pub

Publicado a: 07/12/2016

Rui Maia: “O lado B dos anos 80 é bastante rico e importante”

Publicado a: 07/12/2016

 

[ENTREVISTA] Rui Miguel Abreu [VÍDEO] Pedro Silva [FOTO] Direitos Reservados

 

Rui Maia não sabe estar parado, e ainda bem: em 2016 lançou o álbum Fractured Music (que mereceu atenção na rubrica 5 K7s) e levantou já o véu sobre o futuro do projecto Mirror People que terá novidades em 2017 – o sucessor de Voyager terá por título Bring The Light. O Rimas e Batidas aproveitou esse pretexto para ir conhecer a base de trabalho do produtor que também integra os X-Wife de João Vieira, espaço numna zona histórica de Lisboa onde as guitarras dividem espaço com sintetizadores. Aproveitámos ainda para conversar um bocadinho sobre o futuro imediato e uma certa ideia de anos 80 que parece invadir alguma interessante e muito inspiradora ficção televisiva.

 

Em que fase é que está exactamente o novo disco de Mirror People? 70% pronto, 80% pronto?

As canções estão praticamente todas [acabadas], falta gravar um baixo numa canção. 90% está feito. Falta misturar. São dez temas e já há um single revelado. Há mais nove temas e é um disco bastante diferente do primeiro. Um disco se calhar mais solto e a arriscar um bocadinho mais.

Define lá essa ideia do risco. Porque entras por caminhos que as pessoas não vão estar à espera de te ver a explorar?

Vai de encontro aquela ideia de juntar referências de outros estilos musicais e inseri-los na música de dança. Coisas que não são usuais ouvir na música e que as pessoas não estão habituadas que eu faça. Mirror People está mais conotado ao disco sound por causa do primeiro disco…

Mas não pretendes que isso seja uma prisão…

Este novo disco não tem praticamente nada de disco sound. Tem a componente electrónica. Tem praticamente os mesmos instrumentos que o anterior, só que com uma abordagem diferente e também com pessoas diferentes. No primeiro disco trabalhei com “n” colaboradores, vocalistas diferentes, até de continentes diferentes. Este disco é só focado neste grupo de pessoas – com quem tocava vivo –, a banda que me acompanhou no verão e com uma adição de um amigo meu – João Abrantes – que dá a voz à maior parte das faixas e toca guitarras. Houve aqui um upgrade ao projecto.

Já lhe chamarias disco de banda ou a banda é sempre uma adaptação posterior à fase de criação?

A banda é uma adaptação porque os temas são todos feitos por mim e pelo João Abrantes. Eu trato da parte instrumental, ele trata das vozes letras, etc… Alguns temas com a Maria Rosário a cantar aconteceram da mesma forma: eu tratei da parte instrumental e ela da parte das vozes e da letra. Mas a banda e mesmo as ideias dos beats partem de mim. Eu gravo os beats aqui de uma forma digital e depois são regravados em estúdio com bateria real.

Dirias que isso é um reflexo de uma condição moderna de vida, estarmos todos distantes, mas unidos de forma virtual?

Sim, eu tenho dois exemplos em que isso acontece. No caso dos X-Wife,  o João e o Fernando vivem no Porto e eu e o Sarafa (baterista) vivemos em Lisboa. No caso de Mirror People, o João abrantes vive no porto, o Hugo vive em Pombal e eu, a Maria e o baixista vivemos em Lisboa. O processo criativo é feito praticamente via web com a troca de ficheiros. Eu desenvolvo ideias aqui e envio as ideias para ver se eles gostam – faço isso nas duas bandas.

Perdeu-se alguma coisa ou ganhou-se espaço e liberdade de movimento?

Eu sei que no caso dos X-Wife o facto de ser permitido nós conseguirmos partilhar música ou ideias desta forma se calhar levou-nos a perder aquele lado humano dos ensaios e das coisas surgirem nos ensaios.

Mas também há muitas bandas que desaparecem porque o ensaio não corre bem e chateiam-se.

É diferente porque também sinto que as canções são desenvolvidas de maneira diferente. É um processo muito mais individualista. O processo de criação acaba por ser mais solitário também e quando estás em grupo acaba por acontecer de forma diferente. Quando estás numa sala de ensaios com mais três a pensar as coisas surgem de forma diferente. Eu gosto deste universo de trabalhar sozinho e desenvolver as coisas sozinho, até porque a meu ver penso que o processo acaba por ser mais cuidado. Mas também depende do tipo de banda que tens. Se for uma banda de punk a abrir que vive muito da energia de palco… Eu não vejo os Dead Kennedys a fazer um álbum como este. Não era possível. Vive muito da energia, vive muito do momento.  Agora se estás a fazer uma música mais elaborada, por exemplo “Movin Up”, single dos X-Wife que saiu o ano passado e ficou bastante conhecido por causa do Fifa, aí se calhar estes processos já fazem mais sentido.

O single foi feito dessa forma – à distância -, mas se nós analisarmos a canção nota-se que é um trabalho mais cuidado em comparação com o restante trabalho dos X-Wife. Nota-se que alguns elementos foram bem mais pensados e foram trabalhados desta forma, que é a forma que estou habituado a trabalhar agora. Muitas vezes tenho ensaios com a banda e vou várias vezes ao porto, mas depois realmente o trabalho que é aproveitado é o que é feito aqui.

