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Publicado a: 17/12/2015

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[TEXTO] Gonçalo Oliveira [ARTWORK] Filipe Cravo

 

The Pyramid Sessions foi o álbum com que Rocky Marsiano se estreou em 2005. À época, conheciamo-lo como D-Mars: militante do hip hop rimado em português desde o início dos anos 90, altura em que, ao lado dos Zona Dread, integrou a clássica compilação Rapública.

“Precisei de ganhar coragem para editar um disco instrumental”, foram algumas das palavras que o MC/produtor deixou na última entrevista ao Rimas e Batidas, e, provavelmente, as mais acertadas para se utilizar face à situação do hip hop em Portugal no ano em que decidiu fazer o disco. Para se viver do hip hop era quase obrigatório ter de pegar num microfone, as palavras pesavam mais do que tudo o resto. Uma ideia que Beats Vol. 1 e The Lost Tapes vieram refutar, já que é completamente errado pensar-se que o hip hop são apenas palavras. E como estamos a falar de uma pirâmide, será acertado dizer que estes dois álbuns, de Sam The Kid e Bulllet, respectivamente, são a base destas sessões de Rocky Marsiano. Ainda na mesma entrevista, Marko Roca refere esses mesmos dois lançamentos como sendo determinantes na altura de tomar a decisão de avançar ou não com o seu primeiro álbum de instrumentais.

A edição original teve o carimbo da Loop:Recordings, editora criada em 2001 por D-Mars e Rui Miguel Abreu. E se Beats Vol. 1 e The Lost Tapes podem ser considerados as bases, a Loop foi, sem dúvida, o terreno onde assenta esta pirâmide. Solo fértil no campo da produção do hip hop marcada por uma interessante lista de edições puramente instrumentais, sendo eles os pioneiros nesta diferente forma de fazer ouvir o hip hop. Uma forma que não é nova, já que o género nascido no Bronx começou assim mesmo. Instrumental. Mas não fintaram a natural evolução sónica. Tanto que The Pyramid Sessions é, provavelmente, o disco de instrumentais com a sonoridade mais actual de todo o catálogo da Loop.

Demasiado jazz para ser hip hop. Demasiado hip hop para ser jazz. Não segue nenhuma corrente especifica no ramo da produção, o que lhe dá um som bastante próprio e difícil de detectar em outros produtores. Uma espécie de Yesterday’s New Quintet, mas do lado de cá do Atlântico e moldado com uma perspectiva portuguesa. Se pensarmos numa outra edição desse mesmo ano, rapidamente entendemos que Rocky Marsiano corria numa direcção diferente da dos restantes colegas. Donuts, de J Dilla, também lançado em 2005, serve de exemplo e é a prova de como o hip hop estava a querer tornar-se ainda mais electrónico e que rapidamente gerou um grande número de seguidores para esse lado mais digital da força.

Marko Roca conseguiu algo neste álbum que vemos presente nos dias de hoje em grupos como Orelha Negra. É o fruto da exploração máxima do vinil. Horas e horas já com pó colado nos dedos à procura do pedaço certo no meio daquela rodela preta. Os escolhidos ganham lugar cativo na memória da MPC, local onde se misturam depois as várias colheitas vindas dos mais diferentes anos, locais ou, até mesmo, estratos sociais. O importante é as notas soarem bem umas com as outras. Fazer com que pareça que veio tudo do mesmo saco. Criar toda esta orgânica que nos faz imaginar toda uma banda em volta do tema. Mas é só Rocky Marsiano. Ele e, claro, T One (que empresta a sua guitarra em metade dos temas), Rodrigo Amado e Nel’assassin, três músicos que se integram na delicada tecelagem dos samples como se fossem eles mesmos samples sacados pela destreza de Rocky Marsiano.

The Pyramide Sessions é um manual para quem gosta do hip hop feito com uma abordagem mais jazzy. Ou um jazz mais contemporâneo que vai buscar traços ao hip hop. É, acima de tudo, um clássico do hip hop tuga e um marco importante na história desta cultura no nosso país, como aliás fez questão de frisar Nuno Catarino, crítico de jazz do Público, no Ponto de Vista que assinou para o Rimas e Batidas. Passaram 10 anos sobre a edição original deste álbum, mas bem que poderia ter saído esta semana.

 

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