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Publicado a: 20/02/2018

Papillon: “Há muito sangue meu neste projecto”

Publicado a: 20/02/2018

[TEXTO] Alexandra Oliveira Matos [FOTO] Direitos Reservados 

Já lhe conhecíamos as dicas afiadas na Liga Knock Out, as barras em beats divididos a cinco em GROGNation e o jogo de sinónimos em “Pagar as Contas” de Slow J. Papillon tem adiado a sua apresentação a solo. Ou, como diz, “foi mesmo uma questão de encontrar o timing perfeito”. Está a chegar Deepak Looper, o primeiro álbum assinado pelo rapper.

“Impasse”, o primeiro single que conta com a produção de Slow J e contribuições de Fred Ferreira (bateria), Francis Dale (teclas) e Vasco Reis Ruivo (guitarra e realização do vídeo), já pode ser ouvido e, de acordo com Rui Pereira, o videoclipe que o acompanha “representa muito do que é o nutshell do álbum”. Acrescenta ainda que “o pessoal que gostar do clipe muito provavelmente vai gostar do álbum”. O primeiro trabalho do rapper que tem representado Algueirão-Mem Martins é feito sob a alçada de Slow J. Aliás, quem esteve na edição de 2017 do Festival Iminente tem a sorte de já ter ouvido uma das músicas que poderá estar no seu primeiro trabalho a solo, conta o MC entre risos. “Já há muito tempo que ele me incentivava a fazer um projecto e a dar os meus primeiros passos enquanto artista a título individual”, sublinha Papillon quando lhe perguntamos como foi trabalhar com João Batista Coelho.

O músico de Setúbal “teve mão em quase todos os beats, à vontade, 85 por cento deles”, assegura Rui. As letras são, claro, de Papillon. “Super orgulhoso” da escrita neste trabalho, confessa que houve espaço para ir para caminhos onde nunca foi ou que não tinha tido a oportunidade de ir com o grupo. No campo dos desejos, Rui quer que Deepak Looper o leve “aos ouvidos das pessoas certas, às pessoas que realmente precisam de ouvir este projecto”. E sublinha ainda: “numa altura em que mais precisei, a música, o rap, foi uma ferramenta muito bacana para eu conseguir dar sempre a volta por cima”.

 



O que podemos esperar de Deepak Looper?

Podem esperar uma identidade própria. De certa forma, é a primeira vez que tenho uma oportunidade de me apresentar devidamente ao público e ao mundo pela minha própria voz. Se eu tivesse que comparar com outras formas de apresentação… na Liga Knock Out, que é uma batalha, as pessoas só terão acesso a uma parte da minha pessoa e em GROGNation têm outra parte. Acho que este projecto vai ser algo um bocado mais conclusivo e dá uma perspectiva mais honesta daquilo que eu realmente sou.

E a música “Terra Prometida” com o Charlie Beats é outro bocadinho de ti?

Pode-se dizer que sim, se bem que esse projecto foi mais trabalho do Charlie. É óbvio que fui eu que escrevi e a narrativa é minha, mas eu só fiz esse som por ser o Charlie e por ser o projecto do Charlie e por eu e ele nos darmos muito bem. Mas sim, é um som com o qual me identifico bastante.

Qual é o conceito deste teu primeiro álbum? Ao nível de temáticas, líricas…

Ai, eu não posso dizer isso, não posso mesmo dizer isso. Vai ter de ficar, em primeiro lugar, à interpretação de quem vai ouvir, e, em segundo lugar, prefiro falar mais sobre o álbum depois de ele estar cá fora no mundo. Não quero estar a spoilar nada e acho que o pessoal tem que ouvir para eu poder dizer alguma coisa.

Em relação ao primeiro single, o “Impasse”, podes levantar um bocadinho o véu?

Posso dizer que este videoclipe representa muito do que é o nutshell do álbum, o núcleo do álbum vai ser muito representado. Por isso, acho que o pessoal que gostar do clipe muito provavelmente vai gostar do álbum.

E o que queres dizer com Deepak Looper? Deepak significa “profundamente”?

Quase, quase, é quase isso. Isto tem um bocado a ver com coisas que aconteceram ao longo da minha vida e a junção de dois nomes de que eu gosto e que na minha cabeça fizeram algum sentido. De certa forma são o nome do tema e do conceito do álbum. Deepak é um nome de origens orientais e representa lamparina ou luz, neste caso.

Trabalhar com o Slow J: como é que está a ser?

Em primeiro lugar, trabalhar com o Slow J está a ser do caraças. Ele é o meu evil twin ou eu é que sou o evil twin dele. Sim, acho mesmo que eu é que sou o evil twin dele! Está a ser muito bom, foi uma experiência muito fixe e foi muito rápido. Na minha cabeça foi muito rápido, foi intenso e num curto espaço de tempo. Acho que nunca fiz um projecto em tão pouco tempo porque o núcleo todo do projecto foi feito praticamente em 3 ou 4 meses e depois foi só acertar detalhes e pequenas coisas para tornar tudo muito mais coeso. A minha experiência de trabalho com o Slow J tem sido mesmo impecável. Este projecto só acontece por causa dele, principalmente nestas condições e neste timing. Já há muito tempo que ele me incentivava a fazer um projecto e a dar os meus primeiros passos enquanto artista a título individual. Mesmo quando estávamos a fazer o “Pagar as Contas” para o álbum dele, ele incentivava-me. A primeira música que eu fiz sozinho e gravei sozinho — que não vai entrar no álbum porque foi uma música muito prematura na altura — foi com ele também e muito pelo incentivo dele.

