Publicado a: 29/07/2021

O primeiro a chegar à Jazz Messengers, loja de discos localizada no espaço da livraria Ler Devagar, na LX Factory, em Lisboa, foi Guilherme Rodrigues. E ali mesmo, entre as mesas e o balcão da loja, mesmo ao pé da velha prensa que remete o espaço para os domínios da arqueologia industrial, o violoncelista foi o primeiro a testar a acústica, entre livros e discos a proporcionarem uma moldura visual mais do que apropriada.

Rodrigo Amado chegou pouco depois e foi “aquecer” para a galeria onde normalmente decorrem os concertos, regressando algum tempo depois para uma breve sessão de conversa com alguns dos amigos que iam chegando, entre eles os guitarristas Luís Lopes ou Flak. E pouco passava das seis horas quando ambos deram início ao concerto. Sem introduções, combinações ou preparações de qualquer espécie. Até o “vamos lá?” foi dito simplesmente com o olhar. E de repente, a música nasceu.

Guilherme Rodrigues apresentou-se descalço e Rodrigo Amado com botas de calcorrear o deserto. O violoncelo começou num registo mais grave, quase evocando o rumor do trânsito intenso numa ponte mais ou menos próxima. Os dois estiveram sempre de semblante muito sério, revelando uma natural sintonia, ao ponto de certas passagens soarem quase como se tivessem sido compostas e ensaiadas com afinco. Na sua mágica e espontânea concretização, no entanto, esses momentos eram apenas confirmações de que tanto o violoncelista como o saxofonista já tinham alcançado aquele ponto em que o que deles flui é uma vibração extática qualquer que se harmoniza num plano superior, inatingível para todos os demais, mas ainda assim plena de beleza.

A performance do duo teve três andamentos, interrompidos por efusivos e mais do que justificados aplausos. A segunda parte começou com frases estridentes, atonais, com Guilherme a explorar o lado mais baixo das suas cordas, mesmo junto à ponte do violoncelo, combinando dedilhado, strumming e arco. Enquanto isso, Rodrigo ia soltando os elefantes e outros bichos da selva que também parecem viver dentro do seu saxofone. Numa determinada passagem, soando como parte de um ensemble de música de câmara contemporânea, Rodrigo e Guilherme pareciam ilustrar musicalmente um qualquer documentário que nos mostrasse Rothko a trabalhar no seu atelier. O mesmo tipo de “pinceladas” de puro expressionismo abstracto, a mesma intensidade cerebral, com o saxofonista a, muito literalmente, dar o litro, entrega bem expressa no suor que lhe escorria da face.

Os aplausos efusivos com que, ao fim de uma hora, o duo emergiu do “lado de lá” serviram de mais do que justa recompensa. Dois músicos em estado de graça que todos pudemos ver… de graça, também. 

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