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Ilustração: Riça
Publicado a: 26/01/2021

De BK a Iza Sabino.

10 discos obrigatórios no rap brasileiro de 2020

Ilustração: Riça
Publicado a: 26/01/2021

2020 prometia ser o ano do feminino e, tentando esquecer, para já, que vivemos uma pandemia sem precedentes, a profecia acabou por se cumprir. Bivolt, nabru e Iza Sabino destacam-se com trabalhos que entram directamente para a lista de escuta obrigatória, num ano em que outras players acabam por firmar as suas posições, como é o caso das irmãs Tasha & Tracie, Paige ou 1LUM3 nas participações. 

Não esquecendo a importância de Djonga para, nos últimos anos, colocar os holofotes do rap brasileiro na cidade de Belo Horizonte, 2020 é a prova de que o trabalho árduo deu frutos. São mineiras mais de metade das produções em destaque, com Matéria Prima, FBC (e Iza Sabino), Hot e Oreia e a própria nabru a contribuírem para a descentralização do género no país. Noutras latitudes, os cariocas BK e Marcelo D2 apresentam-se consistentemente no topo, enquanto Febem, Fleezus e CERSV apontam novos caminhos e niLL se destaca como um produtor must-go, com mãozinhas em vários dos projectos escolhidos.

Num ano em que, certamente, a tarefa de compor, produzir e lançar um álbum se revelou bastante mais difícil do que o habitual, o Brasil agarrou-se firme às suas canetas para, com mais ou menos esforço, não deixar de se fazer ouvir. 



[BK] O Líder em Movimento

Inquestionável na linha da frente, BK marca 2020 com O Líder em Movimento. O carioca tem vindo a afirmar a sua posição de liderança no rap feito em português desde que, em 2016, se estreou com Castelos e Ruínas e, quatro anos, dois álbuns e dois EP depois, mantém o crescimento. 

A vivência negra brasileira nas suas várias dimensões pessoais — a de homem, artista e empreendedor — e colectivas continuam no centro de uma narrativa em que, pela primeira vez, Abebe Bikila se apresenta sem participações. Maduro, coeso e, claramente, um nível acima na estante das produções brasileiras contemporâneas, O Líder em Movimento é mais uma peça-chave na carreira em crescendo do rapper do Rio. 



[Bivolt] Bivolt

Lançado em Março do ano passado, o primeiro álbum de São Paulo em destaque na cena do hip hop foi a estreia da rapper Bivolt: em 14 faixas com produção a cargo de Nave (Emicida, Marcelo D2), o trabalho homónimo é um claro exemplo de como as mulheres começam a desbravar caminho e conquistar os merecidos lugares no rap canarinho. Dona de uma voz e flows inconfundíveis, Bivolt explora vários registos, do boom bap ao trap, ragga/dancehall, neo-soul e r&b. Destaque para as participações das promissoras Tasha & Tracie, Jé Santiago, ou Xênia França.



[Matéria Prima] Visão

Visão, o mais recente trabalho do mineiro Matéria Prima (Rascunhos de um Momento Conturbado, Bem Boom Bap), foi mais uma das surpresas deste 2020. Com o foco no “agora” e na experimentação, o veterano de Belo Horizonte chamou O Adotado, o alter-ego do rapper niLL nas batidas, para se encarregar da produção do seu terceiro trabalho. No final, um projecto de 18 faixas em que o trap e as produções etéreas d’O Adotado se abrilhantam nas participações de Joca, nabru, 1LUM3, Delatorvi, Jamés Ventura, Mano Will ou Ellen Correia. Os “conflitos sociais e étnicos”, as paixões, a relação com a cidade e com a correria do dia-a-dia nas redes e fora delas tomam contam da narrativa. Pega a Visão!



[Febem, Fleezus, CERSV] BRIME!

BRIME! marca o culminar da influência do grime na cena brasileira. As seis faixas representam um passo mais profundo na criação de uma identidade nacional a partir do ritmo europeu. A combinação invulgar funcionou como uma equipa de futebol bem interligada, pronta para conquistar adeptos. BRIME! é, no entanto, um disco brasileiro com referências nacionais: no futebol, nas festas, nas amostras de funk, a cultura de rua, o “ litrão de 6 reais no Brás” citado por Fleezus em “RADDIM” ou os “jets” na quebrada. CERSV, Febem e Fleezus fizeram o que muitos anseiam e falham, produzir um novo ritmo saído da mistura orgânica e original entre a sujidade britânica e os ritmos do funk brasileiro.



[nabru] Heartbeat

Em Julho do ano passado falávamos de Heartbeat, o EP da brasileira nabru que chegou como um bálsamo lo-fi para os ouvidos dos viciados no hype. Bruna Helena, a MC mineira, passou por 2020 com dois trabalhos (um a solo e outro com Gvtx) e várias participações, com a calmaria e a ansiedade, o amor e as ligações perdidas na bagagem. Representante desta nova vaga de talentosas canetas, nabru navega pelas emoções ao lado da fina flor do underground brasileiro. Produtores como crj beatz, EricBeatz, Devaneio beatz, Dro ou Gvtx contribuíram para tornar Heartbeat uma parte importante para se compreender 2020 e apontar caminhos para o que se canta em português do Brasil. 



[Iza Sabino, FBC, SMU] BEST DUO

BEST DUO foi, sem dúvida, um dos lançamentos marcantes de 2020 para toda uma geração trap em sofrimento com as saudades do club que há muito se fazem sentir. Lançado em Abril, o álbum de Iza Sabino e FBC ao lado do beatmaker SMU revela a MC como um dos maiores nomes em ascensão na cena brasileira. As variações no flow, os ad-libs entre o hype e a rebeldia, embora sombrios, ou a criação de personagens dentro de cada faixa contribuem para firmar o génio criativo da rapper de Belo Horizonte ao mesmo tempo que o estatuto de mulher negra e lésbica confere ao trabalho os versos mais contundentes.

Iza e FBC mostram-se bem entrosados numa troca que é geracional e, ao mesmo tempo, uma troca real. As participações de Djonga, X Sem Peita e Paige (Fenda) formam um squad perfeito neste jogo de afectação do corpo com rimas e batidas.



[Marcelo D2] Assim tocam os MEUS TAMBORES

Depois de um incrível AMAR É PARA OS FORTES, em 2018, Marcelo D2 regressa aos álbuns com Assim tocam os MEUS TAMBORES. Nativo digital, o álbum foi inteiramente construído online, com os fãs a terem acesso exclusivo a sessões de estúdio, reuniões e gravações, em directo através do Twitch. Do veterano carioca já não se espera menos que o topo e a função de apontar a produção brasileira aos holofotes globais. Para isso, contou com BK, Don L, Sain, Djonga, Juçara Marçal, Criolo ou Rodrigo Ogi num álbum em que Nave, Kamau e DJ Nuts, entre outros, incluindo o próprio D2, assumem a produção. Os últimos anos têm sido definitivos para a tarefa de provar, caso fosse necessário, que a carreira do carioca envelhece como os melhores vinhos.



[Hot e Oreia] Crianças Selvagens

“Eu sei, nós é estranho, mesmo”. Depois de Rap de Massagem, a dupla mineira que nos habituou à sua forma irónico-satírica, bem humorada e irreverente de rimar chegou com Crianças Selvagens. Ao segundo álbum de estúdio, Hot e Oreia chamaram Deryck Cabrera, Tropkillaz, Deekapz ou Black Alien — destaque para a sensual “Papaia” — para um trabalho de 10 faixas em que as alfinetadas se dirigem ao governo, ao cenário do rap nacional ou, a espaços, se canta o amor e o sexo. No final de 2020, no entanto, a dupla nascida da DV Tribo comunicou que iria dar por terminada a sua carreira, depois do rapper Hot ter sido alvo de acusações de abuso pela sua ex-companheira. 



[Iza Sabino] Glória

Terminando um ano proveitoso para Iza Sabino, em Novembro de 2020 a mineira lançou o álbum Glória. A obra é o resultado de uma carreira que começou em 2014 e foi construída a partir das experiências da artista como mulher LGBTQIA+. Todas as batidas são assinadas por Coyote Beatz que entrega um corpo de trabalho bastante sólido, entre o trap e o boombap. Iza mostra poder e dinamismo ao longo das faixas — destaque para “Pretas Na Rua” e “Pensei” — mudando os flows e os tons de voz naturalmente no encaixe dos refrões, quase sempre como se de outra personagem se tratasse. Performances dinâmicas e interessantes ao longo do álbum, ao mesmo tempo que aborda questões pertinentes à experiência da negritude. Nas participações, novamente Tasha & Tracie e Bivolt: poder e independência para os nossos, mulheres fortes, talentosas e, sempre, independentes.



[Akira Presidente] Êxito

Akira Presidente, fundador do colectivo Pirâmide Perdida, lançou em 2017 o álbum FA7HER, considerado na altura um dos melhores do ano. Em 2019, editou Nandi e voltou a integrar várias listas de melhores do ano. Em 2020, não foi diferente: o MC chegou com Êxito para fechar as produções do ano que passou com chave de ouro. Com participações de Djonga, Febem, Sain, Ainá, Nill, Luccas Carlos, Major RD e MC Flavinho, as batidas ficaram a cargo de El Lif Beatz, Dj Decco, Go Dassisti, J Cardim e Mse do Bloco 7. Alternando, tipicamente, entre a festa e a introspecção, Êxito é mais um trabalho que coloca o foco na consistência e na solidez do rapper carioca, mesmo sem visíveis tentativas de arriscar, em que a correria e as conquistas de Akira ganham destaque em pouco mais de 20 minutos.

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