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Publicado a: 11/06/2017

TNT no Musicbox: um filho pródigo que nos conduz de regresso a casa

Publicado a: 11/06/2017

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTOS] Tiago Gonçalves

É um som doce o que nos embala quando passamos as portas do Musicbox: Bernas e Sahid massajam-nos os ouvidos com Dilated Peoples e Das Efx e Arrested Development e Sam The Kid com Sagaz e é como se regressássemos a casa. Vocês conhecem bem a sensação: já há muito que vieram para a cidade, gostam de sushi e de variar com umas alternativas vegetarianas, de vez em quando cedem às tentações da fast food, mas compreendem muito bem que os sabores que reencontram de cada vez que regressam a casa para visitar a família são sinónimo de conforto e de memórias e de um outro tempo. Não necessariamente melhor, mas obviamente diferente, familiar, tranquilo e – não há problema algum em assumi-lo – inocente.

É isso que promete a apresentação de Menino de Ouro, o mais recente trabalho de TNT, homem forte da Mano a Mano, casa que ostenta com orgulho as cores da margem sul. Para a ocasião, o rapper trouxe valorosos aliados: Beware Jack e Nerve, Blasph e Melo D, Tilt e Maura Magarinhos, Tom e Kulpado. A ideia é celebrar. Celebremos então. Afinal de contas estamos todos em casa. E o cheiro que vem da cozinha leva-nos para outro tempo.

O dono da classe mais crua da cidade é o primeiro a pisar o palco. Ninguém agarra o microfone como Beware Jack e ninguém pega nas palavras pelo ângulo com que ele gosta de as atirar para dentro da nossa cabeça. Secundado por DJ Sahid, Beware Jack alinha metáforas e visões em cima de beats carregados de blues e de soul, com tarolas que cortam o tempo em compassos que nos fazem abanar o pensamento. “O meu nome é Beware, a máscara das minhas rimas”, explica-nos, logo a abrir. Sabemos bem. Mas desconfiamos que nestes momentos, quando ele pisa o palco, é quando ele tira a máscara…


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Com Tilt e Mass de Orteum em palco, Beware recua momentaneamente para observar dois protagonistas de outras formas de traduzir a cultura. Regressa só com Mass antes de se atirar a mais uma etapa do seu showcase, uma espécie de manifesto de uma forma teimosa de sentir esta cultura, sem preocupações de sintonia com os tempos, muito mais interessado em explorar a expressão que é possível alinhar fora do tempo, ou num outro tempo que é só seu, em que uma visão singular do rap equilibra beats cinemáticos com palavras prenhes de memórias significantes.

No momento seguinte regressa-se a OProcesso para ouvir “Johnny Crime”, com Blasph de óculos escuros em palco porque as luzes da cidade são mais intensas nesta margem errada do rio ou porque todas as ocasiões para mandar pausa merecem ser aproveitadas. Juntos, Jack e Dilúvio conjuram uma magia muito especial, encaixam-se mesmo que um seja uma peça redonda e o outro uma peça quadrada. Há coisas que vão para lá da lógica, mas que não deixam de nos arrepiar. Afinal de contas eles têm carisma e têm o hype… Beware ainda passa pela Classe Crua, sobrevoando a batida de Samuel Mira como um super-herói da Marvel que ainda não foi inventado. “Neguinho Afevelado”, do álbum A Memória de Futuro que Beware gravou com Bling Project, antecipa a sua despedida, mas já sabemos que não tarda nada estará de volta para nos obrigar uma vez mais a esquecer o calendário e o relógio e a viver no seu próprio tempo. Nada contra.

Após um breve interlúdio com mais momentos de throwback boom bap, TNT entra em palco ladeado por uma banda que traduz os beats em matéria orgânica: Bertron na bateria, Bernas nos pratos, Serge no teclado e Pedro Martinho no baixo. E Maura Magarinhos a harmonizar com o instrumental, injectando um pouco de classe soul nos procedimentos. Chega e sobra. Já que estamos todos de volta a casa, TNT não se poupa e oferece-nos um banquete, com todos os pratos de que nos lembrávamos, mas que se calhar há algum tempo que não provávamos: refrões orelhudos dispostos em cima de breaks carregados de funk e rimas com vida e palavras que se entendem. Se isto é um filme é claramente neorealista.


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“O Futuro”, “Andaver” e “Alma ao Diabo” são os três primeiros pratos servidos por TNT que tem o cuidado de nos explicar que estava muito nervoso antes de entrar em palco, mas o que se sente é calor, e segurança e autoridade e honestidade e todas as coisas que importam realmente. É que TNT está aqui para “Foder o Rap”. Às vezes é preciso… com Unhas e Dentes porque, como dizia esse grande rapper que em tempos respondeu pelo nome Johnny Rotten, a raiva é uma energia. E TNT tem “Barras” de energia feita de palavras que rimam e se colam à nossa garganta.

Depois de pesar “21 Gramas” com Tilt que regressa momentaneamente ao palco, TNT mostra-nos o que é que um produtor é capaz de fazer com as ferramentas certas à mão. E uma banda pode ser a ferramenta certa: o agora quinteto atira-se a alguns clássicos de Dr Dre e de halfway crooks que povoam a nossa memória obrigando-nos a todos a sorrir, como quando se dá uma dentada naquele prato favorito da nossa infância que a mãe teve o cuidado de preparar neste regresso a casa.

Nerve e Blasph são os convivas seguintes nesta reunião familiar. Dois crâneos nesta merda, que dançam ballet com as palavras, sempre em pontas, sem largarem um pingo de suor. Classe pura. Crua. Verdadeira. A cena é que eles estão longe da maioria e são mais fresh do que uma alface acabada de colher. TNT explica que não é só actor e que neste concerto também há espaço para ser espectador. Mas depois de Nerve sair, o patrão da Mano a Mano mostra o que é o “MS Pride” com Blasph que continua de óculos escuros. Faz sentido, este gajo comporta-se como se tivesse sempre os holofotes em cima. E se não estão deviam estar. Segue-se o tema que dá título ao último trabalho de TNT – e ele avisa que é cena pessoal – e depois carrega-se no acelerador: manda-se “Chumbo” (faixa nova…), vê-se (e ouve-se…) o menino de ouro a “Picar o Ponto” como gente grande, com Kulpado ao lado, num regresso momentâneo a M.A.C., antes de se explicar que se anda nisto “Pro Bono”. É que as recompensas são outras… a casa está cheia, as caras são quase todas familiares, o pai pródigo está na casa.


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O “Check In” misturado com as “Boas Vibrações” traz para o palco não só Melo D, mas, ainda que apenas na nossa memória, os Cool Hipnoise. É o momento em que sai do forno o prato principal, aquele que marca a parte mais importante do repasto. Melo é e sempre foi um monstro, um verdadeiro monumento cheio de história e de alma. TNT relembra à multidão que enche a sala: “este homem estava lá no Rapública”. Verdade. Estava lá e continua aqui. Embalado pelo sonho.

E se Melo é o passado, Tom, que se junta a TNT em “Manifesto”, é um futuro possível: MC de corpo inteiro que o homem da Mano a Mano tem vindo a apresentar ao mundo, muito cuidadosamente, por saber o enorme potencial que possui. O “Rei dos Gazeteiros” foi aluno aplicado mas sabe também ser professor dedicado.

Sabe sempre bem voltar a casa e regressar a um mundo que se mantém e não desaparece, um mundo de rimas conscientes do seu alcance, da sua importância, mas que também sabem ser lúdicas quando tem que ser, carregadas de punchlines quando é preciso. Ver TNT ao vivo equivale a revisitar uma era de maior pureza e inocência. É bom sabermos todos para onde vamos. Igualmente importante será termos noção de onde viemos. E TNT sabe de onde vem: da margem sul, onde tudo começou…


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