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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 19/06/2020

O jazz e a improvisação, que por cá se tocam muito, estão a dever a uma novíssima geração que veio dar uma nova energia, e novas ideias, à música portuguesa.

Elxs andam aí

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 19/06/2020

Há toda uma nova geração de músicos portugueses que estão a mudar o cenário do jazz criativo e da música improvisada em Portugal, introduzindo-lhe não só uma bem-vinda lufada de ar fresco como novas sonoridades, novas referências e, acima de tudo, uma energia que abriu já de par em par as portas do futuro. O percurso em ascensão deles e delas pode ter sido interrompido, ou atrasado, pela epidemia do novo coronavírus, mas agora que tudo – espera-se – vai voltar ao normal possível, é altura de colocarmos os ouvidos nelxs e atentarmos no que farão de seguida.

O Rimas e Batidas andou por aí a ver quem é quem e aqui está uma selecção das jovens figuras da nossa música que começaram a pôr tudo de pernas para o ar nestes últimos tempos.



[André Lança]

Também com actividade como artista plástico, o guitarrista de origem alentejana estava a fazer-se especialmente notado nas vésperas de a epidemia do COVID-19 ter fechado as salas de concertos. No final de Fevereiro de 2020 apresentou-se no Sabotage Club, em Lisboa, com Maria do Mar, Luis Erades e Felice Furioso, num gig transnacional em que a improvisação abstracta e a sonoridade do rock cruzaram perspectivas na mais das improváveis combinações instrumentais: violino, saxofone barítono, guitarra e bateria. No mesmo mês, colaborou com o projecto dOISsEMIcIRCUITOSiNVERTIDOS (a vertente electroacústica e experimental dos free rockers dUASsEMIcOLCHEIASiNVERTIDAS), ao lado de Gil Dionísio, no álbum Live at l.@.m.a. Sessions. Em alto contraste, o seu percurso tem-se cruzado com o universo da improvisação reducionista perfilhado em Portugal pela editora Creative Sources, tendo a última prestação pública que fez este ano ocorrido, nos começos de Março, no festival Small Format Materials, na Galeria Monumental, ao lado de Ernesto Rodrigues, Miguel Almeida, Ba Álvares e Felice Furioso. Tem ainda um duo com João Rochinha, o mesmo de UNITEDSTATESOF, estando ligado ao colectivo Rotten/Fresh.



[Ba Álvares]

Contrabaixista em rota de colisão com os moldes convencionais do jazz, o músico anteriormente conhecido como Bernardo Álvares vincou a sua personalidade muito própria, sobretudo, no seu trabalho com a banda Alförjs, que mantém com Mestre André e Raphael Soares, e com os Zarabatana de Yaw Tembe que tem Carlos Godinho como terceiro vértice. Em ambos os casos, encontra pleno espaço para os seus conceitos musicais, baseados na repetição encantatória de motivos rítmicos, inspirados em simultâneo na música tribal africana, no transe marroquino, no minimalismo, no krautrock, no funk e no techno. A solo, adopta o nome de Sã Bernardo. No seu percurso musical passou pelos dUASsEMIcOLCHEIASiNVERTIDAS, pelo Lucifer’s Ensemble e pelos ABBA (duo com Aude Barrio), tendo ainda integrado o Ensembleia, com Helena Espvall, Bruno Pinho, Rui Veiga e Bitocas Fernandes, e formações conduzidas por Ernesto Rodrigues como String Theory e Variable Geometry Orchestra. A sua última aparição pública ocorreu no início de Março deste ano no Small Format Materials, em trio com Mariana Dionísio e João Valinho.



[Beatriz Nunes]

Depois de ter cumprido a difícil tarefa de substituir Teresa Salgueiro nos Madredeus, Beatriz Nunes vincou o seu nome no panorama nacional com um álbum que cativou o interesse da crítica e do público, Canto Primeiro, publicado em 2018. Fruto do cruzamento do jazz com a música popular portuguesa, evidenciando-se também a influência clássica da sua formação, a cantora que deu nova vida a um tema de José Afonso, “Canção da Paciência”, veio mexer com o panorama musical do nosso país à frente de um quarteto de ilustres em que encontramos Luís Barrigas, Mário Franco e Jorge Moniz. Igualmente Compositora, as suas referências estão tanto em Chico Buarque e Fausto como no canto mais exploratório, como ficou evidente com a sua participação no projecto in igma de Pedro Melo Alves, em 2019.


