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Slow J e a arte do crescimento artístico

[TEXTO]  Alexandre Ribeiro [FOTO]  Bruno Martins

 

A vida de crítico/jornalista/divulgador musical tem vários bónus, mas existe um que se sobrepõe a todos: a oportunidade de ouvir na hora certa e antecipar o futuro de um artista que transcenda tudo. Slow J encaixa-se nessa descrição e é impressionante a forma como a sua carreira tem evoluído desde a saída de The Free Food Tape.

Este texto tem dois propósitos: o primeiro é demonstrar através de momentos “fotografados” pelo Rimas e Batidas o seu crescimento até à data; o segundo é a oportunidade de declarar de forma efectiva que, na opinião pessoal do signatário destas linhas, o MC/produtor de Setúbal é o maior talento do hip hop nacional – apesar de ser bastante redutor fechá-lo nessa caixa – a surgir desde Sam The Kid.

E isto não é arrogância ou desprimor pelos outros incríveis talentos que vêm surgindo ao longo dos anos. As comparações com Sam The Kid devem-se à facilidade de se ligarem a um público mais mainstream – sem nunca perder identidade – e à sua dupla função de MC/produtor, fazendo ambas de forma exímia. As diferenças para STK partem da incrível voz de João Batista Coelho. Um exemplo do controlo total que exerce sobre as suas cordas vocais é “Cristalina”, canção a puxar pelo neo-soul que em Portugal nunca existiu, pelo menos com força de “cena” estruturada, com múltiplos projectos e lançamentos. Samuel Mira não é cantor – nem tem que ser – e é aí que se afastam um do outro em termos musicais.

Mergulhamos agora nos nossos arquivos na procura dos momentos mais relevantes para Slow J desde a saída da crítica do seu primeiro trabalho, aqui no ReB.

 

 


[ A CRÍTICA A THE FREE FOOD TAPE] 

 

O fim de Abril do ano passado trouxe o primeiro trabalho e a surpresa do público e crítica em geral com a maturidade imposta. As semelhanças e referências encontravam-se nas próprias músicas – Valete ou Sam The Kid são “citados” -, mas existia uma alma diferente, algo que criava uma espécie de identidade única logo na primeira pegada musical. Produção pelo próprio, rimas pelo próprio e refrões pelo próprio.

Maio trouxe o primeiro zunzum no ReB, através de Francisco Noronha, redactor atento desta casa. O tempo de digestão entre o lançamento e a crítica foi rápido e percebe-se o porquê: era impossível não nos sentirmos esmagados à primeira audição e entendermos que este era só o primeiro passo para o que esperemos que seja uma carreira duradoura.

 

“O efeito “bomba” que este EP causa no panorama português justifica-se por J ser, a um só tempo, um excelente letrista e cantor (e há muito potencial ainda para trabalhar) e um estupendo produtor, qualidades nem sempre fáceis de reunir, no espectro do hip hop, num só artista. Há muitos mundos dentro do mundo de J: poético, etéreo, por vezes indecifrável, não deixa de ser, igualmente, um tecnicista da palavra e da métrica (oiça-se “Tinta da Raiz”, rap até ao osso), atributos a que se junta um flow multifacetado, capaz do rap mais linear e do mais esdrúxulo, violando as regras da fonética (i.e., alterando voluntariamente as sílabas tónicas por forma a produzir a rima) e recorrendo ao canto – “Canta!”, diz J a ele mesmo, em “Portus Calle” – sempre que o ambiente o reclama, neste capítulo se assumindo, juntamente com NBC, como um dos melhores rappers-cantores nacionais, ao jeito de um Aloe Blacc ou de um José James nos tempos de The Dreamer (2008). Em Slow J, o hip hop não toma um caminho certo, oscilando entre as tonalidades jazzy (teclas e linhas de baixo muito soulful) e electrónicas (sintetizadores e outros efeitos orelhudos), a um momento se ouvindo um boom bap clássico para, logo a seguir, emergir uma percussão quebrada, quase “progressiva” (“Pai Eu”), um bombo e uma tarola em modo opiáceo (“A Origem”) ou, então, um vocal pitch-shifted que convoca o hip hop mais moderno conotado com o trap (recurso celebrizado, sobretudo, pela crew A$AP Mob e entretanto disseminado à exaustão, por sua vez bem tratado, cá no burgo, nas mãos dos elementos da ASTROrecords). Tudo em conjugação sempre harmónica, sempre melódica. Notável.”

