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Publicado a: 15/08/2017

Brunch Electronik: Domingos catárticos

Publicado a: 15/08/2017

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Brunch Electronik

As tardes de Domingo no Brunch Electronik, na Tapada da Ajuda, desenrolam-se numa constante luta contra o calor. De forma generalizada, o público vai procurando os mais variados e eficazes escapes para o sobreaquecimento: há quem se esconda por debaixo da rede verde-tropa (muito similar às que são usadas para camuflar os acampamentos militares em pleno campo de guerra) que serve de cobertura ao espaço mesmo em frente à cabine de DJ, vulgo dancefloor, onde vai sendo também borrifado vapor de água; há quem se desloque à zona das casas de banho, onde uma fileira de lavatórios com as palavras “água não potável” em letras grandes vai servindo de ponto de passagem aos que procuram devolver a frescura à pele e cabelos; por fim, há aqueles que não se importam de fazer constantes maratonas entre a pista de dança e os bares em busca do néctar sagrado da regulação da temperatura corporal, a sempre bem-vinda cerveja (os que não apreciam assim tanto esta bebida feita a partir de lúpulo e cevada, refugiam-se nas sangrias, sidras e bebidas brancas).

À semelhança dos anos anteriores (a comparação, neste caso, faz-se especialmente com a primeira edição de todas, quando o evento ainda era Picnik), há quem se desloque a este espaço, integrado no Parque Florestal de Monsanto, com um sentimento de êxodo urbano, logo, não é de espantar o comportamento quase desligado de muitas pessoas do conjunto de regras que a vivência na grande cidade nos impõe. Dos troncos nus aos pés no chão, ignorando por completo as solas de borracha próprias para caminhadas em pisos rígidos, passando pelas indumentárias mais imaginativas, são muitos os que abraçam este evento como se, na verdade, se tratasse de uma festa numa mata recôndita deste nosso Portugal. Quem diria que, já aqui ao lado, há uma ponte com um trânsito incessante, que serve de metrónomo à pulsação das ruas e avenidas que serve, e que, ainda mais ao lado, podemos encontrar uma selva de betão que se sufoca no seu próprio stress e agitação. O Brunk Electronik continua a isolar-se do nosso próprio dia-a-dia, o que lhe fornece um cariz catártico.

 


sheri vari


Portugueses, espanhóis, italianos e franceses, enumerando apenas algumas das línguas que aqui podemos encontrar, fazem a festa sem qualquer barreira a nível linguístico: de uma forma ou de outra, com mais ou menos inglês na ponta da língua, as comunicações fazem-se e, em alguns casos particulares, resultam em favoráveis engates. Os truques, porém, parecem não ter evoluído ao longo dos anos: “tens um cigarro?”, “dás-me lume”, “posso pagar-te um copo?”. Todas as abordagens são válidas, em que idioma for, e pretexto para uns bons minutos de conversa. “De onde és?”, “estás cá de férias?”, “para onde vais a seguir?” são as frases que normalmente se seguem. Os after-parties do Kremlin e do Ministerium são, por norma, os escolhidos para a continuação deste saudável ritual, que, em alguns casos, se tudo correr bem, culminará numa outra sadia prática.

O carácter familiar também vive aqui. Espalhados pelo recinto, não necessariamente em frente à cabine de DJ, à mercê do barulho e da confusão que no epicentro da ação impera, são várias as famílias com as quais nos cruzamos, também embrenhadas nesta purificação de corpo e alma. Há quem goste de ir aos Domingos fechar-se num centro comercial, para fazer compras ou simplesmente olhar para as montras, e há quem goste de ir para um parque ouvir música electrónica, em plena comunhão com a natureza e, quiçá, na loucura, dar um ou outro pezinho de dança. Este não são os típicos pais e filhos que trocam os raios de sol por luz artificial e o oxigénio puro por uma mistura de ar, perfumes rascas e óleo de batata frita. Aqui, o cheiro a pregos, bifanas e picanha na brasa, oriundo da zona de comes e bebes, numa das extremidades do espaço, foge em direção ao céu, deixando a pista de dança desocupada de odores estanhos (a não ser os oriundos das sopas que alguns druidas meia volta cozinham nas mãos).

Forrada com um aglomerado de paletes e canastras de madeira, ladeada por dois PAs em forma de pinha e decorada com máscaras burlescas (mesmo ao centro, por cima do kit de DJ, é possível vislumbrar uma semelhante à de Claptone), a cabine é o principal centro de atenções do público. Por esta altura, são os dOP, que tratam de animar a festa (por aqui já passaram, horas antes, Sheri Vari e Ari Girão). O colectivo francês traz consigo uma espécie de mestre-de-cerimónias, a fazer lembrar os toasters do universo reggae, que vai polvilhando as músicas disparadas dos decks de mistura com palavras soltas e algumas frases chave de incentivo à dança. A fórmula parece resultar e nem um problema técnico que deixou o grupo em silêncio durante alguns segundos (uma eternidade para alguns ritmodependentes que não tardaram em assobiar) parece ter servido de obstáculo à missão. O restante percurso traça-se sem qualquer tipo de percalço.

 


Brunch Electronik


De máscara pencuda, qual tucano banhado em ouro, e luvas brancas na mão, calçadas no preciso momento em que entra em cena e é recebido sob ovação, Claptone apresenta-se como um verdadeiro cabeça de cartaz e não deixa nada a desejar. “God Made Me Feel It”, original de Md X-Spress & Simon, “Ya Kidding” de Fisher, e “Deep Inside” de Daniele Stefanik são alguns dos temas que preenchem a primeira hora do set, altura em que o astro rei desaparece por entre a vegetação e dá lugar a um lusco-fusco onde o azul e o laranja se fundem na perfeição. As barras de luz que até agora se mantiveram apagadas dão um ar de sua graça e piscam no ritmo das músicas, acompanhando a cadência do set house do DJ alemão. O calor abrasivo já há muito nos abandonou, logo, a disputa por um lugar debaixo da cobertura militar e em frente às gigantescas ventoinhas nas laterais do cenário ameniza: por esta altura, qualquer lugar preenche os requisitos mínimos deste público.

Todos fazem a festa e ninguém parece querer arredar pé, porém, há quem se queixe que os decibéis emanados pelo sistema Funktion One (um clássico para este tipo de música) não se adequam ao espaço e quantidade de pessoas em questão – ao que conseguimos apurar, são os limitadores da grande babilónia a fazerem novamente das suas (não estaremos a ser demasiado rigorosos com este estrangulamento? Não deveria esta lei ser pensada e, sobretudo, recalculada?). “The Drums (Din Daa Daa)” de Claptone e George Kranz, “Its Kinda Jazzy” de Alexis Raphael e “Another Dimension” de Riva Starr, bem como uma reprise da passagem “I don´t know but i’ve been told, music makes you loose control” do tema “Body Work” dos Hot Streak, servem de remate a um dia que ficou pautado pelo convívio, comunhão com a natureza e, sobretudo, purificação da alma (o regresso à rotina lisboeta continua, porém, a ser motivo de choque). Venham mais Domingos assim.

 


dOP

claptone

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