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Publicado a: 18/03/2017

Slow J no Estúdio Time Out: o nascimento de um colosso

Publicado a: 18/03/2017

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTOS] Sara Coelho

Slow J, Slow J, Slow J, Slow J, Slow J. Parece que os gritos do público ainda estão colados ao meu cérebro e não querem de lá sair. Foi incansável a entrega da audiência que esgotou o Estúdio Time Out, em Lisboa, para a apresentação do candidato natural a disco do ano, The Art of Slowing Down. Se já preconizávamos este momento em diferentes textos, testemunhar um concerto tão avassalador, onde cada música é um universo muito particular de João Batista Coelho, pode ter um efeito nocivo de fanatismo histérico. Sim, o jornalista também sente. Depois da noite de ontem, temos a certeza de que ninguém saiu do recinto a mesma pessoa, mas já lá vamos…

Apesar do final feliz, o início foi turbulento. Filas gigantes e vagarosas causaram um atraso de cerca de meia hora, causando alguma celeuma nos portadores de bilhetes. Mal passámos a barreira da segurança, Lhast já tocava e “Mo Boy” de Dillaz foi o primeira tema que ouvimos, passando por nomes como Drake, The Weeknd e Stormzy ou, em missão de auto-promoção, Regula, ProfJam — recepção incrível dos presentes a “Xamã” — e Richie Campbell. Uma nota: é de ressalvar a qualidade actual no som das faixas de rap nacional, não deixando nada a dever aos grandes nomes internacionais.


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Antes de sair, o produtor português ainda tocou um inédito de Gson, que, muito provavelmente, terá a produção do próprio. Em velocidade relâmpago, Conductor dos Buraka Som Sistema subiu a palco para ser o homem nas costas do membro dos Wet Bed Gang. Como não poderia deixar de ser, o grupo de Vialonga também acompanhou um dos novos prodígios do rap nacional para uma actuação tão rápida que só nos deixou a pedir por mais, muito mais. Alma de fadista e flow demoníaco, “Voar” foi o tema de destaque a mostrar que Gson é, tal como J, um cantor e rapper de talento gigante.

Palco novamente vazio e A Tribe Called Quest a soar nas colunas do espaço no Mercado da Ribeira. De súbito, Francis Dale e Fred, a banda de Slow J, subiram a palco e, logo por aí, o artista do Sado apresenta-se como alguém diferente, mostrando que o formato DJ x MC é obsoleto para os seus objectivos. O primeiro momento arrepiante da noite aconteceu ainda nem o frontman estava em palco: “Cristalina” na voz do povo e com instrumental tocado pelos dois aliados inseparáveis.

Antes de passarmos ao concerto, queria deixar alguns apontamentos sobre um texto assinado por Ricardo Farinha e que foi publicado no Rimas e Batidas no início de 2017. O título do artigo de opinião era “Slow J, o herdeiro de Sam The Kid?” e, com algum espanto, devo dizer, a recepção por parte dos dois visados foi incrivelmente desajustada e desinformada. No “Três Pancadas”, podcast da TV Chelas, o rapper e produtor de Setúbal e Sam The Kid mostraram-se visivelmente incomodados com o assunto, interpretando mal um ponto-de-vista que não procurava colocar barreiras a uns ou tirar do altar outros. Apesar de achar que isto não deveria ter que ser explicado — basta ler com atenção para perceber qual o verdadeiro intuito do Ricardo —, sinto que não é possível deixar passar mais este assunto em branco. Para os mais cépticos, Slow J provou ontem que, tal como STK “mexeu” com o universo musical quando lançou Pratica(mente) e levou gerações a olharem para esse álbum como uma bíblia a seguir religiosamente, TAOSD parece-nos, ainda a quente, um disco que tem tudo para inspirar uma nova geração de músicos a querer fazer diferente. Era este o âmago da questão no artigo produzido pelo nosso redactor. É mesmo caso para dizer, não percebes o Farinha…


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Now back to the show. “Estamos a seguir o alinhamento do álbum do início ao fim”, contou-nos o artista entre risos a certa altura do gig. “Arte”, tema guiado por um riff de rock alternativo, foi estreado na manhã do concerto e é, para aqueles que lêem nas entrelinhas, um sinal gigante com letras a piscar: And Now for Something Completely Different. 

Se a arte propõe-se a inquietar o espectador, Slow J é mestre nisso. Canta como os grandes e rima como os grandes, basta ouvi-lo a puxar pelo vozeirão em “Sonhei para Dentro” ou a partir a loiça toda em “Comida”, faixa que deixou, literalmente, pessoas de mãos na cabeça a tentar perceber de onde é que veio este extraterrestre. Antes das faixas anteriormente mencionadas, “Casa” foi o momento de festa declarado com um beat a citar abundantemente África, as raízes do artista, e letra a servir de manifesto ao mundo, à família e à miscigenação.

O primeiro convidado foi nada mais nada menos que Nerve, o sacana nervoso que, surpreendentemente, se estreou em colaborações com J na neurótica “Às vezes”. Momento solene com instrumentação despida e negra a acompanhar aqueles que são, certamente, dois dos grandes nomes da escrita de canções em português na actualidade.

“Fazer ao Rui Veloso o que o Ronaldo fez com o Figo”. Trago este verso de “Comida” novamente para a mesa para vos falar de “Serenata”, balada de desamor que num mundo justo seria cantada por várias gerações. No Estúdio Time Out, o público tirou tudo cá para fora e acompanhou a letra na íntegra como se a sua vida dependesse disso. Um bálsamo para a alma e mais uma prova da musicalidade intrínseca de Slow J.


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O desfile de géneros musicais nunca pára em The Art of Slowing Down. A certa altura, imaginamos Slow J com BadBadNotGood nas costas, num momento que serviu para nos relembrar que atrás de si estão dois músicos exímios a deixá-lo brilhar sem medos. “Estamos a ser tão fiéis ao disco que até deixámos o solo de trompete com 2 minutos”, atira-nos à cara Slow J. Trazendo um título de um disco de B Fachada para a linha da frente, Slow J É Pra Meninos, Meninas, Pretos, Brancos, Ricos e Pobres. Quem lá esteve, percebe exactamente o que acabo de dizer.

Na altura de pagar as contas, Gson e Papillon, duas pérolas do universo hip hop, entraram em palco para, a três, mostrarem que o single é uma das faixas do ano. Abraços, risos e alegria, muita alegria. A nova geração trouxe uma frescura que já não se via há alguns anos no rap nacional e o trio que vimos em palco teve um grande contributo para esse facto.

Para fechar o álbum, “Mun’Dança” trouxe, mais uma vez, a festa rija a palco e uma abordagem à Buraka Som Sistema/Príncipe Discos no beat que nos deixou, outra vez, de queixo caído. O que é que Slow J não sabe fazer bem? Para rematar a actuação memorável, The Free Food Tape EP foi o tomo final e “Cristalina” a cereja no topo do bolo. Público em uníssono a partilhar um momento único.

Na altura que escrevemos a reportagem, o álbum ainda não está disponível, mas os outros, aqueles que não puderam marcar presença, vão ser tocados pela soul de Slow J, mal esteja disponível para rodar em loop. Depois disto, só nos resta pedir um remake português de Casablanca para ouvirmos: Play it once, Slow. For new timessake. 


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