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Publicado a: 06/05/2017

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[TEXTO] Amorim Abiassi Ferreira [FOTO] Direitos Reservados

Ison não soa a algo criado em 2017, antes  a um trabalho que foi concebido com um ouvido na era de glória do trip hop e outro nos dias de hoje. Ao ouvir, o primeiro nome que vos poderá saltar à cabeça é Sade; ao explorarem os vídeos lançados para as suas músicas, Björk. Qual é então a identidade que Sevdaliza assume para si ao longo das 16 músicas que constituem este álbum?

Sevda Alizadeh nasceu no Irão e a família, por motivos políticos, procurou refúgio na Holanda quando ela ainda era uma criança. Aos 15 anos, fugiu de casa, conseguiu uma bolsa para a equipa nacional de basquetebol Holandesa e tirou um mestrado. O apelo pela música só chegaria mais tarde, aos 24 anos. Associou-se a Mucky e começou a desenvolver tudo o que podemos ouvir neste álbum — da voz à produção.

“Shahmaran” é uma lenta entrada para um cenário cinemático, acompanhado de piano, cordas e um contrabaixo. Esta era uma música secreta do primeiro EP, The Suspended Kid, que foi eliminada e refeita para abrir este novo álbum. No entanto, é música seguinte, “Libertine”, que sentimos finalmente o projecto a ganhar tracção. Os ruídos borbulhantes que se repetem ao fundo, as percussões quebradas e abafadas, e de novo cordas — agora mais obscuras— rodeiam uma voz que apenas pode ser descrita como assombrosa.

Sevdaliza e Mucky assinam na íntegra a produção do disco. Para trás ficaram as experimentações de estilos do primeiro EP, The Suspended Kid, ou até colaborações com produtores na berra como Stwo. E, a cada volta deste disco, há um retrato fidedigno — quer nos feitos, quer nas falhas — que emerge e mostra o progresso de Sevdaliza e Mucky na exploração do som da artista. As influências de Sevdaliza transpiram em todos os momentos de Ison, mas nem sempre ela consegue transcendê-las. “Loves Way” é uma música onde os synths parecem ter sido levantados directamente do primeiro álbum de James Blake; “Blue Cid” volta a usar synths semelhantes e a ideia do piano ou da guitarra dedilhada parece nunca ganhar solidez;  e “Grace” tem um som desinspirado na percussão e composição, mas é mesmo o refrão — que lembra uma versão mais fraca da “Frozen” de Madonna — que a mata por completo.

Há outros momentos, no entanto, em que sentimos a artista a sair da casca e a mostrar um cunho mais próprio. “Libertine”, “Marilyn Monroe”, “Scarlette”, “Human” são músicas poderosas, tanto no som como na pose que a voz assume. Ison é um projecto dedicado à escuridão e portanto nenhum dos tópicos pelos quais Sevdaliza passa tem um tom feliz ou sequer redentor. O medo, a frustração ou disfunção em relações são alguns dos elementos que figuram neste cenário constituído por tons escuros. E, dentro dele, é incrível como Alizadeh encontra margem de manobra para mergulhar-nos ainda mais nas trevas: em “Hero”, entram acordes ainda mais intensos no fim, concluindo com notas o que nenhuma palavra poderia vincar; em “Do You Feel Real”, uma orquestra serve de tapete a um monólogo, até se introduzir uma batida que em nada alivia uma música tão sufocante — no bom sentido — que torna bem-vinda a sua curta duração.

Afinal de contas, quem é Sevdaliza? Uma artista que agora desenrola o capítulo inicial da sua carreira, que movimenta bem os vários meios de que dispõe e controla meticulosamente a imagem que transmite. O espaço para a cantora evoluir, pelo menos musicalmente, é vasto. Falta, acima de tudo, afirmar um som verdadeiramente dela. No entanto, dou por mim hipnotizado à espera do próximo capítulo/projecto. A promessa já está lá. E afinal, quem nunca se encantou com a sequência de treinos do protagonista de um filme?

 


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