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Publicado a: 02/05/2017

sleep在patterns: “O importante é conseguir estruturar bem o que temos na cabeça”

Publicado a: 02/05/2017

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTOS] Mara Marte

A primeira vez que me deparei com a música de sleep在patterns foi em “Biza”, faixa de Art Of Slowing Down, álbum de estreia de Slow J. A assinar como Taser, Cláudio Martins disse presente num álbum que só conta com outro crédito na produção: Fumaxa.

É aqui que faço mea culpa: o produtor não começou agora a criar e há muito que vai gerando ondas pela blogosfera – o seu instrumental mais ouvido tem perto de 400 mil views no YouTube – , tendo lançado dois projectos mais sérios como Alma Livre ou Entropia, traduções perfeitas da sua ligação às máquinas. Com uma sonoridade que soa a velho e a novo ao mesmo tempo – intemporal, certo? – , Blu Box é o seu novo trabalho que reúne 22 faixas, um reflexo das loucuras de um cientista sónico enclausurado no seu próprio quarto.

O co-fundador da Habitus, colectivo que reúne beatmakers portugueses, esteve à conversa com o Rimas e Batidas e falou-nos sobre o que o move, o álbum ou os MCs com quem pretende trabalhar.

 


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Já assinaste como Taser e agora lanças como sleep在patterns. Afinal de contas, quem é o Cláudio Martins?

Posso dizer que sou um ser que está em constante mutação. Com 23 anos, sou ainda fruto das fases que por mim passam, tal como todos nós. O contacto com a arte sempre me incentivou para a personificação da forma como interpreto o que me rodeia ou mesmo algo que se passe internamente. Taser surgiu primeiro como tag para o graffiti. Houve uma altura em que pintava muito com amigos, mas o nome já vinha de há uns anos. Entre muitos outros tags que já tive, Taser foi mesmo o nome com que mais me identifiquei na altura até porque gostava bastante da estética das letras e da ordem que tinham. Para mim, representava o choque entre dois mundos, o real e o imaginário, definia a procura de um equilíbrio. Mais tarde, comecei a utilizá-lo para a produção. Foi um bocado automático até porque não queria perder muito tempo na procura de um novo nome. Queria era fazer beats na altura e foi assim que sucedeu.

O nome sleep在patterns surgiu já no final do ano passado. Estava a passar por um processo de introspecção e reflexão pessoal um bocado mais profundo. Acredito que foi aqui que começou a mudança e comecei a ponderar alterar, não forçosamente, até porque o nome surgiu quando parei mesmo com a procura. Este está muito mais ligado ao que sou neste momento e ao que faço. O facto dos beats/música se terem tornado quase que um vício para mim, as horas de sono que perdi, as directas, tudo isto se tornou um padrão no meu comportamento e hoje posso dizer que “durmo sobre padrões”, mas quem sabe. Com um comportamento não-definitivo, não pretendo ficar preso a questões que me impedem de evoluir enquanto pessoa e artista. Se sentir necessidade de mudar o nome, mudo de novo. É apenas um reflexo da minha pessoa, da forma como me adapto ao meu mundo, ao dos outros e ao de todos.

Quando é começas a produzir? Levaste logo a produção a sério desde o início?

Quando comecei a produzir tinha 14, 15 anos. O interesse surgiu após ter escutado “Vivemos as Sirenes” do Fizz (que me influenciou bastante até aos dias de hoje) com o Chullage. O instrumental é bastante característico e a percussão era exactamente como as gostava de ouvir na altura. Foi aí que comecei a prestar mais atenção à parte instrumental das músicas a partir de um simples contacto com um som de hip hop. Segui este caminho e até hoje tem sido uma viagem que não pensei ser possível de acontecer. A música faz magia, realmente. Na altura, não levava o beatmaking muito a sério, estava a estudar e era mais um hobby, se bem que dedicava horas nisto e saí prejudicado algumas vezes na escola, mesmo por essa razão (se calhar não era bem um hobby).

Para quem acompanha de perto a produção nacional, tu não és propriamente um desconhecido e até és dos nomes portugueses com mais seguidores no YouTube e SoundCloud. Para alguém que esteja a entrar agora neste mundo, qual é o teu conselho para alcançar algum reconhecimento e sucesso?

Eu acredito na persistência, não só na que exteriorizamos em relação aos nossos objectivos, mas aquela que temos connosco, cá dentro. É a partir daí que tudo sai e tudo se forma. Não sou um especialista, com certeza. Faltam-me alcançar objectivos que nem sonho ainda, mas sei que a forma como nos dedicamos às coisas dizem muito, e é por aí que se começa. Tive a oportunidade de me auto-analisar e decidir o que queria realmente fazer, mesmo não estando a fazer apenas música. O importante é conseguir estruturar bem o que temos na cabeça, pedir ajuda se necessário e seguir em frente sendo nós próprios. No fundo, resume-se a isso. Tudo o resto – o suposto sucesso – penso que é consequência de sermos nós próprios.

