pub

Publicado a: 22/02/2018

Vinícius Terra (Terra do Rap): “É rap lusófono, não é brincadeira!”

Publicado a: 22/02/2018

[TEXTO] Alexandra Oliveira Matos [ENTREVISTA] Núria R. Pinto [FOTO] Direitos Reservados

Hoje, dia 22 de Fevereiro, o festival Terra do Rap invade o Musicbox em Lisboa. Keso, NBC e Maze são os artistas em destaque numa festa que se faz de rimas lusófonas. Porém, há mais no cartaz.

Denise, assim como Keso e Maze, repete a presença no certame em que participou em 2016 no Brasil. O colectivo NOSS-ONE, representado por Mura, Visco, Syncope, Xhafan e Tayob J,  ficará atrás dos pratos durante todo o alinhamento. O projecto Hellas também marca presença com Lady N, Shiva, Kika G e Chikita a mostrarem as garras femininas nesta noite no Cais do Sodré. Xandy MC, “um menino do Complexo de Manguinhos, que venceu a Batalha Terra do Rap” também sobe a palco e Vinícius Terra, organizador do evento, assegura mesmo que “esta edição pocket foi motivada devido à premiação” do jovem rapper”.

“O Festival tem este objectivo: fomentar mercado para os artistas no Brasil, promover encontros, dar luz também a brasileiros invisíveis”, sublinha Vinícius. O artista brasileiro quer mostrar “coisas novas” do disco que também vem finalizar a Portugal, mas sobretudo fomentar o diálogo no rap em língua portuguesa e “abrir espaço para as novas gerações”. “Fazemos rap! Isto é hip hop! Não há spa ou toalhas brancas naquilo que realizamos”, adverte.

 



Como nasceu esta ideia de criar e avançar com o Terra do Rap?

A ideia existe desde 2002, quando comecei a desenvolver uma pesquisa académica sobre a análise dos discursos e da poética dentro do cancioneiro em língua portuguesa, desde o trovadorismo português do século XII ao rap lusófono do século XXI e as suas produções em África e Brasil. Em 2008 iniciei o que seria minha especialização no Mestrado e Doutoramento, na faculdade de Letras da Universidade do Porto. Nunca terminei, pois rompi com a academia assim como com a minha vida de professor em escolas regulares. Via que ali não fazia tanta diferença, pois achei que só teria como resultado final a publicação. Acabei por transformar a minha tese em um evento. Quando retornei ao Rio de Janeiro sentia-me vazio, pois eu consumi tanto rap produzido de Portugal, Angola, Moçambique… E conheci tantos rappers no período que vivi em Portugal. Percebi também que havia um trânsito de nacionalidades lusófonas muito mais intrínseco que no Brasil. O rap é o único género musical presente em todos os países da CPLP e que, sobretudo, permite a pulverização de uma produção gigante (estou a falar de jovens em guetos em todo o lado). Então o festival nasceu desta tese inacabada e da vontade de transformar o Rio de Janeiro numa capital-anfitriã para debater novos rumos da lusofonia sob a óptica do rap produzido em nosso idioma. 2010 até 2013 foram anos árduos. Eu e a minha sócia na REPPRODUTORA, a Cleide Fonte, batemos à porta de patrocinadores até convencermos que o Brasil deve e pode se tornar a Terra não somente do samba, bossa nova, funk, mas do rap também. E em língua portuguesa! Foi mesmo uma questão de persistência e de argumentação.

Que principais aprendizagens tens retirado deste percurso?

Ainda é só o começo. O que fomentamos no Brasil é só mesmo “a ponta de um icebergue”, o “silêncio que precede o barulho que isto ainda vai gerar”. Que é uma missão manter isto acontecendo e que sirva de espelho para outras iniciativas, como já tem sido. A cada edição é uma nova luta. É um novo projecto, um novo tema, uma nova motivação. O maior de todos os aprendizados foi perceber a responsabilidade que tenho para encontrar os poetas desta língua das ruas e que lusofonia é muito mais do que reunir rappers para criar um tema ou colocar todos no palco para mandar rimas.

Vês a possibilidade de incluir outros berços da lusofonia em futuras edições? É quase impossível não pensar em NBC, por exemplo, como um representante de outras influências embora tenha vivido praticamente a sua vida toda em Portugal.

