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Publicado a: 12/08/2015

Raposa: beats, sampling e o fascínio pelos 60s e 70s

Publicado a: 12/08/2015

 

[FOTOS] Direitos Reservados

 

A mais recente criação do rapper alentejano Suarez, que aqui veste a pele do seu alter-ego como produtor, Raposa, está disponível no BandCamp: Homemaderecycle tem igualmente uma edição física limitada e produzida artesanalmente pelo artista ODER. Lá dentro há 17 faixas carregadas de pó de vinil, com cheiro a funk e a jazz, e muitas soluções imaginativas na organização clássica dos samples.

A Raposa saiu entretanto do seu covil para responder a algumas perguntas do ReB e de caminho ainda nos ofereceu dois exclusivos que ficaram de fora do presente projecto.

 

A Raposa veio substituir o Suarez? Ou as duas identidades vão coexistir?

Não e sim: coexistem e completam-se. Visto a pele de Raposa quando produzo, é uma forma de diferenciar o beatmaker do rapper. A Raposa explora a vertente de beatmaking e beat live e o Suarez é o rapper. Ambos fazem parte do mesmo universo, mas desempenham papéis diferentes, inclusive ao vivo, com performances diferentes, embora colaborem.

Fala-nos deste projecto Homemaderecycle beatape. O facto de indicares que é um primeiro volume significa que vai haver desenvolvimentos? Qual é a ideia?

Quero fazer vários volumes. Tenho uma selecção de beats que separei ao longo do tempo e que agora quero compilar em diferentes volumes. Esta beat tape tem dois lados e deve ser escutada do início ao fim. O CD tem duas faixas com os temas misturados, é uma viagem com dois estados de espírito. O próximo volume já vai ter um mote mais conceptual e incluirá alguns vídeos. Este projecto é mais do que um conjunto de beats: para além de todo o processo de construção de um beat em casa numa máquina, quero mostrar às pessoas o que é isto dos beats e samples ao vivo. Para isso arranjei um set que toco na rua para promover e vender os meus CDs. A capa da beat tape é reciclada, cartão pintado e cada uma tem um desenho diferente. É mesmo handmade pelo meu bro ODER, que também me acompanha na rua.

Tratando-se de uma beat tape, será que ainda vamos ouvir MCs a cuspir em cima destes beats? Quem gostarias de desafiar a rimar aqui em cima?

Sim, claro que sim! Tenho uns showcases marcados e o Bully, MC da Cazota, vai acompanhar-me. Para esses showcases estou a convidar MCs locais e eles vão cuspir nos meus beats. Desafiava o Sacik Brow, Mascote, Cobra Preta, Kastro, Landim, Mundo, Virtus, Deau, Dillaz e o DJ Nel’Assassin – fazia-se uma mixtape muito pesada.

Aderes a uma estética boom bap clássica: quem são os teus mestres dentro do género?

Só soube o que era boom bap muito depois, nem me apercebia que o fazia. Um beat é um beat, o desafio é acertar o sample no BPM com o drum que me faz abanar a cabeça e cuspir umas rimas e o boom bap distingue-se por manter essa simplicidade. Por outro lado exige um grande trabalho de diggin’ e chop. Eu gosto da sonoridade e para além da estrutura da composição rítmica, melódica e até da ciência da engenharia sónica, está o cunho do som que define o beatmaker, mesmo que nem sempre tenham qualidade. “Hoje em dia as ferramentas são mais que muitas para fazeres o teu som soar igual ao do teu ídolo, mas a raiz da cena, a fonte, o método, és tu quem o define.” (J Dilla/GZA).

Não sentiste vontade de explorar sonoridades mais contemporâneas?