Blu Box é o teu novo trabalho e o sucessor de Alma Livre e Entropia. Em comum, têm o facto de serem álbuns instrumentais. O que é que separa o novo dos anteriores?

Em relação aos dois anteriores, este álbum está com uma estrutura mais consistente a nível de história. Cada faixa tem o seu aspecto visual especifico e sonoridade própria. A intenção foi captar sentimentos momentâneos e mantê-los puros. Sinto que está bastante diferente do que tenho vindo a fazer até hoje e estou satisfeito com isso.

Existe um conceito por detrás de Blu Box?

A Blu Box (“Caixa Azul”) representa o isolamento para a criação de algo único, algo nunca antes visto ou ouvido pelo criador. O nome do álbum não surgiu de imediato, visto que estava dentro do processo. Só mais tarde é que comecei a fazer as ligações e percebi o simbolismo que isto tinha para mim. Todo este tempo em casa trancado a produzir resultou nesse mesmo propósito de ouvir coisas nunca antes feitas por mim, independentemente do estado em que estivesse. Arrisquei aprofundar mais o conceito e surgiu esta representação “minúscula” do meu quarto (com as paredes azuis), sítio onde nasceu tudo isto. O azul por representar um elemento que respeito e valorizo bastante, que é a água, e por representar estados da alma mais profundos. Chamo-lhe “poesia melódica”.

A tua sonoridade continua a apontar para o boom-bap mais clássico, mesmo que tenha um twist moderno. Soa a nostalgia do futuro. Qual é o estado de espírito que procuras para quando estás a produzir?

Sim, a minha música tem sofrido algumas mutações de há um tempo para cá. Por isso, não a defino muito em termos de género. Tenho apenas influências que me moldam e apenas reflicto isso no que faço. O lo-fi foi das maiores influências – e das mais recentes – que realmente me estimulou para um novo tipo de criação. Posso dizer que sim, estou ligado de certa forma a um tipo de nostalgia que antes não estava e tenho tido resultados interessantes derivados desse sentimento ou sensação. O meu estado de espírito varia muito consoante cada música que faço, mas algo que faço sempre é abstrair-me primeiro antes de compor o que quer que seja. Faço jams de meia hora ou mais no piano até me sentir totalmente livre de condicionamentos. Já me surgiram músicas dessas mesmas jams.

Este ano, tiveste direito a créditos no álbum de Slow J. Como é que tudo aconteceu?

Foi algo que surgiu por acaso mesmo. Conheci o Slow J num estúdio em Lisboa e acabámos por partilhar ideias e, mais tarde, surgiu a oportunidade de complementar uma das faixas (“Biza”) do seu álbum. Foi um prazer estar envolvido.

 


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Fazendo parte de uma nova geração de produtores nacionais – mesmo que já estejas a lançar material cá para fora há mais de dois anos – , quem são os nomes que te entusiasmam na produção portuguesa?

Neste momento, acredito que estamos com grandes beatmakers no nosso país. Os nomes que tenho sempre como referência são: Rapozu (在Grato), Sien, Rafxlp, Fabrik, Improvisivel, Jhakal, entre muitos outros que não caberiam nesta lista infindável. Acredito mesmo que o panorama do beatmaking está a crescer cada vez mais e vejo isso como algo positivo para a música no geral, no sentido em que se abrem sempre portas a novas formas de criar.

Pretendes produzir mais para rappers? Que nomes é que gostaria de ver a colocar versos nos teus beats?

A minha intenção principal é fazer música acima de tudo, seja com voz ou sem voz, mas sim, tenho alguns nomes com quem gostaria de trabalhar no futuro, como o João Tamura, Nerve, ProfJam, Virtus, Minus, Slow J, entre outros…

És um dos fundadores do Habitus. Como é que surgiu a ideia parar a criação do colectivo?

O Habitus é um colectivo/label que surgiu há cerca de um ano e meio. Em conversa com o Rapozu (在Grato), decidimos formar este projecto com intenção de criar mais envolvimento e dinamizar o sentido comunitário entre os artistas. É um colectivo que está, neste momento, mais direccionado para o beatmaking. A intenção é ser um meio de divulgação de trabalhos e projectos. Estamos ainda a desenvolver ideias e a reestruturar o próprio conceito em si, mas teremos algumas novidades brevemente.

Planos para o futuro? O que é que podemos esperar daqui para a frente para o Cláudio?

Pretendo lançar mais projectos no futuro. Alguns sairão este ano ainda, se possível. Não tenho nada muito definido ainda, mas tenho algumas ideias que comecei já a trabalhar e que estou a desenvolver. Visto que estou constantemente a desenvolver conceitos para a minha música, mesmo a nível visual que também é uma área que pretendo explorar mais ainda no decorrer deste ano. De resto, é continuar a trabalhar sem nunca esquecer o motivo que aqui me trouxe.

 


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