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Publicado a: 17/08/2017

Vodafone Paredes de Coura – Dia 1: Chá em Beak> e cerveja com Kate Tempest

Publicado a: 17/08/2017

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTOS] Hugo Lima

Entrar no recinto do Vodafone Paredes de Coura é chegar a um pequeno paraíso, mesmo tendo em conta que a neblina que encontrámos resulte como uma espécie de manto de invisibilidade para tamanha beleza. A chegada no dia anterior ao pontapé-de-saída oficial permitiu que explorássemos as particularidades do espaço e, no final do dia, entrássemos com o pé-direito, sendo levados ao colo pelos magníficos Corona, quinteto em palco – dB, Logos, Fred, Homem do Robe e Kron Silva –  que transformaram a vila num autêntico arraial hip hop – e numa festa de anos improvisada para a metade que rima no duo original.

Num festival que costuma dar espaço preferencial ao alternativo – convenhamos que se torna cada vez mais difícil definir da melhor maneira o que é isso do “alternativo” – , Beak> foi o primeiro nome a surgir no nosso radar, seguindo a deixa dos Mão Morta, banda liderada pelo irascível Adolfo Luxúria Canibal, vocalista que guiou o público numa primeira congratulação pelos 25 anos do festival em Paredes de Coura e, para juntar outro argumento à festa, tantos quanto já conta Mutantes S.21, o quarto disco da banda de Braga.

Beak> não vos diz nada? Natural. No entanto, existe um membro da banda que é capaz de vos fazer parar para pensar durante um instante. Geoff Barrow? Ok, os sinos tocaram. Os Portishead não morreram, mas é no trio que o artista nascido em Somerset encontra o seu pouso actual.

O esquema é simples: Billy Fuller, baixista, sentado à frente com Will Young, teclista e guitarrista, e Barrow, baterista, ligeiramente atrás. Numa salada saborosa com krautrock, teclados à Ray Manzarek, pontualmente, e linhas de baixo firmes, os Beak> encontraram uma audiência que os impressionou – “um dos maiores públicos para o qual tocámos”. “Competência” é palavra que existe repetida no seu dicionário, disso não temos dúvidas.

Regados de humor – soltaram introduções de temas de Pink Floyd e Dire Straits só para causar uma reacção – e acidez – Trump não escapou às farpas – , o triunvirato levou temas para lá do comum na canção pop e acrescentou progressivo ao(s) género(s) que “praticam”. O público parecia não saber quem eram, mas também não baixou os braços e saudou o grupo em múltiplas ocasiões. As histórias de amor no Vodafone Paredes de Coura também acontecem nas interacções entre palco e audiência.

 


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De seguida, rap britânico num sítio completamente deslocado do seu habitat natural. E, se pensarmos bem, a dificuldade de ter que actuar depois dos Future Islands – mexidos, nostálgicos e rock’n’roll – com uma postura artística que carrega na “palavra” como base poderia muito bem ser sinónimo de falhanço. Todos podemos ter pensado nisso, mas a partir do momento em que a primeira palavra rimada sai da boca de Kate Tempest…

… Boom! Foi, sem dúvida, a performance mais pujante que vimos de um acto rap em 2017. Uma vida por música, uma força da natureza em cada segundo. Respiração sem falhas, entrega imaculada e uma raiva de quem vê o nojo e o podre de cada recanto, mesmo que tente encontrar sempre um feixe de luz que alimente a esperança na mudança.

Com Let Them Eat Chaos (excelente disco que mereceu atenção do Rimas e Batidas no início desta semana) no centro da mesa, o público foi um reflexo do que se estava a passar em palco, tentando – sim, tentar é a palavra certa – recompensar o esforço com o máximo barulho possível. A imponente “Europe is Lost”, a “apopalhada” “Grubby” ou a futurista “Tunnel Vision” foram pontos altos, mas os momentos silenciosos – sem a banda que a acompanhava a tocar ou, em vez disso, com o trio a dar uma cama sem cobertores a Tempest – trouxeram a sua técnica elevadíssima ao de cima. Um caso de paixão imediata com Paredes de Coura.

Quando falamos em rap ou grime feito no Reino Unido, artistas como Skepta ou Stormzy são os primeiros a surgirem na conversa, mas, se tivéssemos que apostar todas as nossas fichas em alguém neste momento, a rapper britânica levaria a melhor. E não era por descrédito dos outros, atenção.

Se amanhã virem nas notícias que uma enorme tempestade passou pelo recinto do festival, digam-lhe que estamos bem. Ou achamos que estamos bem. No meio do caos, a voz e a escrita de Kate Tempest salvou-nos a todos.

 


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