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Publicado a: 12/04/2018

Westway LAB Festival 2018 – dia 1: Trabalho, convívio e uma pitada de loucura

Publicado a: 12/04/2018

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTO] Ivo Rainha

Os minutos que antecedem o início dos showcases das residências artísticas, altura em que uma série de músicos mostram ao público o resultado de vários dias de clausura no Centro de Criação de Candoso, são de puro convívio e partilha. No restaurante do Centro Cultural Vila Flor, um dos locais escolhidos para albergar as refeições de músicos, convidados e até elementos da própria organização, as histórias seguem-se de gargalhadas e dão origem a outras histórias seguidas de outras gargalhadas. A boa disposição reina entre artistas, e nem um jogo dos quartos de final da Liga dos Campeões parece tirar a atenção daquilo que é essencial: viver e conviver.

Estes continuam a ser, aliás, pontos fulcrais do Westway LAB Festival. Ao invés de se erguerem barreiras entre músicos, delegados, jornalistas, promotores (continuar por aí fora…), a ideia é tentar ao máximo que tais elementos se aproximem, sem divisas, palanques ou até títulos dignos de nobreza. O Westway LAB é, muito provavelmente, um dos poucos eventos em Portugal onde um músico acabadinho de sair da sua humilde garagem pode falar com o representante de um festival internacional ou até de uma editora de renome de igual para igual, cara a cara, sem precisar de preencher uma lista de pré-requisitos e sem ter necessariamente que se fazer acompanhar da escova para os sapatos. É de valorizar.

 



A noite inicia-se com um showcase do português O Gajo e dos austríacos Cari Cari. Sozinho, sentado numa cadeira quase no centro de palco, João Morais dá inicio à apresentação com uma melodia de viola campaniça assente numa cama de ambiências ligadas à natureza, quase como se nos tivesse a convidar para um passeio através do seu imaginário que, não sendo totalmente tradicional, está incontornavelmente enraizado no nosso país e na nossa cultura. No seguimento de uma longa introdução e depois de, em jeito de brincadeira, ter feito entender ao microfone que a dupla austríaca não iria marcar presença, eis que Alexander Köck e Stephanie Widmer surgem no fundo do palco para acompanharem O Gajo na guitarra e bateria, respectivamente. O resultado é rico e homogéneo, quase como se os The Kills ou até os The White Stripes (mais na forma do que no conteúdo) tivessem vindo passar umas férias ao Alentejo ou a qualquer outra zona de Portugal onde esta magnífica viola é utilizada.

Mas O Gajo não se limita apenas em dedilhar a campaniça (daí termos dito que a sua abordagem não é totalmente tradicional), procura também tirar dela outras sonoridades que não as características, ligando-a a um amplificador, como se de uma guitarra eléctrica se tratasse, e arranhando-a com um arco, qual violoncelista. O resultado situa-se algures entre a melancolia própria de uma canção de Jonsí, dos Sigur Rós, e uma banda sonora de Rodrigo Leão. Enquanto isso, os Cari Cari garantem o sustento rítmico e harmónico. Saliente-se ainda uma versão bem conseguida do tema “Das Model”, dos alemães Kraftwerk. Que belo concerto, este.

Não se pode dizer que o showcase de ANA e das Perkins Sisters tenha começado da melhor forma. Um problema a nível técnico, aparentemente relacionado com o looper de Gabriel Salgado, o homem que dá corpo a ANA (desenganem-se aqueles que pensaram tratar-se de uma mulher), levou a que os músicos tivessem que interromper a sua apresentação algures no início do segundo tema. Contudo, e ainda que os falsos arranques possam comprometer toda uma maratona, a junção entre ambas as partes parece já não ter vindo coesa desde o início, como se na planície da folk proposta existisse uma fenda a separar as vozes das duas irmãs e os loops de guitarras e teclado de Salgado.

A excepção a esta regra aconteceu sensivelmente a meio da actuação, quando Bryony e Miranda Perkins se fizeram acompanhar de um bombo e um ukulele como sustento para as suas vozes e, claro, como complemento à componente instrumental de ANA. Só aqui os esforços combinaram entre si.

Coube aos Dope Calypso o remate da noite. A banda de Budapeste colocou os amplificadores no máximo, encheu-se de energia e alguma irreverência para entregar ao público do Café Concerto um concerto recheado de boa disposição e abundância no campo dos decibéis. Minutos antes do começo das hostilidades, em conversa informal com a pessoa que assina estas linhas, Laszlo Kelemen, um dos guitarristas da banda, revelava – com pouca seriedade – que a probabilidade de poder vir a fazer uma incursão em tronco nu no seio do público era elevada. O que ele se esqueceu de dizer era que estava mesmo a falar a sério e que essa invasão de peito ao léu era só uma página do seu manual de loucuras para a noite. Kelemen saltou, deitou-se no chão, bailou de guitarra em braços, foi ao palco subir o volume do amplificador, trouxe a pedaleira de efeitos para a plateia e sabe-se lá mais o quê. Em suma, fez a festa, atirou os foguetes e apanhou as canas.

Com um repertório que consegue ir beliscar a obra de importantes bandas do passado e presente do rock, seja ele de garagem ou com inclinação para o punk (é natural que aqui e ali surjam coordenadas dos tempos primordiais dos Arctic Monkeys e, muito possivelmente, dos velhinhos Pixies e Buzzcocks), os Dope Calypso deixam no Westway LAB 2018 uma boa lembrança e a esperança de um reencontro breve em solo nacional.

 


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