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Publicado a: 30/07/2018

Sou Quarteira: uma ideia que se transformou numa procura pela identidade de uma cidade

Publicado a: 30/07/2018


[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTOS] Nash Does Work [VÍDEO] Sara Mendes

Chegar a Quarteira no final de Julho é esquecermos que estamos no meio de um dos Verões mais frescos das últimas décadas. As temperaturas altas e o céu azul recebem-nos como a qualquer turista que tenha decidido (e bem) que o Algarve seria o sítio ideal para aproveitar as férias. Deste lado, o propósito era outro: o “ano zero” do Sou Quarteira, um festival embrionário que pretendia, acima de tudo, juntar a comunidade e apresentar uma sólida e diversificada oferta musical que serve como espelho do que se está a passar na própria cidade, mas não só.

Acabados de chegar ao Jardim Filipe Jonas, Tito, uma daquelas figuras locais que todos conhecem, recebeu-nos com entusiasmo. Naquela altura, era impossível perceber que se tornaria uma das personagens principais desta reportagem, mas o sorriso pueril e o entusiasmo eram só por si dignos de nota. Mas adiante. Lá chegaremos. Antes de qualquer artista subir ao palco, Slow J e Wet Bed Gang foram nomes escolhidos para testar o sistema de som. Quem sabe se para o ano não estarão lá a animar as hostes…

Naomi Guerreiro, Dino D’ Santiago, Inês Oliveira e Miguel Jacinto criaram uma proposta séria e moderna que é um reflexo das experiências que trazem “lá de fora”: os dois últimos vivem e trabalham em Londres e o autor de “Nova Lisboa” tem absorvido muito das viagens que a música lhe tem proporcionado. Em conversa informal com elementos da equipa técnica do evento, era notória a admiração que tinham por aqueles que foram procurar (e encontrar… ou fazer…) a sua sorte longe de Quarteira, mas que, e isto é o mais importante, nunca se esqueceram das raízes.

 



Os nomes escolhidos para o cartaz não poderiam ser mais acertados. Natural de Quarteira, Sacik Brow deu início à noite de concertos e mostrou que é um dos valores mais seguros do rap nacional. Sem entrar nas velhas questões dos regionalismos, é impossível vê-lo em palco ou ouvir as suas canções e negar a sua capacidade inata para rimar e contar histórias com cabeça, tronco e membros. Acompanhado por Fragas e DJ Sanches, o MC tocou temas mais antigos como “Histórias que Marcam” ou mais recentes como “A Morte do Artista”. Também aproveitou o “jogo em casa” para chamar Iniciado e, juntos, acelerarem no “Panamera”. Por esta altura, Tito dançava com os bangers e emocionava-se com as canções com temáticas mais emocionais. Se Sou Quarteira quer quem sue a camisola, não precisa de ir mais longe…

Com entrada livre, o público que marcou presença era diversificado: brancos, negros ou ciganos, novos ou velhos, homens e mulheres mostraram uma Quarteira que tem uma identidade que resulta da junção de diferentes vivências, culturas e origens.

 



A maior enchente aconteceu no momento em que Carlão subiu ao palco na companhia de DJ Glue, Bruno Ribeiro, Nuno Espírito Santo, Rui Berton e Gil Pulido . Distribuiu músicas de Quarenta, Entretenimento? (o seu próximo disco), Na Batalha e fechou a setlist com a remistura dos Buraka Som Sistema para “Dialectos da Ternura”, dos Da Weasel. Pelo meio, uma pausa para o DJ demonstrar as suas skills nos pratos e “Nuvens”, canção que levou Dino D’Santiago ao palco e que terminou com uma interpretação de “Ain’t No Sunshine”.

Durante as pausas, a equipa da Beyond fez questão de passar um vídeo — que podem ver aqui — uma pequena viagem pelos cantos da cidade e pelas caras que a fazem mexer. A morte de Bruno Floro, uma das pessoas que deu a cara pela cidade, poderia ter abalado o espírito festivo, mas, ao invés disso, serviu para reforçar a ideia de que é preciso celebrar as pessoas enquanto elas cá estão. Silêncio em Quarteira e Tito em lágrimas no meio do público. Um verdadeiro termómetro de emoções que deu, sem ninguém pedir, sangue, suor e lágrimas por um movimento que também o representa.

 



Depois de Carlos Nobre Neves apresentar algumas das suas produções ao público, Branko, o timoneiro da Enchufada, encerrou com pulso firme e mestria de quem já actuou para todo o tipo de públicos. Demorou a aquecer, mas faixas como “MPTS” e “Na Quebrada” são vírus que atacam o cérebro de quem as ouve e obrigam o corpo a mover-se com intensidade desmedida. Não era por acaso que se viam pessoas a dançar na audiência, no backstage e em cima do palco.

Como ficou óbvio, o movimento Sou Quarteira quer, entre uma série de objectivos, unir as pessoas da cidade algarvia, celebrar o talento local, mostrar que ali sabem receber os melhores e mais fascinantes artistas nacionais e, de certa forma, dar a conhecer diferentes realidades que sejam uma fonte de inspiração para aqueles que almejam mais mas se sentem limitados pelo sítio onde nasceram.

Em noite de eclipse lunar, o fenómeno mais importante aconteceu cá em baixo, no meio das pessoas, da música e da celebração de uma nova identidade que ainda está a ser moldada. Se a edição experimental foi assim, imaginem o que aí virá…

 


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