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Publicado a: 24/11/2015

Tableek: “Sente-se o verdadeiro hip hop nesta sala e isso é impagável”

Publicado a: 24/11/2015

[ENTREVISTA] Luís Afonso

 

Sábado último o Clube Ferroviário, em Sta. Apolónia, viu o seu espaço ser invadido por uma verdadeira noite de hip hop, até à mais madura madrugada. Com o norte-americano Tableek da crew Maspike à cabeça, as aberturas de Praso e Beware Jack, e DJ Figa e DJ Sahid encarregues dos pratos. Ocasião que suscitou esta entrevista.

Uma conversa sem agenda nem guião. Acontece por um equilíbrio estável, estabelecido entre o grau intrusivo do repórter na senda de declarações e a simpatia do entrevistado. O que fez com que uma simples pergunta sobre como correra a sua mais recente tour europeia, em pé, de gravador em riste, tenha transitado para uma conversa tranquila, de 30 minutos, confortavelmente sentados. O resultado é esta entrevista. Com uma banda sonora à altura: a actuação conjunta de Beware Jack e Praso, a acontecer a uns metros do biombo onde nos encontrávamos, que divide o palco e a sala de estar do Ferroviário.

Entrevista em jeito de sumário do que fez e representa o rapper – a única premissa existente. Em que constam os primórdios em Brooklyn, com o seu grupo Maspyke; o trabalho que editou em 2013, Hunting Bald Eagles… And Other Ghetto Tales, o qual apresentava naquela noite; da sua predilecção por andar em tour, pressões policiais, religião e até dos recentes atentados de Paris. Bem como sobre a razão do artista dizer: “tenho uma parte de mim em Portugal”.

 


Conta-nos acerca dos teus primórdios no rap com a crew Maspyke.

É o grupo com o qual me iniciei na música. Os Maspike eram constituídos por mim, o meu primo Hanif Jamiyl, Ibrahim Suhnoon Ali e Rod Bridges. Pessoas com as quais lidei desde criança. Foi uma cena de liceu, foi lá que começámos a reunir-nos e daí passámos para as casas uns dos outros. Isto acontece por volta de 92, 93, altura em que assinamos pela Atlantic Records, à qual permanecemos durante dois anos, até que percebemos que eles se movimentavam na mesma frequência em que nós queríamos estar. Desde então, decidimos fazer música independente. Maspyke digamos que oficialmente está activo de 1999 até 2008. Temos dois álbuns, um EP, cinco singles e muitas, muitas colaborações e tours. Em 2008 decidimos fazer um interregno na crew, para cada MC enveredar livremente nos seus projetos a solo, intervalo que tem durado até aos dias de hoje. E, desde então, tenho feito música a solo

E o que tens feito desde então?

Continuo a trabalhar com uma das pessoas de Maspyke, inclusive no meu álbum. Tenho feito imensas colaborações, por todo o lado. Por toda a Europa, Japão…. Vários produtores japoneses. Andei em tour também. Depois iniciei uma nova editora, Sonic Bids, em 2010, com uma equipa que demorei cerca de dois anos a juntar, depois de me separar de Maspyke. Tive esse tempo à procura de pessoas que partilhassem o mesmo espaço que eu na música, e continuamos a fazer música da mesma forma independente. Plataforma através da qual partilhamos o trabalho de outros artistas dentro do rap, mas também cenas diferentes.

Qual o trabalho, depois do interregno de Maspyke, que consideras mais significativo até ao momento?

A cena mais importante que fiz até agora é o álbum que estou agora a vender [Hunting Bald Eagles… And Other Ghetto Tales]. É o que considero a minha mais significativa edição até este momento, onde pus todo o meu suor, todas as etapas pelo qual passou fazem sentido no resultado final. E tem corrido bastante bem, o álbum saiu no início de 2014, já teve duas vezes no número um nos Estados Unidos, no que ao underground diz respeito, claro (risos). É o álbum que irei apresentar daqui a bocado, quando aqueles rapazes pararem de rimar (risos) – eles são bons, meu! Não posso dizer que seja o meu primeiro álbum, mas é o que posso considerar o meu primeiro álbum “oficial”, tanto em relação a mim como ao público. Já tinha anteriormente feito várias coisas, pequenos álbuns, singles, que os vendia em tour. Eu estou sempre em tour, além de adorar estar em palco e partilhar a música e a energia que tenho, é também a melhor forma de pessoas como nós, que fazem música independente, puderem fazer uma vida da música que produzem do seu esforço e dedicação – que é real, podem acreditar!