Já levámos ao Brasil rappers que vivem em Angola, Cabo Verde. Muitos mais já foram convidados, mas não conseguimos por uma questão de agenda e burocracias. Porém, sempre tentamos incluir uma África Lusófona que vive em Portugal, como o próprio NBC, o Allen Halloween ou o Nel’Assassin.

Como é que chegaste a este cartaz para uma primeira versão pocket em Portugal? São critérios de gosto ou também reflectem esse amor pela cidade do Porto?

Os 4 convidados já participaram do Festival no Brasil. Para além disso, esses tinham mais a ver com o contexto desta edição portátil e são artistas que têm comigo muito mais que business. Virámos amigos e falamos sempre! Daí também é uma questão de afinidade, pré-disposição e vontade de continuar a deixar esta conexão acontecer.

O que projectas para os próximos anos? O Terra do Rap irá continuar a ser um festival essencialmente de base brasileira ou tens um projecto de itinerância?

Segredo… [risos] A base é no Brasil, até os políticos permitirem acontecer, pois batem à porta dos brasileiros tempos cada vez mais sombrios no que toca à liberdade de expressão. Isto me deixa bastante triste pois vejo um conservadorismo mundial crescer de maneira tão medonha que eu realmente não sei o que será do Brasil com as eleições que acontecerão em Outubro. Resta-me resistir e persistir. Mas esta edição pocket foi motivada devido à premiação do Xandy Mc, um menino do Complexo de Manguinhos, que venceu a Batalha Terra do Rap. A noite de quinta é para ele. Só nasceu por causa dele. Ele precisa disto para servir de reflexo de como o hip hop transforma vidas, independentemente dessas cenas de views, likes e letras que estão a ser produzidas sem nenhum compromisso com o impacto social que isto provoca. Há muitos jovens que estão cada vez mais invisíveis devido a esta confusão que criam com uma sub-cena egocêntrica que, como sabemos, não ficará uma música destas por 20 anos. Elas passam, ou seja, são efémeras, porém, são extremamente nocivas enquanto estão aí. O Xandy é o exemplo de que se pode ser muito mais do que o que hoje está a ser propagado. O Terra do Rap é esta resistência, logo, sou também esta resistência. Não sei se teremos outras edições modestas fora do Rio. Já aconteceu uma em São Paulo e agora esta em Lisboa. É uma questão de perceber também se o público local deseja isto. Se vale a pena construir laços em outras cidades para promover esses reencontros.

Sentes que tens conseguido transmitir e até evangelizar, digamos, o povo brasileiro para partilhar desse gosto pelo hip hop cantado em português de Portugal? Que feedback tens tido?

Sim, sem dúvidas. As colaborações começaram a vir também após o Terra do rap. O Festival tem este objectivo: fomentar mercado para os artistas no Brasil, promover encontros, dar luz também a brasileiros invisíveis. Diariamente recebemos material de rappers a querer participar, público a procurar saber as atracções ou mesmo as datas. Além de muitas sugestões. Fazer a curadoria é cruel muitas vezes pois os artistas precisam perceber que o que acontece lá é mais que um concerto de promoção. Os artistas precisam ir a favelas para falar dos seus próprios trabalhos, dar workshops, conviver numa casa com todas as diferenças. O concerto em si é resultado de uma vivência. A missão é muito maior. Fazemos rap! Isto é hip hop! Não há spa ou toalhas brancas naquilo que realizamos. Já tive muitos desafectos por isso mas eu sempre aviso antes de qualquer um assinar contrato para a participação: estamos juntos para cumprir uma missão. É isso mesmo que você quer?

 O que podemos esperar desta noite? Que novidades nos trazes do Brasil?

Gostaria imenso de partilhar coisas novas do meu disco que, inclusive, estou a finalizar nesta viagem a Portugal. Mas ali eu realmente sou o anfitrião, o mestre de cerimónias a abrir o microfone para outros poetas. Quero que o público sinta a energia daquilo que acontece no Brasil. É rap Lusófono, não é brincadeira! Um dos objectivos do festival é abrir espaço para as novas gerações, por isso, teremos lá o colectivo Noss-One, Hellas Mixtape e o Xandy. Não há muito como transmitir isto nos vídeos. Só quem estiver lá para perceber que a língua portuguesa é a nova Terra do rap.

 


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos