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Fotografia: Javier Rosa
Publicado a: 25/11/2021

Interagir, debater e identificar.

Alhambra Monkey Week 2021: querem Portugal e Espanha dar realmente as mãos?

Fotografia: Javier Rosa
Publicado a: 25/11/2021

A partir do primeiro momento em que aterrámos em Sevilha, a pergunta que se impôs desde logo foi: qual é a razão para portugueses e espanhóis não estarem mais próximos? Durante quatro dias, de 17 a 20 de Novembro, essa foi a questão que nos perseguiu enquanto fazíamos parte da roda-viva que foi a edição deste ano do Alhambra Monkey Week, um encontro anual entre artistas, profissionais da indústria musical e público em geral, gente da cena independente que vem não só de vários pontos de Espanha mas também do resto da Europa e também da América Latina. 

Não há nada como estar nos sítios para se perceber daquilo que são realmente feitos. No entanto, o perigo de não os apanharmos o mais próximo da sua realidade corrente também se impõe nestas alturas de eventos que trazem pessoas dos mais variados lugares. Desde início, o mais curioso foi tentar encontrar as idiossincrasias: a caminho do hotel, depois da saída do aeroporto, o motorista fazia disparar no sistema de som do carro um tema com o título “Hate Conquers All” enquanto lá fora, durante a paragem num semáforo, os ritmos de uma faixa de reggaeton, que não conseguimos identificar, eram colocados no volume máximo — um dia depois, no meio de ruas sevilhanas, era “La Fama“, nova canção de Rosalía, que nos aparecia vinda de uma qualquer casa. Ainda não sabíamos que o meio-termo entre estes universos tão díspares seria algo que encontraríamos nos showcases (com mais inclinação nostálgica para o rock). 

Se na quarta-feira um cocktail informal foi a oportunidade para o início imberbe daquilo a que chamamos networking, o dia seguinte foi o primeiro mais a sério. As conferências tiveram lugar da parte da manhã, abordando-se o trabalho de quem coloca canções em séries de televisão, filmes, anúncios e videojogos, passando-se pelos NFTs e culminando, já na hora de almoço, numa conversa com quatro programadores: Alejandro López Allende (Dabadaba), Koen Ter Heedge (Yugofuturism), Esteban Ruiz (Rocknrolla Producciones), Pedro Azevedo (Musicbox). 

Entre Países Baixos, Espanha e Portugal, e com a pandemia como pano de fundo, as conclusões de cada um iam dar mais ou menos aos mesmos sítios: a importância destes espaços enquanto formas de dar viabilidade cultural aos locais onde se encontram, contribuindo para um turismo com mais opções no que toca a esse tipo de oferta; a função de servir de base para artistas e bandas que estão a dar os seus primeiros passos e precisam de dá-los com rede de segurança e sem medos de falhar; a comunicação entre salas de espectáculo semelhantes e na geografia ibérica enquanto móvel para uma mais saudável cena — mais uma vez, a ideia de uma maior interacção entre os países ibéricos voltou à baila.

Do lado português, ficou ainda o exemplo da Casa do Capitão, uma iniciativa pop-up que teve o mérito de contornar as apertadas regras pandémicas e conceder a muitos músicos um espaço válido e de esperança para se manterem minimamente à tona. 

De referenciar ainda uma intervenção particular de Esteban, que pegou na forma como as pessoas se agarraram à cultura durante os confinamentos e sugeriu que se aproveitasse esta oportunidade para se meter isto à frente da classe política na procura de melhores condições. 

Apesar da maior importância deste encontro passar pelos concertos, o Espacio Santa Clara também tem um papel crucial ao reunir estas conferências e painéis (sem esquecer os speed meetings que tiveram lugar numa manhã de sexta-feira) e unir alguns protagonistas invisíveis do mundo da música. Na verdade, a principal razão para irmos até lá foi o convite para participarmos num painel (que aconteceu sábado, às 11 horas) com Vanessa Careta (Everything Is New) e José Roberto Gomes (Lovers & Lollypops) sobre o desconhecido mundo musical português e sobre as formas possíveis dos espanhóis entrarem com maior força no nosso mercado — apesar da premissa ser a apresentação do que é nosso e o porquê de não existir uma ligação do público espanhol à produção portuguesa, a moderação e as pessoas presentes na plateia encaminharam-nos mais para as tais questões da entrada em território luso: como fazê-lo e através de que vias? 

