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Publicado a: 15/02/2017

Vaporwave: A Estética do Vazio

Publicado a: 15/02/2017

[TEXTO] Diogo Pereira [FOTO] Direitos Reservados

 

O que se sente ao ouvir vaporwave? A sensação comum é a de um prazer nostálgico, uma ânsia por tempos mais simples em que a tecnologia nos dava prazer antes de nos ter transformado em escravos, imiscuindo-se em cada aspecto das nossas vidas. Mas também há um outro tipo de prazer, uma anestesia, um torpor, o efeito sedativo que alguém sente ao adormecer em frente a uma grelha de programação de madrugada, com aquela música ambiente de fundo. E como esse prazer tem raiz em algo abstracto, vazio, inexplicável, desprovido de significado e emoção, há qualquer coisa de etéreo e alienante nesta música, que nos convida para o seu mundo irreal e narcótico fazendo-nos sentir irremediavelmente perdidos. A intenção é, aliás, que haja aqui qualquer coisa de não humano, de artificial, como se fosse um som criado por máquinas, para pessoas.

As comparações com a pornografia não são injustificadas, dada a natureza repetitiva da música, a importância dada à textura em detrimento da percussão, que faz jus à melhor música ambiente, as vozes suaves e arrastadas, o puro, simples e autêntico prazer. Numa era em que a palavra porn é usada como apodo para caracterizar tendências artísticas (torture porn”, “food porn”, “synth porn”), talvez o vaporwave possa ser descrito como nostalgia porn.

Todas as analogias apontam para os efeitos de uma droga, o que talvez explique este bizarro vídeo de Oneohtrix Point Never (alias de Daniel Lopatin, músico nova-iorquino de renome), feito para servir de acompanhamento visual a uma das suas Eccojams, uma das primeiras obras que deram origem ao género no início da década de 2010.

 



Desde então, a sonoridade rapidamente se disseminou, partindo de fóruns e redes sociais como o Tumblr e o Reddit, até se infiltrar na comunidade de produtores de laptop, uma geração educada no seio do cinismo da arte e da alienação causada pela tecnologia, para depois se cristalizar e tornar um dos mais importantes géneros de música electrónica contemporânea, fenómeno que atesta não só a vitória dos que sempre defenderam a liberdade do sampling e dos plunderphonics bem como os que acusam este início de século de ser artisticamente vazio.

A designação deste género é coerente com a sua natureza intangível: deriva de vaporware, um tipo de software que é anunciado ao público mas que não chega a ser programado, isto é, que nunca chega a existir.

O primeiro género musical nascido inteiramente online e completamente globalizado assume-se como sátira e forma de reciclagem, aproveitando para si os restos da cultura de consumo dos anos 80 e 90, vazia de significado e sentimento, cuja única produção cultural destinava-se a anestesiar ainda mais os consumidores que tentava desesperadamente atrair. É irónico que tenha uma origem e uma existência tão vápidas como a cultura que tenta criticar, mas, afinal, talvez seja esse o objectivo.

Criado por e para um público que usa a tecnologia num sentido quase Cronenbergiano (lembremos sobretudo Existenz, Videodrome ou até mesmo Crash), em que ela deixa de existir como entidade física e separada de quem a usa e adquire uma conotação virtual e imaterial, a própria palavra vapor denuncia essa natureza de uma música que nunca existiu verdadeiramente e que se dissipa facilmente depois de ouvida. Tal como o mundo tecnológico que habita e que usa como meio de propagação, o vaporwave não é real, mas mimético, feito para parecer real.

Seguindo a tradição da melhor música ambiente e electrónica, o objectivo de quem faz esta música, afinal (se é que há objectivo), é o de transportar o ouvinte para um mundo onde ele nunca tenha estado, onírico e surreal, mas simultaneamente familiar e nostálgico, pleno de referências conhecidas, para o manter emocionalmente envolvido. É talvez esta dicotomia que surge do confronto entre o passado e o futuro, entre a memória e o sonho, que provoca tanto prazer. Um prazer vicário, mas não menos intenso. E um prazer universal, transmitido por uma linguagem universal, a música. O prazer de a ouvir é ser imerso num mundo inteiramente artificial de beleza imensa.

Vozes femininas sussurradas. Simples melodias de piano. Ambient drones. Suave percussão sintetizada. Todos flutuam e existem num mundo próprio, sonhado por máquinas, vivido por humanos. Todos são familiares ao ouvido, pelo menos para quem nasceu no mundo globalizado e pós-moderno de capitalismo de consumo da segunda metade do século XX.

Embora o próprio Daniel Lopatin, conhecido como um dos principais progenitores do género, tenha admitido que fez as Eccojams por brincadeira, é impossível ignorar o seu interesse nas suas possibilidades estéticas. Afinal de contas, é ele o autor de obras de electrónica pastoral e melancólica, inteiramente instrumentais, feitas a partir de sintetizadores analógicos de antanho, como o tríptico Rifts (descrito pelo Village Voice como serenidade tingida de desolação), que evocam tanto o minimalismo de Steve Reich como a electrónica sequencial de Tangerine Dream ou dos primórdios de Steve Roach. E foi ele que desde o início, naturalmente, viu o potencial alienígena (e alienante) desta música e dos seus instrumentos:

 


“Analog polysynthesizers naturally lend themselves towards the alien because they strive and fail at mimetic representation.”


Mas também há um lado nostálgico, confortável e inconfundivelmente humano nesta música.

Talvez a sensação seja a de passar a eternidade num centro comercial, enquanto criança muito nova, meio perdida, na secção dos brinquedos, ou em adulto naquela secção recôndita do Toys “R” Us que vende consolas antigas em segunda mão, ouvindo aquela muzak a tocar no sistema de som, sendo incapaz de sair, impedido por forças sobrenaturais que não se conseguem controlar ou compreender, e no entanto querendo ficar lá, embalado pela estranha mas agradável sensação de conforto, nostalgia e prazer entorpecedor. É ficar preso no tempo e não querer sair.

Ou talvez a de entrar num centro comercial, esperar que toda a gente saia, e passar lá a noite, a vaguear sem rumo, com a música a tocar e as luzes ligadas, como alguém que procura refúgio enquanto um zombie apocalypse devasta o mundo lá fora.

 



Brincadeira ou não, o vaporwave tinha de acontecer inevitavelmente, mais tarde ou mais cedo, enquanto forma de arte e género musical, bem como sátira e comentário social. Nós, as gerações que cresceram numa sociedade ocidental de capitalismo de consumo, particularmente nos Estados Unidos, nos anos 80 e 90 (e talvez ainda os 60s e 70s), fomos forçados a engolir uma contínua torrente de anúncios e obras de arte audiovisuais sem mérito artístico, vazias de sentimento, significado, beleza e humanidade, manufacturadas com o único propósito de vender marcas (quer essas marcas fossem produtos de consumo ou gente famosa), sobretudo pela televisão e mais tarde a Internet.

Como a fast food que anunciava, essa cultura levava ao espectador uma sensação de conforto e satisfação imediata, que era agradável e viciante, bem como um vazio e uma alienação que se prestavam à sátira. Combinando estes traços com a obsessão e o fascínio da música electrónica pelo passado, e a tendência para a apropriação de formas musicais antigas pelo sampling, partindo sobretudo dos géneros modernos do hip hop, downtempo, trip-hop e chillout, assim nasceu o vaporwave, que portanto serve o duplo intuito (ou, melhor dizendo, evoca os sentimentos, uma vez que claramente não tem um intuito) de nos fazer regressar a tempos mais simples (para muitos de nós, a infância) em que as nossas minúsculas e irrelevantes dores podiam ser facilmente curadas pela droga Technicolor do prazer imediato e desaparecer mediante o mundo colorido e fantástico dos videojogos e da TV, assim como revelar a verdadeira natureza disso tudo, e de nos confrontar com os nossos próprios vazios emocionais.

Como se nos estivesse a dizer “Isto é o que tínhamos. Era tão frívolo, mas tão bom.”

É impossível não sentir um certo prazer nostálgico quando se ouve esta música, porque nos devolve à infância, a ser um miúdo outra vez, com as suas melodias e os seus ritmos simples, fáceis de degustar para palatos pouco sofisticados e exigentes, mas também um sentimento de remorso e tristeza (ou talvez melancolia) porque nada daquilo tinha significado e a parte mais profunda, sensível e espiritual da nossa humanidade deseja que o tivesse. Olhando para trás, para todas aquelas horas de anúncios, cores saturadas e melodias que ficavam no ouvido, tudo parece não apenas vazio mas surreal, o que assusta porque há apenas duas décadas que nos separam desse mundo.

Alguém disse que o vaporwave tenciona “expor as falsas promessas do capitalismo”. De facto, ele prometeu-nos puro êxtase e felicidade eterna, e deu-nos nada. E agora, crescidos, adultos, sentimo-nos como o homem do anúncio do Demerol, confusos e embriagados.

O vaporwave parece ter nascido desse vazio, de todas essas horas passadas em frente ao televisor, ébrios de cores saturadas, melodias viciantes, sorrisos falsos, dentes branqueados e gasosas geladas. E no entanto, não o condena explicitamente, nem na sua aparente forma de sátira. Ao invés, nutre pelo passado uma certa ternura, que seria comovente não fosse pela ausência de emoção que o caracteriza. Pelos primórdios do digital, pela glitch art, pelo VHS, quando a tecnologia era artificial, etérea e idealizada, longe do realismo do HD.

Adora os saltos da fita de cassete e a estática do analógico como os produtores e DJs de hip hop adoram o scratch do vinil. Adora os separadores do Weather Channel, as grelhas de programação dos canais de televisão pública, os logótipos e os startup sounds do Windows, os gráficos rudimentares dos anos 90, a tipografia asiática. Adora o slow motion, o white noise, o loop e o glitch. Venera e fetichiza tudo o que é obsoleto, abstracto e vazio, e despe-o de significado e emoção, reduzindo-o até ao mais puro surrealismo. E no entanto esta intencional estética lo-fi não é seguida por uma questão de pureza, porque não demonstra uma atitude consciente em relação aos objectos da sua inspiração. Parece adoptar as suas formas sem exagero ou caricatura, mostrando-as como elas são, sem qualquer juízo de valor artístico.

 



O artista Wolfenstein OS X oferece-nos uma boa síntese destas ideias:

 


“It literally was a glorification of stealing other people’s art and marketing it under something else with foreign languages.”


O efeito é inegável: basta ler os comentários do YouTube, que se tornou um enorme repositório de obras e pedaços do género, e inevitavelmente dar de caras com o depoimento de alguém que sente essa nostalgia por um passado de conforto e serenidade, ainda que não o tenha necessariamente vivido.

Nesta era pós-sampling, em que o dique já rebentou, e já não se debate a sua legitimidade, sendo uma realidade tão omnipresente na produção musical, o vaporwave apropria-se do passado com o mesmo vazio emocional que caracteriza a fonte das suas escavações. Não tenta criar algo de novo ou artístico, mas sim representá-lo, como Warhol, Lichtenstein ou Duchamp. Às vezes com ternura, às vezes com nostalgia e saudade, outras vezes com um distante niilismo. Talvez o vaporwave seja o primeiro género de música dada, a resposta do século XXI à pop art. Em lugar do penico de Duchamp, temos um busto grego sob um wallpaper do Windows 98.

Os processos são os mesmos do hip hop e da electrónica (slow motion, pitch shifting, time-stretching, delay, cut ’n’ paste, reverb, uso de drone e white noise), com uma ênfase no slow motion (há uma obsessão em abrandar sons até se tornarem surreais, oníricos e hipnagógicos), mas não há uma tentativa de criar algo novo ou sequer com mérito artístico. Não há recontextualização, porque não há contexto. Essa preocupação não seria coerente com os princípios deste género, demasiado niilista e distante para se entregar a propósitos ou emoções. Afinal, uma das suas primeiras e mais famosas músicas (dir-se-ia o hino do vaporwave) é nada mais que um loop de Diana Ross abrandado a metade da sua velocidade original:

 


https://www.youtube.com/watch?v=cU8HrO7XuiE&feature=youtu.be


As fontes das samples são inequívocas a traçar o perfil do género: pop, soft rock, r&b e funk dos 80s e 90s, mas também o lado kitsch, ambiente e genérico da música instrumental, como smooth jazz, muzak, lounge, new age e qualquer coisa que passaria nas colunas de um supermercado ou no elevador de uma empresa.

 


https://www.youtube.com/watch?v=96TYjnJ8h-s&feature=youtu.be


A partir daqui, as vozes são abrandadas, as notas prolongadas, as batidas atrasadas, até o surrealismo tomar conta e tudo perder significado, e não haver nada mais a não ser uma névoa de prazer narcótico, calmante e convidativo, mas também frio e distante. Tal como os supermercados ficaram parados no tempo e ainda passam os mesmos hits dos anos 80 e 90, também o vaporwave ficou preso ao passado, demasiado confortável para se abandonar. Como seria de esperar de um subgénero de música electrónica fortemente apoiado no sampling, o que o tempo esquece, o vaporwave recupera e celebra. Até porque o tempo, neste universo paralelo, não existe. É obliterado neste deserto estético onde nada importa a não ser uma sensação de absurdo e o prazer que só a nostalgia proporciona.

O sucesso do vaporwave, para aquele que é manifestamente um género de nicho, explica-se porque há qualquer coisa dentro de nós que anseia por conforto, sossego e paz de espírito. Pela anestesia do mundano. Como quem adormece em frente ao Weather Channel ou gosta de ver grelhas de programação.

 



Infinity Frequencies, um dos produtores mais conhecidos do género, define a sua música com a frase:

 


“When computers sleep, they dream”


Esta é outra das facetas desta música: a tentativa de emulação do artificialismo, como se as próprias máquinas fossem capazes de criatividade, imaginação e de compor música, usando, também, as suas memórias, sonhos e experiências. A única emoção, portanto, nem sequer é humana. Talvez esta seja mesmo a arte que uma máquina seria capaz de compor, se fosse dotada de habilidades artísticas.

 



Qual o futuro do vaporwave? Aparentemente vazio, como a cultura de consumo que parodia e representa, a julgar por um género com tão pouco respeito por si próprio, encarado por tantos como uma piada, tão dependente dos objectos que satiriza e apropria.

Quando, daqui a vinte anos, adultos procurando nostalgia regressarem ao início do século XXI, encontrarão uma era culturalmente vazia, feita de sátira, cinismo, sons sintetizados, colagens, falsos objectos e outras formas de expressão fingidas e arrogantes. Uma vez que os movimentos satíricos necessitam de objectos para troçar e o vaporwave obviamente não pode satirizar-se a si próprio, implodirá e deixará de existir, e as pessoas procurarão formas mais sinceras de expressão artística. Talvez a sátira, tal como o cinismo, ficará obsoleta pelos meados do século XXI, e a sinceridade e o sentimento honesto serão a nova moda. Este é o problema com o excesso de ironia, sarcasmo, distanciamento, desconstrutivismo e falta de seriedade nos tempos pós-modernos, sobretudo a partir do final do século XX. Leva-nos a um vazio emocional. Como disse David Foster Wallace,

 


“The problem is, I think postmodernism has, to a large extent, run its course. This is because irony, as entertaining as it is, serves an exclusively negative function. It’s critical and destructive, a ground-clearing. But irony’s singularly unuseful when it comes to constructing anything to replace the hypocrisies it debunks. Hip cynical transcendence of sentiment is really some kind of fear of being really human. Since to be really human is probably to be unavoidably sentimental and naive and goo-prone and generally pathetic.”


Mas talvez haja esperança.

A recém-nascida editora Dream Catalogue, sediada em Londres (ou em Neptuno, quem sabe?), fundada em 2014 (ou, segundo a própria, em 2814), que se descreve como “Record label, installing dreams into your brain”, assume o objectivo de lançar música não sob o signo da ironia e do capitalismo, que tanto caracterizou as primeiras obras do género, mas sob o estandarte de sonhos melancólicos de fuga para um mundo distante, livre de isolamento e solidão, propagando o género para a frente, numa direcção nova e positiva.

Dois dos seus álbuns mais importantes, HK e 新しい日の誕生, lançados em 2015 pelo fundador da editora, Hong Kong Express, assumem como seu ethos nada mais que a beleza, a melancolia, a utopia e o escape e como principal e inegável influência estética o mundo urbano e decadente de Blade Runner, encharcado de néon e chuva torrencial, com os sintetizadores da sua banda sonora a servir de paleta sónica.

 


“The sea of neon rippling waves under a heavy rain that batters the window of the dark hotel room in the middle of the city. There is no point to any of this except beauty. A return of dreams, Hong Kong.”


No vídeo para 恢复, a canção de abertura de 新しい日の誕生, celebra-se a beleza da melancolia e da alienação, um sentimento de nicho, mas profundamente íntimo e humano.

O mesmo fundador, reclamando ainda mais credibilidade, afirma, numa entrevista recente à Red Bull Music Academy, com orgulho e convicção:

 


“I think the most important thing to aim for in vaporwave as a producer is to make something cinematic in effect. Make the listener feel inexplainable feelings which is helped by the surreality of the music. Culture is so fast-paced now that all this music is just passing noise — disposable, almost — and I like that aspect of it a lot.”


Sentimentos ecoados por DARKPYRAMID, que vai mais longe:

 


Vaporwave at its core is ultimately not a form of music, but the first true “post-music” genre that has grew from being more than the tiniest niche into something of its own scene. While there have been other forms of “post-music” in the past, even decades ago, vaporwave is the first scene of its kind to really take it to the next level (…) people who say “vaporwave is dead” are completely off base, I think. I say instead that music is dead, and may vaporwave continue to live.”


Eis outro depoimento que não deixa dúvidas, do músico de electrónica ZOMBY:

 


Vaporwave has taken over the creative world because Dream Catalogue are actually that good”


Há até quem queira remover-lhe o sufixo wave e chamar-lhe, simplesmente, vapor. Com este novo rumo, e tantos subgéneros e ramificações, o vaporwave talvez tenha mesmo vindo para ficar.

O vaporwave é, acima de tudo, um género de contradições. Vazio de emoções, mas cheio de nostalgia. Artificial, mas humano. Kitsch, mas avant-garde. Retro, mas futurista. Feito por máquinas, desfrutado por humanos. Alienante e árido, mas convidativo e caloroso.

Em jeito de conclusão, talvez o vaporwave seja uma forma de prolongar esse tal prazer artificial, de levar aos limites e materializar o que o capitalismo de consumo nos prometeu, o vislumbrar do sonho americano como um sibarista morbidamente obeso e decadente. Ou a derradeira forma de nostalgia, de pegar no passado, retirar-lhe significado, consistência e verosimilhança, e transformá-lo num puro shot de prazer, em puro açúcar.

Se tomarmos demais, ficamos como o homem no vídeo do Demerol, alienado, confuso, atónito, num torpor anódino.

 



Ou como o cantor com cabeça de banana gigante dos anúncios do Mac Tonight, eternamente feliz, having the time of his life, numa orgia de prazer despudorado.

 



Nenhuma das hipóteses faz sentido, ou é melhor ou pior que a outra.

Terá o vaporwave mérito artístico? Não é esse o objetivo. Talvez o seu mérito seja ter-nos permitido ser verdadeiramente democráticos no nosso amor à música, e dizer abertamente que gostamos de música de elevador, lounge, muzak, new age, ambiente e todas essas formas de música instrumental aparentemente ridículas ou foleiras, sem medo de ser alvo de troça ou acusações de mau gosto.

Serão os seus autores lembrados? Não interessa. O anonimato é a regra do jogo aqui, para um público incógnito e globalizado, que se regozija perante o prazer de permanecer oculto num mundo sem privacidade. É assim que mantém a sua magia, despindo-se de identidade (e de humanidade). Eccovirtual comunga deste sentimento:

 


“The whole appeal of vaporwave is its use of remaining unknown, that in a world where nothing is private it is refreshing to find something that feels like it was found in the dumpster of a thrift shop. Where it does not matter where it came from or who made it, only that it takes you elsewhere, somewhere distant from reality.”


Será que rejeita a cultura empresarial e consumista pela sua decadência e vacuidade, ou abraça-a pelo seu hedonismo desenfreado? Será que tem pretensões ou objectivos a cumprir? Será arte ou anti-arte? Nada disso interessa.

O vaporwave é a música da alienação, do absurdo e da nostalgia, feito à medida do público do século XXI, um público anónimo e globalizado, conectado, mas desligado da interacção humana. Sabe o quão vazia e absurda é a época em que vive, e abraça-o com gleeful abandon, apropriando-se do passado, imaginando o futuro, recusando-se a viver no presente. Num mundo que muda tão rapidamente, em que tudo é um nicho, perante a impossibilidade de acompanhar tendências e uniformizar o que quer que seja, haverá forma mais eloquente de caracterizar o que significa viver no início do século XXI?

 


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