Quão importante é para ti essa relação íntima com o público?

É da maior importância para mim essa relação. De três em três meses, estou em tour nos EUA. Ou agora, na Europa (ou Japão), onde não pude ir por bastante tempo por causa de complicações com o governo. Durante anos estive privado do meu passaporte. Coisas que não vale a pena falar, tive de arranjar uma data de advogados e todo o tipo de merdas, mas agora estão resolvidas – desde há cerca de dois anos. Que se fodam os Estados Unidos, agora estou fora. Gosto de tocar na Europa e tem resultado bastante bem. Havia gajos europeus com os quais já tinha feito sons e que apoiam a minha música, já desde os tempos com Maspyke, e, derivado desse problema, durante anos não os pude conhecer pessoalmente. Nos últimos anos tenho estado a recuperar esse tempo perdido e tem sido mesmo muito bom, trata-se de família. Eu sou muçulmano, cresci na East Coast dos EUA, Nova Iorque é a minha fundação. E, nesse sentido, penso que estou profundamente dentro da cultura, em várias medidas e não apenas ligado à música.

Em que medida, por exemplo?

Sempre trabalhei com crianças e jovens em escolas e todo o tipo de projetos sociais. Várias iniciativas que ao negócio da música nada dizem. É fixe fazer música, é algo que muita gente quer, mas outra coisa é estar no negócio da música e remares contra essa maré. Eu acho que os músicos têm medo de errar. Eu, pelo contrário, partilho os meus erros – é única forma de alguma vez aprenderes. Eu estou disposto a sair pela Europa e cometer erros. Muita gente está prisioneira dos seus medos, então nunca tentam.

Essa visão aplica-se à tua presença mais habitual em territórios europeus?

Sim, é por isso que estou aqui. Há um ano estava em Lisboa e diziam-me: “yo, tu não vais querer fazer um concerto nesta cidade, não há público…”. E isto está muito fixe. Não está cheio, é verdade. Mas, para mim, esta noite é tão importante como as noites loucas que tive em Londres ou Amesterdão. Sente-se o verdadeiro hip hip nesta sala e isso é impagável. Eu estou nisto pela cultura. É óbvio que o dinheiro não é grátis, mas posso dizer que estou numa posição em que não me preocupo muito com isso – até porque não me meto nas cenas para ficar no prejuízo, claro, e a mim basta-me um retorno básico – estou ali a vender os meus CDs e os de Maspyke e ’tá-se bem. Adorava ir a África, é algo que quero que se concretize, um dos integrantes da minha editora vive na África do Sul, de modo que estamos a averiguar essa possibilidade num futuro próximo. Um concerto lá não seria um concerto, seria um verdadeiro evento. Não há muitos concertos por lá, especialmente de rappers norte-americanos, mesmo dento do mainstream.

 


 

 


Há pouco referiste seres muçulmano e a pergunta tem mesmo de sair: como olhas para a Europa neste momento, com as tensões que pairam no ar depois dos atentados da passada semana em Paris?

Existem biliões de muçulmanos no mundo que não se revêem no que é praticado por esse grupo terrorista (Daesh) e que os tornam insignificantes em termos de número ou, sequer, em grau de importância no mundo muçulmano, São insignificantes, por isso querem tomar a importância que acham que merecem pela força. Não podemos dizer que eles representem a minha religião, não o aceito nem qualquer muçulmano decente o fará. Pelo contrário, contribuem para a crescente má imagem dos muçulmanos na Europa e no mundo. Mas, por outro lado, há muitas coisas que podemos dizer sobre isso. Como o papel dos EUA no Afeganistão ou Iraque e mesmo até, a França, que tem um legado colonial enorme e cheio de episódio negros que continuam a suceder quase todos os dias. Não vês nas televisões ninguém a dizer Je Suis Argélia, Je Suis Mali, Je Suis Marrocos… Há muitas coisas que podem ser trazidas para cima da mesa sobre este assunto – e isso deve ser feito.

