A Brainfeeder sempre se destacou das outras editoras pelos nomes que apresenta – artistas capazes de incorporar o jazz clássico no mundo da electrónica, sem que este perca a essência que lhe é inerente. Aquilo que vos apresento – aliás, aconselho – é o último trabalho de um dos seus descendentes, Thundercat, que acaba de lançar The Beyond / Where The Giants Roam, primeiro EP do currículo que, além de outros dois álbuns, já conta com múltiplas colaborações, entre elas a participação no infalível To Pimp a Butterfly” de Lamar (“Wesley’s Theory” está na minha lista de melhores produções do ano) e o acutilante You’re Dead de Flying Lotus, o seu aliado na jornada no mundo da electrónica.
Este EP, escutável num quarto de hora, estabelece aquilo que podiam – e deviam – ser os padrões do mundo artístico: a estética deve sobrepôr-se à dimensão. E com isto quero dizer que Thundercat sabe aquilo que quer, não dispensa mais tempo a tentar complementar uma obra que já transborda em conteúdo. Além do jazz, temos hip hop, temos soul e ainda sobra um pouco de funk. The Beyond… viaja entre pólos antagónicos sem nos apercebermos disso numa primeira escuta. É notável como, em apenas seis faixas, existe espaço para tanto estilo – desde o toque inquietante de Mono/Poly, passando pelo saxofone imaculado de Kamasi Washingston (também eles da família Brainfeeder), e acabando no piano tácito de Herbie Hancock.
Comparem-se instrumental e lírica. Ao passo que a escrita de Thundercat invoca lamentos desnorteados e até a morte (i.e. “Hard Times” e “Song for the Dead”) a sonoridade orgânica das faixas atribui-lhes outra conotação, algo direcionado para eufemismos que escondem o teor da mensagem. Da teoria à prática, escute-se a bateria de “Them Changes” que recupera os primeiros instantes do clássico “Won’t Do” the J Dilla; mais, ouça-se também os acordãos inquietos de “Lone Wolf and Cub” que trazem à memória o enigmático Cosmogramma de Flying Lotus.
The Beyond… consegue destacar-se da essência primária que compõem o estatuto musical da Brainfeeder. Ao passo que nomes como Flying Lotus, Mono/Poly e Daedelus propoêm desconforto na mente, Thundercat sugere um estilo mais calmo e, sobretudo, mais consciente. The Beyond / Where The Giants Roam é uma curta-metragem apegada ao seu título – uma peça que vai um pouco mais além na procura justificada de um lugar no mesmo mundo por onde passeiam os gigantes da música electrónica.