No final, e em jeito de conclusão de três dias intensos de “somos tão próximos e não percebemos as razões que nos levam a este afastamento”, as evidências aparecem-nos em alta definição: 

  1. Enquanto os portugueses, mesmo sem qualquer educação em castelhano, conseguem entender grande parte do que é dito pelos espanhóis e arranhar um “portunhol” que garante pelo menos que ninguém passa fome numa taperia espanhola, o contrário não acontece (e, honestamente, também não parece existir grande vontade de fazê-lo);
  2. Como é natural (e facilmente justificável pelo tamanho), o esforço para entrar na América Latina torna óbvio que se preocupem mais em trabalhar esse mercado (que é mesmo muito mais rentável);
  3. A oferta bem mais curta que nós podemos oferecer em comparação com a deles deixa-os com a percepção que a grande cedência tem de ser feita do nosso lado, abrindo as portas sem que se espere grande retorno daquele lado.

Uma união justa e democrática entre as entidades ibéricas terá de passar sempre por uma troca equitativa — e seria engraçado ter visto mais do que dois nomes portugueses entre os muitos que passaram pelo Cartuja Center Cite. 

E vamos ao que realmente importa: a música. Como em qualquer festival que se preze pelas dinâmicas de “apresentar o futuro ao mundo”, os espectáculos (à excepção de quinta-feira) iam acontecendo em simultâneo em várias salas do espaço multiusos que tem a envergadura de um grande centro de congressos. Nesse rebuliço, pouco fica, mas houve momentos de partilha que não se perdem.

Começando pela elegante homenagem a Mediterráneo, obra-prima de Joan Manuel Serrat, que celebra em 2021 o seu 50º aniversário, e, num momento de verdadeira reunião entre Espanha e Portugal, indo até ao produtivo encontro entre Pedro da Linha com Álvaro Romero: a sensibilidade para o formato pop e para as cadências afro/latinas do primeiro e a incorporação daquilo que é ser-se um cantor de flamenco de corpo inteiro do segundo tornaram a experiência muito bem-sucedida. Há já várias canções que, provavelmente, irão dar em disco — e a plateia pareceu compreender que, independentemente da raiz, interessa é fazer dançar. E que até dará para cruzar danças e ritmos sem que soe desfasado.

Para além do fascínio evidente dos criativos espanhóis com o punk e o rock (a nostalgia é um elemento importante na sua fórmula, diríamos), o espaço para fusões entre algumas linguagens mais urbanas e modernas com o rap enquanto aglutinador também tiveram o seu espaço, saltando à vista aquilo que fizeram os Chill Mafia e os Hnos Munoz, por exemplo. Também deu para descobrir a pop delicodoce das Adiós Amores, uma dupla que, provavelmente, ainda fará as rondas por território nacional.

Ressalvar, também, a outra passagem portuguesa: os poderosos Sereias meteram cabeças a rodar com a sua potente e pesada injecção de jazz-punk que encontra a sua catarse nas palavras (traduzidas de propósito para esta sessão) e na voz de António Pedro Ribeiro. Os pós-modernistasaquáticos deixaram outro “país a arder”, garantimos.

No domingo, depois de tudo estar finalizado, saímos de lá com a sensação de que se partiu alguma pedra sobre aquilo que nos levou até Sevilha, mas que ainda existirá muito por fazer. Do nosso lado, fica a promessa de sermos mais curiosos sobre aquilo que nuestros hermanos andam a fazer e de tentarmos fugir ao óbvio. E, nesse sentido, o Alhambra Monkey Week foi o sítio indicado para começar a assumir essa missão.

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