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Publicado a: 02/11/2015

[RBTV] Em estúdio com Balla: Isto é “synth-porn”

Publicado a: 02/11/2015

 

[TEXTO] Bruno Martins [EDIÇÃO VÍDEO] António Barbot [FOTOGRAFIAS] Paulo Romão Brás

 

Entrar no estúdio de Armando Teixeira é, para quem gosta dos mundos da música e da produção, como pôr um pé num parque de diversões: ao contrário de outros produtores, as paredes deste espaço do “homem bala” não têm prateleiras recheadas de discos. Esses estão noutro espaço. Estamos numa sala meio insonorizada para não perturbar o sono dos vizinhos – “o de cima é que toca piano e acho que o ouço mais a ele do que ele a mim”, diz-nos – e as paredes têm prateleiras, mas cheias de teclados. Assim, à primeira vista, não conseguimos perceber muito bem quantos, mas diríamos mais de duas dezenas, do chão ao tecto, todos ligados – ou pré-ligados – a uma rack ali ao lado da sua mesa de trabalho, onde está ligada a mesa de mistura “que foi de José Cid, e que se calhar até esteve numa daquelas míticas gravações do famoso ‘10.000 anos depois entre Vénus e Marte’”, de 1978.

Claro que a conversa podia ser em torno deste “museu” – chamamos-lhe nós, até porque na parede está pendurado um baixo ainda hoje usado pelo músico, mas que pertenceu aos Heróis do Mar. Só que nos museus as peças normalmente estão apenas expostas, com sinais a dizer “não mexer”. Ora, isto não é um museu: isto são as ferramentas de trabalho. Cada um destes sintetizadores é peça fundamental da criatividade de Armando Teixeira. É como se fossem as caixas de vinis – ou bibliotecas digitais – em que os produtores se agarram na altura de ir fazer “chop” de samples. “Também já os usei, claro, mas não é o que me interessa agora”, salienta Armando Teixeira.

Aliás, há poucas coisas que Armando Teixeira ainda não tenha feito, ou tentado fazer, na música. Na década de 80, com o experimentalismo industrial dos Ik Mux, para depois, no início da década de 1990, conseguir vestir baggy jeans nos Da Weasel e cabedal preto nos Bizarra Locomotiva. Em 1996 editou um disco como Boris Ex-Machina e no virar da década assumiu-se como homem Balla. De há 15 anos para cá, Armando experimentou as facetas de Bulllet (onde criou a personagem ficcionada do espião russo Vladimir Orlov) e Knok Knok (projecto de banda desenhada com António Jorge Gonçalves). Isto sem contar com os inúmeros trabalhos de produtor que fazem parte da sua discografia.

Mas o que une toda esta diversidade sonora que é transversal ao músico e produtor ao longo de mais de 25 anos? A resposta está nestas quatro paredes que o Rimas e Batidas dá agora conhecer: a maquinaria de Armando Teixeira.


 

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Esta visita acontece por alturas do lançamento do seu mais recente disco, já nas lojas, Arqueologia. É o sexto de Armando Teixeira como Balla, um álbum que, depois de um trabalho com o foco claro na estrutura clássica das melodias em Canções, traz de volta o puro experimentalismo músico.

“O disco foi todo gravado aqui”, diz-nos. Vozes, percussões, baixos e guitarras, teclados e sintetizadores que puxam este trabalho para o universo da electrónica à qual Armando não gosta nem quer escapar. “Eu procuro usar os sintetizadores como instrumentos. Eles têm uma possibilidade de interacção que, mesmo sendo electrónicos, permitem-me ser orgânico. Nesta ‘Arqueologia’ quis fazer uma espécie de citação às bandas e à música de que eu gosto. É um disco que tem que ver com electrónica, mas não aquela electrónica muito perfeita”, explica. “A verdade é que não há nada parecido que me inspire na música electrónica actual”, lamenta, apesar de ter a noção de que existem “coisas muito boas coisas, mas que, na sua maioria, não deixam ver a alma dos projectos”. E dá exemplos das citações que vamos encontrando neste disco: “Gosto de Cabaret Voltaire, gosto muito do [David] Bowie do final dos anos 70 – dos discos de Berlim, que têm a experimentação, mas também as canções que são as duas coisas que me interessam. Gosto dos vocoders, que remetem para os Kraftwek; os ambientes de Morton Subotnick; os baixos inspirados em New Order; ou até castanholas que me fazem lembrar os Roxy Music.”

 

[“O MEU GOSTO PELOS SINTETIZADORES É CADA VEZ MAIOR”]

O ano passado, como Bulllet, o músico fez renascer a figura de Vladimir Orlov, com Cosmic Noise Vol.2, que trouxe de volta o projecto mais electrónico de Armando. Será que ajudou a despertar esta faceta exploratória de “Arqueologia”? “Bulllet tem uma aparência mais electrónica, mas, a meu ver, é tanto como Balla. Sinto que muita da música que se faz hoje é completamente electrónica, até muita da que é feita com guitarra e parece rock, muitas vezes é mais electrónica do que a de há 20 anos! Mas essa coisa da electrónica acompanha-me desde sempre e cada vez vai intensificando-se, porque o meu gosto pelos sintetizadores é cada vez maior, também porque obtenho deles uma satisfação muito maior. Vejo o sintetizador cada vez mais como um instrumento físico que permite interagir e expressar.”


 

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Apesar de tudo, o músico e produtor deixa bem claro que tal como este estúdio onde conversamos não é um museu, Arqueologia também não é “um disco de demonstração” ou de virtuosismo. De facto, não é. Aliás, pode muito bem ser o disco que mais… sintetiza todo o fascínio de Armando Teixeira pela criação de música. “Tenho uns quatro ou cinco discos na minha carreira que destaco como aqueles que, a meu ver, vão deixar marca: Bestiário dos Bizarra Locomotiva; os dois primeiros dos Bulllet – Lost Tapes e Torch Songs for Secret Agents -; e Le Jeu, dos Balla. Quando ouço esses discos, sinto que consegui fazer o mesmo agora neste: o nível de empenho, o não deixar pontas soltas…”

Este ano, em que também se celebram 15 anos de Balla, já foram editados dois importantes trabalhos discográficos neste universo das maquinarias electrónicas: Lost Themes, de John Carpenter, e Electronica 1: The Time Machine, de Jean-Michel Jarre. Dois nomes que são referências de Armando Teixeira, ainda que de forma diferentes: “No Jean-Michel Jarre gosto do empenho dele em relação aos instrumentos e à tecnologia, mas não consigo ouvir a música, apesar de já ter tentado ouvir muitas vezes. O [John] Carpenter é diferente, porque criou as bandas sonoras que continuo a adorar”, diz. Aos 47 anos, Armando não está interessado em “música de novos” ou “música de velhos”. “Há muitas bandas, como os Tame Impala, que têm muita dessa electrónica dos anos 1970. Há outros australianos, os Middnight Juggernauts, que também já tinham um fraquinho por esta electrónica. Tocar estes sintetizadores e ter um exagero de sons à disponibilidade e fazer o teu próprio som é muito inspirador!”

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