Vamos falar do novo álbum. Já mencionaste a ideia de risco, a ideia de colisão. Fala-me sobre o teu mapa mental para este novo disco.

É um bocado uma mistura de estilos: uma das coisas que eu explorei neste disco foi fugir ao ritmo 4/4 ou usar mais variantes do ritmo porque na música de dança existe uma certa tendência para as coisas serem 4/4 e não haver uma variação de um break. Neste disco procurei outras escritas e outras formas de ritmo e isso também está presente no disco.

Achas que estás a libertar a tua música da pista de dança?

Sim, há sempre a noção de que a pista de dança está lá, mas, sinceramente, eu neste disco nem me preocupei com isso. Por exemplo o single “In Your Eyes” é um single lento. Aquilo não é uma música para a pista de dança. Quando fiz a canção gostei do instrumental quando a canção ficou completa fiquei contente com o resultado e funciona um bocado como uma ponte entre dois discos. O disco tem bastantes guitarras, mas a canção não tem guitarras é toda sintetizada.

Inspirei-me nos filmes de série B dos anos 80. Naquele universo Twin Peaks, Stranger Things, Halt and Catch Fire synth pop, coldwave.  Todas essas referências anos 80 com as batidas mais fortes, mais cruas acabam por estar também neste disco. O “In Your Eyes” é um desses casos que também tem uma batida super forte.

Chromatics também andam por aí…

Também, sim. Apesar dos Chromatics serem uma referência desde o início do projecto, mas ir buscar aquela fase mais crua dos anos 80 e não embelezar tanto as canções e deixar os sons mais rudes. Isso também acaba por vir um bocado de gravar o disco em nome próprio. As coisas acabam por se influenciar umas às outras, não é? Com este disco quis fazer um disco de canções, com refrões, etc… Remeter para o VHS e para esse universo que me influencia e que me revejo.

 


https://www.youtube.com/watch?v=FpHNlx0pPIU


 

Gostaste do Stranger Things?

Gostei, mas gosto mais do Halt and Catch Fire, que é uma série que não é tão conhecida. Adorei. A primeira season dessa série foi uma grande influência para este disco. Estava a ouvir a banda sonora e sempre a fazer Shazam. A série é  da AMC e fala sobre a revolução tecnológica desde os primórdios da computação, mas eles inventam tudo: desde os jogos ao Mirc…

A música do genérico é do Trent Moller e as canções são todas synth pop e coldwave, muito interessante. Muito bem realizado. E esse universo foi bastante importante para mim e para este disco porque apanhou-me na fase em que comecei o gravar o disco e, naturalmente, queria fazer alguma coisa nova e não queria repetir a mesma fórmula. Para mim fazer música também é um desafio.

Têm sido interessantes estes últimos tempos: A banda-sonora do Drive, do Stranger Things, dessa série que mencionaste… Parece que voltamos a essa época estimulante em que as bandas-sonoras nos marcavam mesmo. Deixavam de ser acessórias para passarem a ser o centro da inspiração. Ver televisão para ouvir grande música não deixa de ser um conceito curioso…

É curioso e algo raro hoje em dia. Se formos a analisar a quantidade de vezes que estamos a ver televisão e encontramos alguma canção que chame a atenção num fime… Isso é raro acontecer. Nos anos 80 fizeram-se coisas realmente muitas boas e existe um certo revivalismo mais ligado a coisas mais cliché. Pelo menos era esse o revivalismo a que estávamos habituados. O lado B dos anos 80 é bastante rico e é bastante importante. As tendências vão e vêm e parece que estão a chegar outra vez a esse lado.

 



 

Era um campo que te interessaria explorar? Esse de criar bandas-sonoras?

Nunca fui desafiado, mas desde muito novo que eu adorava poder explorar isso. Só tive uma experiência parecida – com os X-Wife. Musicámos um filme para as Curtas de Vila do Conde, um filme do Jon Moritsugu. Pá, aqueles filmes rock’n’roll com bikers e prostitutas, maluqueira. Tráfico de salsichas. O filme era uma maluqueira. Imitações do Elvis. A experiência foi mesmo muito boa e adorava poder explorar esse lado, mas ainda não consegui chegar lá – também  não vou dizer que sou a pessoa mais empenhada em procurar. Sei que é um meio difícil. Cá em Portugal não temos um following de cinema como o Brasil tem. Ou seja, não estamos no sítio certo para explorar esse lado, mas eu adorava poder experimentar nessa área.

Falemos de timings do novo álbum de Mirror People. Já há ideias de como e quando vai sair?

No início do ano. Até Março.

Quem é que vai editar?

Vou ser eu que vou editar. Também porque hoje em dia não sei se faz muito sentido os discos saírem em editoras. Não sei até que ponto é vantajoso. A não ser que tenhas um suporte financeiro numa editora enorme que vai investir no teu disco. Se tiveres a hipótese de pagar o teu próprio disco acabas por ter o retorno e menos chatice. Não é que hoje em dia as editoras pressionem. Acho que já ninguém entende nada sobre nada, só estão preocupados em vender as coisas mais comerciais.

 


https://www.youtube.com/watch?v=iNs3m51v2oA

pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos