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Publicado a: 07/02/2017

Xadrez: “O pessoal do footwork tem electricidade nas veias”

Publicado a: 07/02/2017

[ENTREVISTA] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados 

Xadrez é o novo nome a inscrever-se na já considerável tradição de ruptura da Golden Mist, etiqueta apostada em revelar o futuro que existe nos dias de hoje. De identidade resguardada, do norte, com um passado hip hop e a viver em Bruxelas, Xadrez estabelece com a sua música uma improvável ponte entre Ermesinde e o south side de Chicago, pegando nas lições da Teklife e nas ideias de gente como DJ Rashad ou JLIN para traduzir a sua própria noção de pista numa música rica em contratempos e em felizes acidentes que soa como se acabasse de chegar de 2027.

 


Este trabalho marca a tua estreia – podes apontar-nos os principais marcos do teu percurso até aqui chegares?

De certa forma é a estreia do pseudónimo Xadrez. Porque ao contrário do que se possa pensar ao ouvir este álbum, não comecei a fazer música anteontem. Creio que fiz as primeiras colagens sonoras há 18 anos e, desde então, nunca mais parei. Entretanto, fui produzindo instrumentais para MCs portugueses e participando em mixtapes com alguns dos produtores mais afiados da Invicta. Tenho também um EP lançado há 3 anos numa label que estimo muito. Tudo sob nomes diferentes de maneira a confundir a NSA.

Há um claro alinhamento do teu som com a corrente footwork de Chicago. Como é que descobriste esse som e quais são as tuas principais referências?

Deve ter sido algures por volta de inícios de 2012. Lembro-me de ouvir um mix de footwork num programa de rádio americano e de ter pensado que deveria haver um problema técnico qualquer. Foi muito estranho porque na altura nunca tinha ouvido nada assim. Era como se fosse música de outro planeta. Houve um momento em que não sabia se gostava ou detestava. De qualquer modo, era um som tão ousado que tinha ao menos isso a seu favor. Não tardei a travar conhecimento com as compilações Bangs & Works da Planet Mu que foram cruciais na divulgação do género fora de Chicago. A nível de referências, o selo Teklife continua a ser o mais importante na cena. Individualmente: DJ Rashad, RP Boo, DJ Clent, DJ Taye, DJ Earl, JLIN entre outros.

A ideia de um “afro futurismo” tem atravessado a música dos afro-americanos desde Sun Ra até aos Underground Resistance e daí até ao presente de artistas como Ras G ou Jamal Moss. Tu contrapões agora a noção de “suburbiofuturismo”: em ambos os casos a ideia de que o avanço vem das margens, das franjas. Essa condição suburbana inspira-te? De onde vens?

Ermesinde. Nascido e criado. Hoje em dia vivo em Bruxelas, de maneira que quase se chamou “emigrofuturismo”.
Para dizer a verdade, a formulação de “suburbiofuturismo” veio de dois conspiradores que participaram de maneira crucial neste EP: o Kasprzykowski (Survival Kids/Challenger) e o Salgado (Lake Haze).

Certos produtores que se inscrevem na corrente footwork, estão, a meu ver, na origem da música de dança mais vanguardista que se faz actualmente. Os contratempos são tão extremos que quase temos a impressão que são acidentes – e uma boa parte deles até são, mas dos felizes. Os samples vocais cortados e repetidos até ao infinito. É psicadélico. É minimal e ao mesmo tempo barroco. Quem diria que uma cena tão experimental surgiria no South Side de Chicago?

Podes falar-nos um pouco sobre as tuas ferramentas de produção?

A dificuldade é limitar-me a “um pouco”. Normalmente têm de me pedir para me calar. Os instrumentos clássicos e o solfejo que estudei enquanto era miúdo são uma ferramenta de valor inestimável. Isso foi muito antes de me interessar pela música electrónica e pelo hip hop, mas a verdade é que foram experiências que ainda hoje me servem.

Depois chegou às minhas mãos uma cópia do FastTracker, numa disquete, que corria em MS-DOS, a operar com valores hexadecimais… um espectáculo. Só saí dos trackers em 2012. Depois foram os DAWs que toda a gente conhece. Foi só recentemente que me comecei a preocupar com o “encontrar o meu próprio som” através do método e/ou do material utilizado.

Hoje em dia uso um sequenciador midi que controla 2 sintetizadores e um sampler, sem esquecer uma série de pedaleiras que são mais próprias a guitarristas de rock que a produtores de footwork.
É uma questão muito polarizante e de qualquer forma deve-se fazer música como cada um bem o achar – seja com o Fruity Loops (JLIN), um Octatrack ou com uma garrafa de água vazia (DJ Castro). Pessoalmente estou muito contente por voltar a não ter de olhar para um ecrã ou usar um rato enquanto faço música.

Como é que acontece a tua associação à Golden Mist?

Acontece como tudo o resto neste país: através de corrupção e tráfico de influências. O Kasprzykowski enviou-lhes as minhas pistas e, para grande espanto meu, eles decidiram lançá-las. O que mais uma vez mostra que pessoal da Europa de Leste em fato de treino consegue ser muito persuasivo. Conhecia a Golden Mist desde há já bastante tempo – desde que lançaram um álbum de Ana3. A discografia da label é impecável. Fico muito contente que as minhas pistas façam parte de um catálogo destes.

 


xadrez-capa


É uma escultura de Anish Kapoor disposta num espaço público de Chicago que inspira a capa de Suburbiofuturismo. A homenagem à capital do footwork é directa. Já conheces a cidade? Pretendes conhecer? Esperas que a tua música lá chegue?

Ainda não fui lá, mas gostaria muito. Enquanto isso não acontece, tive a oportunidade de partilhar o palco com o DJ Earl, DJ Taye, DJ Paypal e Feloneezy de Teklife em Antuérpia e vi JLIN aqui em Bruxelas há uns meses – foi espectacular! Esse pessoal tem electricidade nas veias. É contagiante. Seria uma honra que as minhas pistas lá fossem tocadas, mas, se isso não acontecer, não faz mal. Ter airplay em Ermesinde é que é o meu objectivo primário.

O teu nome artístico também traduz uma certa atitude cerebral o que para alguém que propõe uma visão de um som tão visceral e físico como o footwork até poderia ser uma contradição. Mas não é bem assim, certo?

Não e aproveito para refutar os rumores segundo os quais a explicação envolveria o Boavista Futebol Clube. O xadrez é o confronto – a batalha – e isso é um aspecto essencial do footwork: as batalhas de dança e de DJs, tal como o hip hop – e mesmo no jazz (a confrontação e coexistência dos diferentes instrumentos no seio de uma mesma formação). É uma competição positiva, ou construtiva, digamos.

Há mais música na tua “gaveta”? Quais serão os teus próximos passos?

Centenas pistas na gaveta e quase todos os dias há mais. Colaborar com outros músicos está na agenda. Continuar a trabalhar no processo e a explorar o som. Gostava de ir mais vezes a Portugal passar discos. Se alguém interessado estiver a ler isto: também toco em casamentos.

 


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