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Publicado a: 14/06/2015

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Alessio Natalizia e Sam Willis assinam em Urals aquele que deverá ser o seu último trabalho, o que é, em si, essa noção de finitude, uma proposta interessante. Como se tudo, até a música, pudesse e devesse ter um princípio, um meio e um fim. Num meio tão pontuado por reticências, ter a coragem de anunciar pontos finais só nos deixa excitados com as promessas de novos parágrafos. Ou capítulos.

Sam Willis tem alguma carreira a solo intermitente (integrou os cósmicos Allez Allez no ínicio desta década), mas tem sido Alessio Natalizia, sobretudo com a sua máscara Not Waving, que mais trabalho tem realizado. E, de certa maneira, talvez a razão para o fim do duo se descubra no tão simples facto deste álbum soar muito próximo do que Natalizia tem feito enquanto Not Waving: um techno informado por um óbvio fascínio pelo passado que resultou, inclusivamente, numa aproximação de Natalizia a Pye Corner Audio, o muito activo projecto de Martin Jenkins com quem assinou o belíssimo split Intercepts há cerca de um ano. Como Natalizia, também Jenkins procura no passado as coordenadas que informam as suas aventuras de antecipação de um futuro assombrado pela tecnologia.

Por Urals navegam os mesmos pulsares analógicos reminiscentes de uma certa era dourada da electrónica erguida algures entre Sheffield, Roma e Düsseldorf nas décadas de 1970 e 80. Há, claramente, uma ambição não necessariamente cinemática, mas claramente narrativa na música que Natalizia tem criado, quase sempre ancorada em ideias fortes, em histórias que se não são contadas claramente, como aconteceu em Intercepts, são pelo menos intuídas. Por aqui isso traduz-se num techno descarnado, carregado de ecos, como se fosse possível escutar os fantasmas da rave nalgum hangar há muito abandonado, mas cujas paredes guardassem as marcas das frequências emitidas em tempos por algum sistema de som massivo ao serviço de uma festa ilegal. É o que se sente em “I Can’t Give You Anything But Love”, tema a meio caminho entre a EBM belga e o techno de Detroit, mas com um subtexto quase industrial por baixo do músculo rítmico que a guia. O que cria uma intrigante sensação de deslocação, de desconforto, como se houvesse ali algo que não encaixa nas normas. Coisa boa portanto.

Em Urals, os temas, mais vincadamente rítmicos, funcionam como molduras para as derivas menos funcionais, quando os sintetizadores são encarados como portais para outra época e de repente o mundo descrito por Francis Ford Coppola em The Conversation parece ter uma banda sonora alternativa. Sente-se isso com “Radiance”, por exemplo, com algo do Eno pós-experiências com Cluster nos Harmonia: um toque de drone épico a amparar um mergulho num abismo escuro, num buraco negro no espaço, ou num sono profundo. É o tema escolhido para encerrar o álbum. Por isso o adeus deve mesmo ser real.

 

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