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Publicado a: 22/02/2018

Rimas condenam rapper espanhol

Publicado a: 22/02/2018

[TEXTO] Alexandra Oliveira Matos [FOTO] Direitos Reservados

Três anos e seis meses de prisão. Foi esta a sentença aplicada pelo Tribunal Supremo espanhol a José Miguel Arenas Beltrán, rapper natural de Maiorca, nas Ilhas Baleares. Motivo? Com base nas suas rimas, que assina como Valtonyc, o MC foi formalmente acusado de incentivar ao terrorismo, e também de calúnias, ameaças e injúrias contra a Coroa espanhola e outros políticos, maioritariamente ligados ao Partido Popular, actualmente no poder. Além disso, o Supremo considera que as criações do artista contêm manifestações de apoio a organizações terroristas como a ETA.

“O rei Borbón e os seus movimentos, eu não sei se ele caçou elefantes ou se foi às putas”. Começam assim as barras de Valtonyc no tema “El Rey Juan Carlos I de Borbón”. E continua: “não podemos eleger, não temos nenhuma opção, mas um dia ocuparemos Marivent (palácio nas Ilhas Baleares em que os reis de Espanha passam férias) com uma kalashnikov”. Há mais em “Dolores Deamonal”: “Vamos ver se percebes, como o caso Bárcenas (caso judicial que investiga Luis Bárcenas e o seu envolvimento no financiamento do PP), eu perdi os jornais e em quartéis grito ‘gora ETA’. Baby, eu não apoio a violência gratuita, mas justiça seria passá-los pela guilhotina”. De acordo com o site elPeriódico, “Marca Ecspanya” e “Circo Balear” também são temas escrutinados pelo tribunal que assegura que não tirou as frases do contexto e que “basta ler” as letras do artista “para perceber a gravidade das expressões e o seu ajuste correcto nos tipos criminais”, é possível ler no eldiario. Para os magistrados, “as mensagens das músicas, publicadas pelo acusado na Internet e com acesso aberto, têm um carácter incontestável de louvor a organizações terroristas como a GRAPO e a ETA.

 



E onde fica aqui a liberdade de expressão? Valtonyc e a sua defesa tentaram “alegar o direito à liberdade de expressão e à criação artística, mas sem sucesso: as frases que coloca nas suas músicas, sustenta o tribunal, devido à sua incitação à violência e ao terrorismo não podem ser protegidas pela liberdade de expressão”, lemos no Expresso. A defesa do rapper já anunciou que vai recorrer da sentença ao Tribunal Constitucional. O advogado define a condenação como “uma grave violação das declarações internacionais de direitos humanos no que diz respeito à liberdade de expressão, mas também à liberdade de criação do artista”. Juan Manuel Olarieta acrescenta ainda que “um rap nunca pode ser um crime”, podemos ler no sítio da rádio SER. Também a associação Juízes para a Democracia, uma das cinco associações profissionais de juízes de Espanha, crítica a posição tomada pelo Supremo, e garante que Valtonyc não chegará a cumprir a sentença. “Assim que o recurso chegue a Estrasburgo, ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, será ponderado e a sentença anulada”, disse Ignácio González Vega, porta-voz da organização, em declarações à mesma rádio. Sublinha ainda que “a liberdade de expressão é concebida não só para os casos em que se pode agradar, mas também para os casos em que se choca, se pode perturbar ou ofender o Estado ou uma parte da população”.

Valtonyc usou o Twitter para confirmar aos fãs a sentença. O tweet foi partilhado mais de 20 mil vezes e nos comentários é notória a diferença de opiniões. A maioria está, claro, do lado de Valtonyc. Muitos referem que os nossos vizinhos espanhóis condenam quem rouba e prendem quem denuncia. Os festivais de música espanhóis também se quiseram manifestar e colocaram o nome do rapper nos seus cartazes, mesmo que meramente de forma simbólica. O Primavera Sound, o Cruïlla e o Festival de Jazz de Barcelona fizeram-no e muitos emitiram uma nota de imprensa que condena a “violação da liberdade de expressão”, noticia o ABC Catalunha. “Cada vez que um músico é condenado pela sua música, no Primavera Sound sentimo-nos tristes”, pode ler-se no site do festival.

Em Portugal, os rappers estão a salvo?

Não são poucas (e bem) as letras interventivas, de crítica social, de descontentamento, dos rappers portugueses. Fomos conversar com Magda Rodrigues, advogada na FaF, para perceber se à luz das leis portuguesas poderia acontecer algo semelhante. A advogada frisa que é “aberrante enquadrar as letras de uma música num crime de incentivo ao terrorismo e que em Portugal, felizmente, não temos memória recente deste tipo de casos”. E acrescenta ainda que “na prática são delitos de opinião, que é coisa do tempo da outra senhora”. Magda Rodrigues diz que à luz do nosso direito interno, o crime que poderia estar em causa seria “de difamação e nunca um crime de incentivo ao terrorismo”. “Quanto muito, seria um crime de difamação especialmente agravado, devido ao modo de divulgação”, explica, acrescentando ainda que, se assim fosse, “o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias — uma moldura penal manifestamente inferior à espanhola, sendo que a medida concreta da pena aplicada nunca seria a de prisão”. A advogada toca ainda no ponto que nos salta ao pensamento, a liberdade de expressão, e relembra que “temos de considerar que numa sociedade democrática, a liberdade de expressão reveste a natureza de verdadeira garantia institucional, impondo por vezes, um recuo da tutela jurídico-penal da honra”.

 


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