https://www.youtube.com/watch?v=WSA0e-IAiNI&fbclid=IwAR241bRC1bvGlsMQm4ekhJMDB_O8SQlbZGlM23G-s-adbAWGy3m_XAhJpy0

[Cíntia (Simão Bárcia, Tom Maciel e Ricardo Oliveira)]

É grande a quantidade de projectos musicais em que Simão Bárcia, Tom Maciel e Ricardo Oliveira estão associados, mas apenas com os três temos Cíntia, grupo surpresa que está a conquistar o mesmo entusiasmo que recentemente tiveram o LUME – Lisbon Underground Music Ensemble de Marco Barroso e os Slow is Possible – tanto assim que a iniciativa Cena Jovem Jazz.pt o votou como um bom exemplo das novas dinâmicas do jazz nacional. A música do trio vai de um lounge desconcertante a explosões punk, numa mescla de jazz com rock, hip hop e soul que é tão cativante em termos composicionais como nas execuções ao vivo, que têm a propriedade de fazer com que quem ouve queira dançar, num conceito especialmente inteligente de groove. Bárcia, o guitarrista, que também se assina como Simão Nuvem, pertence ainda às bandas Camisa (onde encontramos um dos mais interessantes cantores de jazz da actualidade entre nós, Afonso de Portugal) e Cimento. A primeira formação do workshop Som Crescente na ZDB, de Peter Evans e Gabriel Ferrandini, contou em 2019 com a sua participação. Maciel, o teclista de origem brasileira, é um elemento-chave de Whosputo, banda de pop-rock indie reunida à volta da voz de Raimundo Carvalho, e co-dirige o projecto Polivalente com o guitarrista e compositor João Valente. Duos com a vocalista Mariana Oliveira e o saxofonista Bruno Margalho marcam igualmente o seu trajecto. Oliveira, o baterista, está nos Polivalente e nos Chinaskee, estes também com desempenhos na área do rock alternativo.



[HUH (Guilherme Rodrigues, Zé Maria Carreira, Bruno Ramos, Miguel Fernández)]

Este é outro caso de combinações várias dos músicos em causa em contextos diversificados (alguns deles com intervenção de membros dos Cíntia), os próprios HUH surgindo a público com adições diferentes. A mais recente (Janeiro de 2020, pré-COVID, na paredense SMUP) sob o nome de HUH 3.0, porque adicionou um segundo baterista, Sebastião Bergmann. A música que tocam está entre a tradição do free jazz e a música livremente improvisada e de carácter experimental, indo desde uma visceralidade à la Peter Brotzmann a drones de particular subtileza. Os seus integrantes têm igualmente a particularidade de serem músicos multifacetados e sem preconceitos de género e estilo. Guilherme Rodrigues (saxofone alto), Zé Maria Carreira (saxofones alto e barítono, flauta) e o galego Miguel Fernández (bateria) colaboram com UNITEDSTATESOF, à vez ou em conjunto, com os dois primeiros a desenvolverem paralelamente um projecto em duo, Tribus. Fernández toca habitualmente com o saxofonista Bernardo Tinoco e integrou o quarteto de Olga Reznichenko que teve como pares figuras como João Mortágua, Zé Miguel Vieira e Francisco Brito. O mesmo baterista faz parte de Whosputo e trabalha com o grupo vocal feminino Haéma, à semelhança de Tom Maciel.



[João Almeida]

É o trompetista de quem mais se fala no último par de anos, muito devido à sua capacidade de estar tão à vontade no jazz mainstream como na mais aventurosa improvisação livre. Discípulo de Peter Evans, talvez o mais revolucionário pesquisador do trompete na actualidade, encontramo-lo em qualquer dos lados para que nos viremos, seja integrando a Orquestra de Jazz do Hot Clube de Portugal ou tocando com Hernâni Faustino, Pedro Sousa, Hugo Antunes ou Gabriel Ferrandini. Membro permanente do Fragoso Quinteto, do Diogo Alexandre Trio e dos quarteto e quinteto de Bernardo Tinoco, já o ouvimos em concerto com Fred Lonberg-Holm e João Lopes Pereira, inserido nos Dissection Room com Albert Cirera e Abdul Moimême e a tocar com João Carlos Pinto e João Valinho. Nestes tempos pandémicos está a dar-se a ouvir no Bandcamp com as suas Solo Sessions.



