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Publicado a: 05/01/2018

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[TEXTO] Núria R. Pinto

Lisboa é um trabalho de sentimentos. Na verdade, a mixtape é um projecto mais do que necessário para colocar a cidade no centro das nossas histórias sem que nos tenhamos que agarrar ao que nos chega de outros contextos e com os bolsos já a deitar por fora de recibos de champanhe estupidamente caro e Balenciaga. E estar em casa já é metade do “sentir”, convenhamos. Tem todas as cenas de sexo, paixão, amor, rejeição e frustração que cada um de nós reconhecerá quase instintivamente. E este talvez seja o primeiro dos muitos sinais de inteligência de um artista como Richie Campbell. Todos, sem excepção, já sentimos aquilo.

Se é claro que a maioria não tem que lidar com o facto de ser um músico com dezenas de milhões de visualizações no YouTube, todos conseguimos pegar muito bem no que ali está escrito e colá-lo como um post-it à nossa realidade. No entanto, óbvia é algo que Lisboa não é. Principalmente para os ouvidos mais distraídos ou para aqueles que — e ainda os há — se recusam a assumir o gosto ou a “crescer” com ele. E lamento informar: não há como não. Já lá vamos.

 



A Lisboa de Richie Campbell precisa de ser ouvida uma e outra vez para conseguirmos perceber as referências constantes à cidade que se encaixam confortavelmente em “Midnight in Lisbon”, “Heaven” (“Make you feel good like Lisbon weather”) ou “Slowly” (“She hot like Lisbon in the summer”). É preciso passearmos pela cidade uma e outra vez para deixar de ser apenas uma mixtape irresistível para o balanço do corpo e se revelar um lamento à frieza, vazio e distanciamento das relações de hoje.

O mea culpa faz-se logo em “Midnight in Lisbon” (“Bridgetown man nah show no emotion”). A constatação de uma luta solitária às primeiras batidas de “Anyhow” – a faixa em que o zouk e o dancehall se encaixam para começar a deixar antever as características que o velho Campbell trouxe para o novo; e a eterna busca por relacionamentos e pessoas reais sem esquecer que existe uma luta constante entre essa mesma procura e a manutenção da liberdade, a preservação do ego e até o efeito que a espuma dos dias tem em nós (sim, timing is a bitch) nas faixas “Water” ou “Special”.

A auto-confiança de que se está no caminho certo, aliás, chega-nos em ameaça à primeira faixa. Uma introdução com a cidade a servir como pano de fundo para a entrevista editada de um Kanye West pós-808s & Heartbreak (a.k.a o melhor) ao VH1 Storytellers, em que explica que são poucos os artistas que crescem, realmente. E é aqui que Ricardo da Costa continua a marcar pontos.

 



Aquilo que Lisboa mostra é uma metamorfose que a explosão de “Do You No Wrong” já antecipava. Se me perguntarem, só consigo entender este caminho como o único possível para um artista que sempre soube posicionar-se para si próprio e para os seus fãs (e pares), num equilíbrio ténue e bem trabalhado de quem sempre teve muito contra e ainda assim nunca teve medo de arriscar. E fazer bem. Não podemos esquecer os braços que estende a Bridgetown e aqueles que representa.

Na balança de referências, é impossível ignorar Drake e toda a OVO. “Special” e “Slowly” são parentes próximos de “Hotline Bling” e “One Dance”, respectivamente. E até existe um certo quê de “Redemption”, tanto em Lisboa como no próprio artista.

O dancehall e o reggae continuam presentes, principalmente na segunda metade do trabalho, o que nos diz que uma possível re-definição de Campbell como um artista de r&b talvez não lhe fizesse jus por completo. Retirar-lhe as bases seria ignorar que foram exactamente essas influências que o fizeram chegar a um género muito próprio, mais plural e refinado.

 



E tudo isto seria impossível sem Lhast, claro. O produtor, esse sim, é quase unanimemente a figura do ano do r&b contemporâneo em Portugal e a ele se deve muito da nova sonoridade (e crescimento) de Richie Campbell. Um trabalho conjunto que torna difícil qualquer tentativa de aproximação num mercado como o português – reparem na qualidade (e nos milhões de visualizações) dos trabalhos com o selo “Lhast”.

Em termos de participações, poucos mas bons. Slow J irrepreensível, num ano que também foi seu, a trazer gravidade a uma das melhores faixas do trabalho. Plutónio a conduzir o barco em “Eyes Open” para a Lisboa que também é Moçambique. Sim, porque em “Rio” esta Lisboa também é Brasil depois de ser cabo-verdiana em “Slowly”.

Aqui do nosso miradouro, fica a suspeita de que o futuro será grandioso. Richie Campbell pode nem ser o teu artista favorito, mas é, muito provavelmente, o artista favorito do teu MC favorito.

 


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