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Publicado a: 04/08/2018

Telectu e DWART ao vivo no Lux: alucinações numa noite de Verão

Publicado a: 04/08/2018

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [VÍDEO] Luis Almeida

O terraço do Lux, em Lisboa, afigurou-se como o cenário perfeito para a apresentação ao vivo dos Telectu de Vítor Rua e António Duarte, a primeira depois do relançamento por parte da Holuzam de Belzebu. O novo selo operado pela massa cinzenta da Flur estreou-se com duas entradas no catálogo: além do registo de 1983 dos Telectu, foi ainda recuperado material inédito de arquivo do projecto DWART de António e Manuela Duarte, que também se fez ouvir naquele espaço de Santa Apolónia.

Depois da fantástica noite protagonizada no Teatro Maria Matos em Junho passado, a possibilidade de voltar a ouvir António Duarte e Vítor Rua em palco afigurava-se imperdível, ainda por cima com os argumentos extra da localização e da actuação de DWART.

Os convites distribuídos de forma generosa pela Flur traduziram-se numa afluência considerável que na relativa penumbra do terraço do Lux concentrou os olhares no que os músicos tinham para oferecer. A prestação foi subtilmente distinta da que se presenciou há um par de meses no Maria Matos: arsenal técnico ligeiramente diferente e, no caso do reportório de Belzebu, uma abordagem mais solta e menos rigorosa do ponto de vista formal.

O pulsar futurista das peças fez-se ainda assim sentir em toda a sua glória minimal. E repetitiva. A combinação do calor com a incessante repetição de motivos melódicos e harmónicos por cima de uma cadência uniforme surte efeitos algo, digamos, alucinantes. Fica, uma vez mais, provada a perfeita validade no presente desta proposta de revisitação de um passado que nunca se conformou, na verdade, com o seu próprio tempo e ousou sempre olhar em frente. A atenção e reverência que o público dispensou aos Telectu, aplaudindo efusivamente cada peça, deixa claro que esse amanhã que se prometia na música conjurada por Jorge Lima Barreto e Vítor Rua pode finalmente ter chegado.

Os DWART, de que a Holuzam agora editou o EP Taipei Disco, tiveram, na segunda metade dos anos 80, uma fugaz passagem pelo lado mais avançado da música portuguesa, precisamente o lado que procurava refúgio em espaços míticos do Bairro Alto e forjava cumplicidades com gente do universo das Belas Artes, da literatura, da dança e da moda, da arquitectura. A ida para Macau de António e Manuela Duarte, onde permaneceram mais de uma década, pode ter interrompido essa visão, mas, percebe-se agora, não lhes travou a criatividade e mesmo no “exílio” produziram peças então remetidas a arquivo que começam ao fim de tanto tempo a ajudar a impor uma nova ideia dos caminhos secretos que a “moderna música portuguesa” também soube seguir.

A prestação de António Duarte foi menos “rigorosa” do que a dos Telectu, para a qual existe uma partitura, mas ainda assim o carácter dançante que marca o material de Taipei Disco não deixou de se fazer sentir com o músico e produtor a fazer vasto e imaginativo uso de uma panóplia de modernos intonarumori sem a necessidade de ter um único computador por perto.

E enquanto um Duarte, António, se desdobrava nas máquinas, outra Duarte, Manuela, transportava-nos a todos até ao ambiente de uma qualquer galeria de arte nos anos 80, executando, com marcador preto montado na ponta de uma vara, uma dança gráfica com o seu quê de Pollock, sem dripping, mas com um, digamos, drifting que parecia traduzir a dinâmica da própria música. Um outro performer, impávido e sereno, de óculos escuros, e com umas longas varetas de plástico, assinalava também com contida agitação dos objectos que segurava as movimentações ritmicamente fluídas da música.

Manuel Reis terá, certamente, apreciado. Esta foi, afinal de contas, a Lisboa com que sempre sonhou e para que incansavelmente trabalhou. Cá estamos.

 


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