[João Carlos Pinto]

Originário de Braga e parte activa da cena do Porto, com estudos clássicos de piano e composição, João Carlos Pinto preferiu a electrónica para se expressar, com dispositivos na maior parte dos casos de sua própria concepção e manufactura. Os seus principais projectos são em dueto, designadamente Caco.Meal, com Pedro Melo Alves, praticando o que ambos designam como “post-human non-binary techno jazz”, e o que mantém com o trompetista João Almeida, neste caso focando-se especialmente no processamento em tempo real dos sinais que lhe chegam do trompete. A este duo junta-se, por vezes, João Valinho, transformando-se num trio. No início de Março deste ano, antes do confinamento, ouvimo-lo no ciclo Entropia com um novo projecto, 2.9 Oddgoats, partilhado com Inês Pereira, João Almeida e Pedro Melo Alves. O vírus apareceu-lhe ao caminho quando estava em plena fase de afirmação, mas é de prever que a retomará bem depressa…



[João Fragoso]

O compositor, líder e contrabaixista do Fragoso Quinteto foi escolhido pela Cena Jovem Jazz.pt como o primeiro contemplado, em 2019, do concurso promovido pela revista online jazz.pt e pelo Jazz ao Centro Clube, com disco recentemente editado. João Almeida, Mateja Dolsak (no lugar de Albert Cirera, o saxofonista que surge no álbum), João Carreiro e Miguel Rodrigues são os seus parceiros de viagem neste mergulho na sonoridade Blue Note da década de 1960 e sua recuperação para os dias de hoje, com um ou outro reencontrando-se em investimentos terceiros. Por exemplo, está com Almeida nos Garfo, que conta com participações de Bernardo Tinoco e João Sousa (o baterista de jazz, não o da improvisada), e com Carreiro nos MA, ao lado de Leonor Arnaut e João Pereira. Fragoso pertence a duas outras formações, uma com inspiração nos folclores europeus, Ledok, e outra que se dedica a musicar a poesia de José Jorge Letria para crianças, Buscapólos.



[João Grilo]

Se o trabalho deste pianista e compositor do Porto, mas nascido no Luxemburgo, já vinha recomendado pelo trio O Grilo e a Longifolia, partilhado com Filipe Louro e Ricardo Coelho, o seu nome foi projectado para a ribalta com a participação do seu HVIT na edição de 2018 do festival Guimarães Jazz, um ano mais tarde traduzindo-se em CD por mão da Carimbo Porta-Jazz. Com uma escrita por elipses fortemente marcada pela música contemporânea e a associação, na sua leitura, de dois músicos escandinavos, Christian Meaas Svendsen e Simon Olderskog Albertsen (para além do saxofonista José Soares), o resultado trouxe uma lufada de ar fresco ao jazz que por cá se cria e toca. Em concerto, os HIVT são completados pelo videasta Miguel C. Tavares, com a particularidade deste manipular as imagens consoante o que vai ouvindo. On the side, João Grilo participa também no duo de piano e electrónica Probióticos, com Filipe Fernandes, e inclui os Chap Chap na Brava, grupo de matriz folk.



[João Sousa]

Figura já incontornável da música improvisada no nosso país, o multi-instrumentista João Sousa (bateria, guitarra, sitar, flauta bansuri, electrónica, percussão, etc.) é o principal dinamizador do colectivo A Besta e toca em diversas formações deste, a exemplo dos psicadélicos Cardíaco e da dupla de punk-jazz ParPar, a meias com Pedro Arelo. Ouvimo-lo também nos Uivo Zebra, o power trio que o junta a Jorge Nuno e Hernâni Faustino. Sobre Cardíaco, de referir a parceria destes com os dUASsEMIcOLCHEIASiNVERTIDAS e que culminou com as duas bandas a tocarem em conjunto (duas baterias, dois baixos, duas guitarras, saxofone barítono e voz) num lendário concerto que teve lugar na SMUP, em 2018, sob o nome dOISsEMIcARDÍACOSiNVERTIDOS. Se a improvisação desta vertente do seu trabalho tem matriz no rock, já outras possibilidades são exploradas pelo seu projecto solitário de música meditativa, Svayam, reservado para os ashrams de yoga. João Sousa passou pelo Jazz no Parque de 2019 com a junção de dois duos, Ácidos (com André Calvário) e os About Angels and Animals de Julius Gabriel e Jan Klare. Uma estadia na Índia resultou na música improvisada meditativa que acaba de lançar nas plataformas digitais em dois álbuns, Akasha e Derdeba, com José Lencastre, Jorge Nuno e Hernâni Faustino. As gravações têm uma particularidade: devido ao confinamento, cada instrumentista registou as suas partes a sós, em casa.



[João Valinho]

Baterista nos domínios da livre-improvisação que se pratica em Lisboa, João Valinho tem-se distinguido em diversos tipos de abordagem, do free jazz à música electroacústica, passando por colaborações na área da dança. É membro do Free Pantone Trio, com Manuel Guimarães e Rui Sousa, encontramo-lo em diversos grupos de Ernesto Rodrigues, toca em trio e quarteto com José Lencastre, Jorge Nuno e o baixista Felipe Zenicola (este como o eixo de ambas as configurações) e pelo caminho teve um duo com o trompetista Luís Vicente e um trio com João Pedro Fonseca e Carincur. A sua última aparição pública antes da epidemia foi no início de Março passado, com Rodrigo Amado e Hernâni Faustino, acompanhando musicalmente o declamador e escritor brasileiro Rodrigo Brandão quando este se apresentou na Crew Hassan.



[José Diogo Martins]

Antigo aluno de João Paulo Esteves da Silva, é bem o exemplo de um pianista multifacetado: tocou com a Orquestra de Jazz do Porto, é parte fixa do Omniae Ensemble de Pedro Melo Alves, integra com este e com o contrabaixista Hugo Antunes os experimentais e electroacústicos symph e ainda contribui para os fusionistas PULSE! de Ricardo Coelho, estreados ao vivo em Fevereiro passado no Festival Porta-Jazz. Pouco antes, em Dezembro de 2019, esteve na terceira edição do Som Crescente de Peter Evans, com Demian Cabaud, José Almeida, João Carlos Pinto, João Gato, João Sousa e Nazaré da Silva. Com um estilo requintado, mas incisivo, capaz de desenvolvimentos sempre imprevisíveis nas suas improvisações, cumpre o pleno das suas capacidades no Miguel Rodrigues Trio. Frequenta o Rytmisk Musikkonservatoriu de Copenhaga e isso nota-se. Enquanto compositor, até na ópera tem feito incursões.



[Leonor Arnaut]

Com um repertório de standards do jazz e canções da MPB partilhado com Marcelo Murta e Rui Alvarez ou aventurando-se por mais arriscados caminhos, com referências indirectas, por exemplo, em Meredith Monk, a cantora de Coimbra notabilizou-se pelas suas contribuições para os MA, quarteto que valoriza muito especialmente o timbre, a textura e o silêncio, e para os Chão Maior de Yaw Tembe e a sua música de deriva, partilhada com Norberto Lobo, João Almeida, Yuri Antunes e Ricardo Martins. Apresentou-se com João Carreiro e João Sousa (o baterista de jazz) no Festival Robalo do ano passado. Com o primeiro na guitarra, esteve em streaming a partir do Hot Clube, em Lisboa, no passado dia 25 de Abril, numa realização especial comemorativa da Revolução dos Cravos. Ia actuar com a também cantora Mariana Dionísio no Festival Feminista da SMUP, a 15 de Março passado, mas o concerto, como todos os demais, foi cancelado devido à nova realidade trazida pelo COVID-19.  