Sentes na tua vida quotidiana uma pressão extra por seres negro e muçulmano?

A minha alma é maior que este corpo. Eu não ando pela terra com medo. Não me preocupo com o que a polícia possa fazer, ou o que o FBI pode fazer. Já me aconteceu todo o tipo de coisas. Já entraram na minha casa, já fui várias vezes detido, o meu carro já foi revistado inúmeras vezes. Mas não limito a minha vida a isso, apesar de ser uma realidade que eu vivo, sim. Nos aeroportos sei sempre que vou ter uma conversa com as autoridades e uma revista mais cuidadosa. Não fico chateado, nem quero. Eles fazem as perguntas, eu digo a verdade e eles deixam-me ir embora.

Viveste em Brooklyn e New England. Qual dirias ser o teu lar relativamente ao hip hop?

A minha mãe é de Queens, o meu pai de Brooklyn, que foi onde eu nasci. Cresci entre New England e Nova Iorque. Ambos os sítios são preponderantes para mim. Mas em relação ao rap tenho de me inclinar para Nova Iorque. É uma cidade da qual não podes fugir em termos de som e cultura, isso está no meu sangue. Estar em Queens, no Bronx, crescer a ouvir e a ver o que por lá se fazia, foi essencial. Ver merdas maradas e ouvir fala sobre essas cenas. Depois estar no Massachusetts e partilhar lá o que aprendi em Nova Iorque, também foi muito importante, porque fez com que aprendesse ainda mais. Vir a Portugal também faz parte da aprendizagem, com aquele pessoal que está em palco, com o sol e as paisagens lindas deste país, com as mulheres lindas que cá têm (risos). Tudo acaba por me trazer algo. Na Dinamarca fiquei alojado num sítio, no meio de Copenhaga chamado Christiania e aquilo era bizarro. Uma comunidade hippie no meio de uma cidade, a viver como se nada se passasse fora da sua realidade. Esses tipos de coisas moldam-me e influenciam inevitavelmente o que escrevo.

Porque é que estás aqui sozinho, a vender o teu merchandising, sem os restantes membros do teu staff?

Eu tenho um bebé aqui. Portugal, em relação à restante Europa, é o meu lar. Como tenho um lar em Massachusetts ou Nova Iorque, é o que isto é. Isto acontece porque há cerca de dois anos conheci uma raparia portuguesa, em Paris, e as coisas aconteceram (risos). Tivemos um filho e, desde essa altura, que tanto eu como ela vivemos entre Portugal e os Estados Unidos. Então, no último concerto que demos, em Berlim, o meu staff regressou aos EUA e eu vim para cá. Tenho uma parte de mim em Portugal, sinto-me bem aqui. E, quando estou em casa, faço música e espectáculos. É o que estou a fazer.

Para terminarmos: o que tens preparado para breve?

Tenho um novo álbum para sair. Este álbum foi praticamente todo gravado em Amesterdão, com produção exclusiva de um produtor holandês, Kid Sublime, o que é engraçado, porque ele é um DJ principalmente de house – conheci-o porque fiz umas cenas com um produtor francês que me o aconselhou vivamente e, quando fui à Holanda, entrei de imediato em contacto com ele. Fizemos uma música que ficou neste álbum e eu disse-lhe que quando voltasse à Holanda iríamos fazer mais músicas e ele aceitou. Quando lá voltei começámos a fazer música muito rapidamente, com uma grande naturalidade. Vai ser um disco bastante progressivo, um passo a cima de Hunting Bald Eagles… And Other Ghetto Tales. Ainda não tem nome. Vai ser um álbum estranho, podem contar com isso. Quando vim para cá tinha começado a misturá-lo, quando regressar vou continuar esse trabalho. Possivelmente sairá, independente, claro, em Fevereiro de 2016.

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