Que queres dizer com contemporâneas? Actuais, electrónicas ? O meu som é modelado e sintetizado electronicamente, está dentro do universo contemporâneo. Senti foi uma necessidade de não ter um formato canção, aborrece-me. Fascina-me a simples ideia de chopar o sample no segundo tempo e criar um ciclo diferente que vai alterar completamente o groove e a forma como montas o tema. Nós estamos a dirigirmo-nos para a era científica e de noise digital, as decisões criativas estão cada vez mais dependentes de estatísticas e planos megalómanos de estratégias de marketing. Existe um buraco entre a “música plástica” e “música intelectual” – “musica com alma” – e é nesse buraco que estou a explorar sonoridades. Charles Bradley está nesse buraco, sempre fez boa música, ainda que ofuscado pelos anos de ouro da máquina Motown. No meio deste ruído todo há muita coisa com qualidade a ser feita e que passa despercebida. Ainda estou a actualizar-me com o passado para inspirar o meu futuro.


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“Um beat é um beat, o desafio é acertar o sample no BPM com o drum que me faz abanar a cabeça e cuspir umas rimas e o boom bap distingue-se por manter essa simplicidade.”


Quais são as tuas ferramentas e tens alguma abordagem diferente do normal a essas ferramentas?

Habitualmente crio as bases na MPC 2000XL, passo para um software de edição, adiciono uns sintetizadores (SH 101) e peço a um instrumentista para sacar umas dicas – linha de baixo ou guitarra. Depois chopo esses arranjos e re-estruturo o tema. Por vezes produzo tudo na 2000, depende da finalidade da cena.

Onde apanhas estes samples?

Salvo algumas excepções, procuro originais, maioritariamente em vinil. Como sou adepto do sampling, acredito que o mínimo que posso fazer é ter a obra original. Tenho o hábito de comprar discos velhos em lojas de usados, gosto de sentir que tenho um sample à frente, palpável. Não é só o ficheiro: é a peça, a obra, e sob essa filosofia sinto que não desrespeito o autor e até tenho o direito de usar esse excerto para construir a minha própria obra e dar continuidade ao trabalho do autor. Ainda existe o preconceito, “…o pessoal do hip hop usa um sample e mete um beat por trás e está feito, não percebem nada de música…etc…etc…”. Convém não esquecer que os produtores de hip hop têm um gosto musical bastante eclético e rico porque a base da sua produção é misturar sons de diferente géneros para criar o seu próprio género. Infelizmente para uns, felizmente para outros, o hip hop é actualmente o género predominante na cadeia da indústria musical, não existe nada considerado fresco que não tenha uma influência ou expressão corporal ou visual relacionada, e nem estou a falar apenas de moda. A cena existe no quotidiano das pessoas, todos têm um primo que faz beats e rimas, todos conhecem o dread que dança bué na escola e muitos já riscaram uma parede. A cena faz parte da nossa geração.

Que se passa com a música dos anos 60 e 70 que exerce um fascínio que parece não se esgotar?

Tenho uma teoria de que isso se relaciona com o estado social da época. A opressão e discriminação raciais contribuíram bastante, a instabilidade social criou escapes e subterfúgios que o ser humano procura canalizar através da energia positiva das expressões artísticas, que são uma forma de encontrar equilíbrio e tranquilidade. O início do movimento feminista também teve o seu papel, iniciando a quebra do tabu do sexo, e com a sociedade a exigir liberdade de expressão os movimentos artísticos impuseram-se com sucesso – veja-se o exemplo de WoodStock. Apesar das restrições, ainda não existiam os acordos que há hoje entre a sociedade e o estado com o sistema monetário – ainda que estejamos reféns desse sistema e do consumismo. Todos estes factores influenciaram a música e tudo o resto que se fez naquela época.

Por ande vais andar nos próximos tempos para apresentar a beat tape?

Este mês vou tocar no Ph8, em Beja (dia 24), no Golden Dust, em Quarteira (26), no Flow Urban Shop e Link, em Faro (27), no Taifa, em Setúbal (28), e no La Movida Bar, em Porto Covo (29 e 30).

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