 

 


[ O PRIMEIRO CONCERTO DE SLOW J EM TELHEIRAS] 

 

De Maio a Junho, a estreia de Slow J num palco. Telheiras recebeu o MC/produtor de Setúbal com pompa e circunstância e, com apenas dois meses de gestação, o público brindou-o com um reconhecimento das letras do seu EP de estreia. O impacto media-se, na altura, desta forma e Bruno Martins era o intermediário ReB na missão exterior a captar o talento desmedido do então desconhecido Slow J.

 

“Mas a primeira nota para Slow J: era difícil ter melhor estreia em palco. Para quem nunca tinha estado nestas andanças – e que provavelmente terá ensaiado muito em frente ao espelho lá de casa para apresentar tamanho flow – J apresentou uma confiança muito grande. Numa entrevista que poderás ver aqui no Rimas e Batidas, que fizemos logo a seguir a esta primeira actuação [fiquem atentos!], João Batista Coelho fala de experiências antigas na música, mais no universo do punk e do metal. Mas este The Free Food Tape, escrito, produzido e gravado pelo próprio, mostra-nos que esta é a praia do músico e, ao vivo, Slow J confirma-o: de sorriso fácil e olhos alegres, desfila todos os temas do EP de forma imaculada, com um flow irrepreensível e com mão completa sobre a plateia que já se perfila em bom número na frente de palco, mostrando ter as letras das canções bem sabidas. Ao fim de meia hora de concerto, com direito a apresentação de uma faixa ainda não editada, Slow J deixa o palco sob forte ovação, beijinhos, abraços e carinhos de parabéns dos amigos que o vão receber.”

 


[ A PRESENÇA NO FESTIVAL RIMAS E BATIDAS] 

 

O futuro do hip hop tuga” passou pelo primeiro Festival Rimas e Batidas e, como não poderia deixar de ser, Slow J esteve entre os artistas convidados. Mike El Nite, Blasph & Beware Jack e ProfJam fizeram parte dessa noite e todos conquistaram o seu espaço nos melhores álbuns da primeira metade de 2016. Um bom augúrio para Slow J, que terá o seu álbum de estreia em Setembro deste ano. Os astros alinharam-se nessa noite, mas foi o MC de Setúbal que sobressaiu, mais uma vez.

 

Slow J é o primeiro. Uma tela refracta a projecção do vídeo “Tinta da Raiz”, uma estreia. O público exulta e já não há mais dúvidas: Slow J tem uma crescente base de fãs, foi o artista mais aplaudido da noite, aquele que mais público atraiu e ainda se fez acompanhar por uma pequena crew de produção televisiva. Ficamos com a sensação que, a partir deste momento, que é apenas o seu segundo onstage, a carreira do MC de Setúbal apontará a novos voos – sensação esta que se quedou em nós na estreia de Fábia Maia em palco.The Free Food Tape EP ainda é fresco e o alinhamento não foge das tracks que o compõem. “O Objectivo” é nome de faixa de abertura e, igualmente, prólogo para um espectáculo onde as palavras são absorvidas sílaba por sílaba. Primazia da rima, portanto. “‘Cristalina’ é uma faixa espectacular”, dizia Beware Jack já no backstage.  Por altura d’”O Cliente” já Slow J tinha conquistado todos os presentes e abandonou o palco sob o eco de assobios e palmas.”

 

 

 


[ SUMOL SUMMER FEST 2016]

 

A “ressaca” do Sumol Summer Fest vai-se diluindo aos poucos, mas ver ao vivo Slow J tem um impacto que vai muito além do mero cantor/MC a debitar um monte de histórias sem alma nem glória. O palco alternativo foi o espaço físico onde o vimos, no entanto é fácil perceber que o cunho artístico do artista do Sado pede palcos muito maiores. Sem perder foco do EP, as novas músicas são um autêntico bálsamo para a alma e corpo, que vão da emotiva “Serenata” ao banger “Pagar as Contas”.

 

“O título deste texto não ficou esquecido e existe uma certeza que deve ser deixada bem clara: Slow J não será certamente cabeça de cartaz no Sumol Summer Fest 2017, mas o palco alternativo irá ser pequeno demais para o seu talento incrível. “Serenata” – uma canção que é a demonstração perfeita da capacidade de desviar-se do universo hip hop – foi o final perfeito para um concerto sem mácula para um dos artistas mais talentosos da nova geração.”


Sem pedir menos que o céu, a humildade e talento de Slow J vai sendo reconhecida por nomes clássicos do universo musical português. Carlão fez-lhe referência no “Maluco Beleza” de Rui Unas e NBC convidou-o para produzir “Espelho”, música do seu novo álbum que conta com a participação de Sir Scratch. A admiração vem de todos os lados, desde os críticos aos seus pares de profissão. Um ano de carreira e o futuro parece tão risonho que só podemos perguntar: qual será o palco com espaço suficiente para suportar o talento de Slow J em 2017?

 


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