[Mariana Camacho]

Com formação em piano e vocação para o canto, que treinou em vários coros clássicos, como o de Câmara da Universidade de Lisboa e o Coro Gulbenkian, está envolvida no projecto Mutrama do guitarrista e compositor André Santos, focado na recuperação do cancioneiro tradicional madeirense e na sua integração com o jazz. Para além dos instrumentistas permanentes deste, António Quintino no contrabaixo e Joel Silva na bateria, esteve em palco com os convidados Maria João, Salvador Sobral, Ricardo Ribeiro, Desidério Lázaro, Francisco Andrade e Graciano Caldeira. A sua actividade passa igualmente pelo trio vocal Guarda-Rios, com Susana Nunes e João Neves, pelo Ela é uma Banda, ensemble de 12 elementos que por vezes lembra o rock pairante dos Godspeed You! Black Emperor, e dirige o CoLeGaS – Coro Lésbico, Gay e Simpatizante da Ilga Portugal. No início de Março, a dias do estado de emergência, estreou no Penha sco, em Lisboa, o seu projecto a solo para voz, teclados e electrónica, O Tempo de Baixo, o Tempo de Cima ou o Mundo Está a Girar. De Caetano Veloso a John Cage, de tudo um pouco coube no concerto.



[Mariana Dionísio]

É a voz do Omniae Ensemble, o projecto de Pedro Melo Alves que recebeu o Prémio de Composição Bernardo Sassetti, e com o mesmo baterista e compositor portuense colaborou tanto nas Conundrum Sessions, em duo e em quarteto com Jacqueline Kerrod e João Grilo, como nos in igma, grupo estreado em Julho de 2019 no Jazz no Parque da Fundação de Serralves, com os préstimos de Mark Dresser, Eve Risser, Abdul Moimême, Aubrey Johnson e Beatriz Nunes. Pudemos ainda ouvi-la nos Montanhas Azuis de Norberto Lobo, Bruno Pernadas e Marco Franco, a par de Tomás Franco de Sousa, Ana Araújo e Leonor Arnaut. Passou por parcerias com Miguel Sobral Curado, Phillipe Trovão e Lucas Xerxes, bem como por uma das versões do Golfo Místico de João Madeira, com intervenções também de Carlo Mascolo, Paulo Curado, Noel Taylor e Yedo Gibson, entre outros.


https://twitter.com/_miguelclr/status/1229535628284567554

[Miguel Rodrigues]

O baterista e compositor Miguel Rodrigues foi o segundo músico a ser distinguido pela Cena Jovem Jazz.pt, concurso a que concorreu com o trio que mantém com José Diogo Martins e Demian Cabaud, de nome Empa. Um projecto que é descrito pelo próprio como de “radicalização da tradição do jazz, levando-a até aos limites”. Antes da sua contribuição para o Fragoso Quinteto, integrou o Colectivo Zarafat e os Moto Moto, participando hoje no Joaquim Rodrigues Trio e nos Tranglomango, banda de folk-rock sediada em Viseu. Tem actividade igualmente em outros géneros musicais: as suas colaborações com Miguel Araújo resultaram, por exemplo, em concertos com Jorge Palma e António Zambujo. Vamos ouvir falar muito dele.



[Miguel Sobral Curado]

Filho de peixe sabe nadar. Miguel Sobral Curado é filho de um dos veteranos do jazz criativo e da música improvisada de Portugal, o saxofonista e flautista Paulo Curado, conhecido também pelas bandas sonoras que criou para o nosso cinema, em especial o de animação. Os estudos de composição de Miguel destinaram-lhe uma carreira nos domínios da música erudita contemporânea, mas o também percussionista e baterista seguiu o mesmo apelo do pai e tem desenvolvido trabalho como improvisador. O seu currículo inclui, por exemplo, uma celebrada peça para orquestra de sopros e baixo eléctrico (este tocado por Simão Bárcia, dos Cíntia), de nome Ex Centro, ou a transcrição para orquestra de percussão de nada menos do que a Sagração da Primavera de Stravinsky, por encomenda da Metropolitana, mas o que vem fazendo na área da chamada “improv” é igualmente relevante. Não é qualquer um que emparceira com Rodrigo Amado e Miguel Mira. Em vésperas da era COVID abriu uma das célebres Improjams do Penha sco com o saxofonista barítono espanhol Luis Erades.