Essa música não saiu nem vai sair? É aquela que cantaste no Iminente?

(risos) A música que cantei no Iminente é possível que saia, não sei, vamos ver. Mas essa outra não vai sair. É uma música que foi bacana de ser feita, mas acho que não está ao nível de tudo o resto que foi feito daí para a frente.

Os instrumentais do álbum são todos do Slow J?

Em relação aos beats, o trabalho que nós fizemos foi de produção executiva do Slow J. Ele teve mão em quase todos os beats, à vontade em 85 por cento deles. Sendo que tivemos participação de outros produtores de quem eu não quero dizer o nome para já, mas foram produtores de peso de hip hop nacional e, principalmente, meus amigos. Isso é o que me importa, sinceramente! Mas são produtores muita muita rijos que entraram no álbum. O que aconteceu foi: como o Slow J estava a fazer produção executiva, e tanto eu como o Slow J estávamos a produzir o álbum, se os beats precisassem de um power extra ou de uma dinâmica diferente, levavam algumas alterações. Porém, as ideias iniciais foram beats de outros produtores. Apesar de 85 por cento deles terem sido criados por mim e pelo Slow J. Ele é as mãos e o cérebro e eu fui mais o cérebro para dizer, “vamos tentar ir mais para aquele lado ou mais para aquele”. Basicamente foi essa a ideia que encontrámos.

Também é uma estreia para ti entrares nessa parte da produção de instrumentais, ou não?

Eu não quis deliberadamente fazer isso porque me quis focar na escrita e naquilo que eu sinto que sou bom a fazer que é escrever músicas e criar narrativas e isso tudo. Deixei a parte da produção mais para o lado do Slow J, mas é óbvio que tanto de um lado como do outro houve troca de influências, houve colaboração tanto da minha parte para a produção, como da parte dele para a escrita. Por exemplo, se eu estivesse a escrever uma coisa e ele tivesse uma ideia bacana sobre a forma de terminar uma frase ou algo assim, também dava esse input. Aí discutíamos se avançava ou não. Portanto, foi um trabalho muito colaborativo e de dar espaço à criatividade tanto de um como do outro que fizeram as coisas resultar.

E a nível de escrita, estás orgulhoso do teu trabalho?

Super orgulhoso [risos].

Vai ser muito diferente daquilo que tens feito até aqui?

Pois, isso eu não te sei dizer. Uma coisa que sempre fiz foi ser muito honesto comigo próprio quando estou a escrever e tudo o que digo ou é dos meus olhos ou é a minha perspectiva, sai de mim. Nunca estou a falar por outras pessoas, estou a falar por mim. Acho que isso é um elo de ligação que vai ser sempre comum a tudo o que eu escrever. Só que neste projecto a oportunidade de poder fazer as coisas de uma forma mais própria, sem ter que estar a fazer em prol do meu grupo GROGNation, dá-me espaço para ir para caminhos onde nunca fui ou que não tive a oportunidade de ir com o grupo. Não é que isso seja necessariamente uma cena má ou boa, é uma forma diferente de ver a minha escrita e de ver até onde é que posso ir com a minha escrita só pelo simples facto de aqui estar só dependente de mim próprio. Fazer música com GROGNation é muito fixe, mas tinha sempre que passar pelo processo de unanimidade. Por mais que tu escrevas muita bem, tinha que sempre bater certo com as outras quatro cabeças. Neste caso eu tive a liberdade de fazer o que quisesse, de ir para os temas que quisesse e isso é diferente daquilo que fiz até agora.

O Slow J dizia no Iminente, em entrevista para o Rimas e Batidas, que quer fazer algo como o Vhils. “Eu olho para o Vhils e ele está a correr o mundo com os mesmos rapazes com quem pintava comboios”. És o primeiro nesse sonho do Slow J?

[risos] Olha, o que eu te posso dizer em relação a isso é só que o Slow J é um gajo muito especial, um puto cinco estrelas. A forma como ele trabalha, a forma como ele está na vida é uma forma muito bacana de se estar e eu identifico-me bastante. Em relação à tua pergunta, acho que só ele é que pode responder a isso, se ele está a conseguir ou não. O que está a acontecer neste momento é que eu e ele trabalhamos muito bem, temos uma compatibilidade muito forte e se isto é um início desse sonho dele, só ele é que consegue responder. Eu, enquanto Papillon, Rui Pereira, estou muito contente na posição em que estou e em poder estar a trabalhar ao pé dele porque ele só torna tudo o que eu faço 30 vezes melhor.

Já rimas mais ou menos há seis anos, não é?

Comecei a rimar com GROGNation para aí em 2011, por isso sim, seis, sete anos.

E porquê só agora um álbum a solo? Já disseste que foi o Slow J que incentivou, mas houve mais alguma razão para o fazeres agora?

Por um lado acho que eu sempre dei muita prioridade ao grupo, a GROGNation, e sempre fiz as coisas muito em prol do colectivo. Nunca priorizei fazer nada individual. O que acontece é que estivemos 5 ou 6 anos sempre a rasgar, sempre a rimar, sempre a fazer projectos ano após ano e toda a gente já tinha feito coisas a título individual. Eu ainda não tinha feito nada, juntando ao facto de eu sentir uma certa pressão em fazer algo individual no timing certo — que era positivo –, acho que significava que eu estava a fazer as coisas como deve ser. Nunca quis colocar-me à frente do grupo nem quebrar a dinâmica que sempre tivemos ao longo dos anos. Foi mesmo uma questão de encontrar o timing perfeito para poder trabalhar neste projecto e avançar. Eu falei com o Slow J há uns tempos sobre isso. Para além da questão do timing era a questão das condições, de eu reunir condições suficientes para poder fazer este trabalho. Antes de fazer este projecto, eu estava a trabalhar para juntar dinheiro e criar este álbum. Depois também começaram a surgir artistas, como o Slow J, que me motivaram a querer fazer um grande projecto. Tudo isso me motivou.

O facto de o pessoal de GROGNation estar a lançar a solo significa que, de alguma forma, vai haver uma pausa no colectivo? Terão menos tempo para concertos do grupo?

Não, não, longe disso. Quando começámos o grupo sempre ficou bem patente a ideia de que nós eventualmente iríamos fazer trabalhos a título individual. Não sabíamos quando, mas isso já era uma ideia bem assente e todos tinham liberdade para fazê-lo. Por isso é que o Harold conseguiu fazer o álbum dele na altura que fez, o Prizko e o Neck já têm algum trabalho e têm canais próprios de YouTube, o Nasty lançou o projecto dele há umas semanas. Portanto, criámos espaço e liberdade para cada um poder exprimir-se até porque temos plena consciência de que isso é que vai tornar o nosso elo e a nossa dinâmica de grupo mais saudável, para não haver ideias reprimidas nem nada disso. Como eu já disse, tudo o que fazemos passa por um processo de unanimidade em que nós temos que estar todos de acordo para as coisas avançarem e às vezes nesse processo podem haver ideias reprimidas e essas ideias podes exprimi-las a título individual sem problema algum. Acho que toda a gente já teve oportunidade de pisar esse espaço e eu só sou o último gajo do grupo a fazer isso. Mas não, não vai haver nenhuma pausa no grupo. Aliás, estamos a continuar a trabalhar. Simplesmente estamos a tentar criar mais ramos nesta árvore para continuarmos a fazer aquilo de que gostamos: música.

O que sentes que tens de diferente para dar à cultura hip hop?

Não te sei mesmo responder a isso. Acho que é uma pergunta que só as pessoas que me ouvem ou que me acompanham é que podem responder. Eu só consigo ser eu próprio e sinceramente eu não sei se tenho alguma coisa de diferente para oferecer à cultura hip hop que já não tenha sido feita. Não digo isso para ser falso humilde ou assim, é simplesmente ter plena noção daquilo que sou enquanto pessoa e das influências que tive para começar a fazer música. Portanto, não sei o que posso trazer de diferente. Sei que no final do dia dou sempre o melhor de mim nas coisas que faço e isso é aquilo de que me orgulho de fazer. Vou fazer sempre o melhor que conseguir na altura, nunca vou ser desleixado ou prender-me ao confortável da cultura hip hop. Vou sempre querer fazer as coisas o melhor que posso e sei, com a vantagem de ainda poder estar aqui e ter aprendido algumas coisas e poder executar essas coisas que aprendi ao longo do tempo. É isso [risos], só consigo dizer que sou um gajo esforçado. O resto é o pessoal que tem de ver e ouvir e interpretar as coisas que digo da forma que melhor souber.

Que esperas como resultado deste álbum?

Eu gostava que fosse muito bem recebido pelo público. É um projecto que, a meu ver, sou eu. Não há grande volta a dar. Há muita coisa minha neste projecto, muito sangue meu. Se as pessoas não gostarem não há muita volta a dar porque eu não vou conseguir criar uma persona para as pessoas gostarem de mim ou ter que fazer caminhos diferentes deste que estou a fazer neste momento. Tudo o que fiz até agora foi um processo muito orgânico e genuíno da minha parte. As pessoas gostarem ou não é a lei da vida. Sei que foi feito com muito gosto e muito carinho. Espero que corra tudo muito bem e que me leve pelo menos aos ouvidos das pessoas certas, às pessoas que realmente precisam de ouvir este projecto e dessa forma cumpra o propósito dele que é transmitir o que me foi passado. Numa altura em que mais precisei, a música, o rap, foi uma ferramenta muito bacana para eu conseguir dar sempre a volta por cima.

 


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