[Phillipe Trovão]

O caminho de Phillipe Trovão parecia destinado exclusivamente à interpretação de obras de música contemporânea para saxofone e à exploração de interfaces entre o seu instrumento de eleição e a electrónica. Outros chamamentos foi tendo, no entanto, e estes incluíram tanto a Reunion Big Jazz Band ou os funkadélicos Orelha Negra como projectos que combinam improvisação livre, live electronics e/ou outros tipos de exploração, a exemplo de Room #315, referenciado no imaginário das séries de televisão Twin Peaks de David Lynch. Dos universos de Risset, Peixinho, Sousa Dias, Decoust ou Vieru passou para parcerias com Ernesto Rodrigues, Yu Lin Humm, Pedro Frazão, André Hencleeday e Ryoko, seus parceiros no álbum Percolation, saído em 2019. Em tempos de confinamento, vimo-lo e ouvimo-lo num vídeo da Festa do Pijama do Penha sco, naquele que foi um dos melhores momentos de música à distância que resultaram da crise pandémica.



[Sofia Queiroz Orê-Ibir]

É, tanto quanto sabemos, a única mulher que em Portugal toca contrabaixo nos circuitos musicais abordados por este texto. Com formação clássica e a fazer estudos de jazz, o nome de Sofia Queiroz Orê-Ibir foi crescendo no último par de anos. Primeiro vieram as suas contribuições para o teatro, com os espectáculos Ermelinda do Rio e Sonho de Uma Noite de Verão, em ambos os casos interpretando partituras de José Peixoto, o guitarrista dos impossíveis de esquecer Shish, Cal Viva e El Fad. No caso da peça de José Monge encenada por Maria João Luís em contexto bem especial – um trio de contrabaixistas com Miguel Leiria Pereira e Sofia Pires. Daí até à associação com a nebulosa Creative Sources foi um passo, integrando o ensemble String Theory com Ernesto Rodrigues, Maria do Mar, Miguel Mira, Ulrich Mitzlaff, Ricardo Jacinto, Hernâni Faustino, Abdul Moimême e Mariana Carvalho, tal como consta na ficha técnica do CD Tin, de 2019. Participa ainda na Ela é Uma Banda, formação de rock de câmara criada para o filme Ela é Uma Música, de Francisca Marvão, que continuou a fazer concertos pelo país até as salas de concerto terem sido encerradas.



[Tomás Marques]

O muito jovem saxofonista alto parece estar a repetir o fenómeno Ricardo Toscano. De um momento para o outro, encontramo-lo em todo o lado. Por exemplo, tocando com a Orquestra de Jazz do Hot Clube de Portugal, com um momento muito especial quando esta foi dirigida por John Hollenbeck na edição de 2019 da Festa do Jazz; integrando o Sexteto de Bernardo Moreira no projecto de conversão ao jazz da música de Carlos Paredes, o Entre Paredes; surgindo no invulgar alinhamento (quatro saxofones, duas baterias) dos AXE de João Mortágua; incluindo-se na Orquesta Remolacha, com um repertório de música afro-cubana. Em 2019 também, foi ele quem substituiu Toscano – devido a outros compromissos deste – na apresentação no Amadora Jazz do LUME, big band que combina jazz, música contemporânea, rock e funk. E porque ganhou já um lugar de primeiro plano, tem dois grupos sob a sua direcção, o Tomás Marques Trio, com Rodrigo Correia e Diogo Alexandre, e o Tomás Marques Quarteto, com os músicos referidos mais o pianista Samuel Gapp.



[Yaw Tembe]

Com origem na Suazilândia, mas naturalizado português, o trompetista e compositor (também escultor) assumidamente influenciado por Jon Hassell, Axel Dorner, Pierre Bastien e Toshinori Kondo vem-nos apresentando uma série de projectos em que o jazz, a improvisação livre, a electroacústica, a música de câmara, África e muito mais cruzam referências. Gume (com a poeta, declamadora e performer Raquel Lima e a adição de um trio de cordas de arco), Zarabatana, Sirius (com o manipulador de objectos Monsieur Trinité) e Chão Maior são os seus principais investimentos. Outros derivam de uma regular colaboração com o guitarrista Norberto Lobo, mas não se ficam por aí. No final do ano passado juntou-se a Adriana Sá e Ricardo Jacinto no Teatro do Bairro Alto para a estreia de Coral Furtivo, performance musical que incide sobre o seu maior interesse de pesquisa: o estudo da ressonância, da fragilidade e dos fenómenos efémeros. Evan Parker, Orphy Robinson e Joshua Abrams contaram já com a sua companhia.

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