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Publicado a: 12/03/2017

Os universos opostos de Mount Kimbie e Conjunto Corona superaram os restantes no 2º dia do Lisboa Dance Festival

Publicado a: 12/03/2017

[TEXTOS] Alexandre Ribeiro/Manuel Rodrigues/ Ricardo Farinha [FOTOS] Direitos Reservados

Mais público, mas o quadro era semelhante ao primeiro dia: muitos estrangeiros, a representarem uma quota considerável da audiência do festival. Nada incomum: o espaço propõe-se a isso e a música também, juntando nomes diversificados com uma missão apenas: dançar.

No segundo dia, Mount Kimbie, cerebrais a criar electrónica, e Conjunto Corona, os foras-da-lei do rap nacional, destacaram-se, mas a festa fez-se também nas actuações de Hunee e George Fitzgerald, autênticos terramotos que “racharam” a pista de dança da Fábrica XL.


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[CORONA @ CLUBE ANTENA 3 ] 

Olharmos para a programação do segundo dia e repararmos que o Conjunto Corona iria actuar numa livraria foi, de certa maneira, surpreendente. Era um dos concertos mais esperados para o festival, muito por culpa das reportagens de Francisco Noronha e Ricardo Farinha e do Cimo de Vila Velvet Cantina, o excelente disco que traziam na bagagem.

Sempre a mil, chegámos em cima da hora e os transgressores do Norte já espalhavam pornografia musical para uma casa composta. Durante o concerto, que durou mais de uma hora, o Homem do Robe, Logos, dB e Kron Silva foram o mais punk possível no contexto em que estavam inseridos, não faltando o clássico hidromel para distribuir pela audiência.

Deu para tudo: “Meio Crocodilo” com Mike El Nite — tão bem que fica no mundo retorcido de Corona —, um membro do público subiu a palco para acompanhá-los durante “Mão no Prato” e gritos de apoio a Gondomar. Não sei o que é que é torna tudo tão irresistível, mas temos algumas ideias: os beats de dB são do melhor que se faz em Portugal e Logos e Kron Silva criam universos tão esquisitos quanto vívidos nos seus versos. “Parecia o Adolfo Luxúria Canibal”, atirou dB acertadamente depois do final pesado de “Bangla”, deixando a questão: Em quantos mundos vive Corona?

Apesar de nos discos anteriores termos pérolas que prometem perdurar na nossa memória, o disco lançado em 2016 foi o que trouxe o maior número de hits: “Chino no Olho”, “Fruta da Ilha”, “Mafiando Bairro Adentro” ou “Redenção na Igreja dos Grilos” — “baby jesus don’t cry” vai ficar em loop na vossa cabeça — são canções despudoradas que encontram redenção na boca do público. É nocivo: quando entram em Cimo de Vila, o mais provável é nunca mais saíres de lá…

Um espectáculo surreal e cómico onde nem precisamos de consumir qualquer tipo de drogas ou álcool para sentirmos que estamos num local totalmente diferente. É possível que não exista conjunto tão entusiasmante como este nos últimos anos. Não acreditam? Comprem um bilhete para um concerto deles…

– Alexandre Ribeiro


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[MOUNT KIMBIE @ FÁBRICA XL] 

A música dos Mount Kimbie consegue agregar e desenvolver primorosamente duas importantes componentes: melodia e ritmo. No exercício ao vivo, como é possível comprovar no palco da Fábrica XL, ambas as vertentes ganham uma dimensão à imagem da sala que as acolhe. As melodias, na esmagadora maioria das vezes complexas e arrastadas, criam diversos e apaixonantes ambientes, rasgando os altifalantes numa missão de serenidade e paz. O ritmo, que nos estimula o corpo a sair do estado de inércia, oscila entre a calma e a agitação, como as ondas do mar à mercê do vento. Nesse mesmo oceano, pessoas flutuam como bóias deixadas à deriva, unidas por uma única e resistente corda, a harmonia.

Para que tal seja possível, Kai Campos e Dom Maker fazem-se acompanhar de outros dois elementos e por uma parafernália de equipamento de fazer inveja a qualquer loja especializada na matéria. Para além da bateria e da guitarra, talvez os instrumentos mais fáceis de identificar, os britânicos trazem consigo uma quantidade absurda de teclados e sintetizadores, que se dividem entre ambientes e linhas de baixo, concedendo aos músicos a liberdade de trocarem de posições consoante a música, o que cria, propositadamente, uma interessante dinâmica de palco.

Porém, e apesar do quadro que se apresenta perante nós, não nos podemos deixar enganar por aquilo que os nossos olhos vêem. A guitarra, apesar de o parecer, não o é. Soa mais a sintetizador do que a outra coisa qualquer, o que sugere que possa estar ligada a uma das trezentas mil máquinas que, neste preciso momento, povoam o palco. A bateria, também essa enganadora, não surge solitária no papel rítmico – há pratos de choque e outros pormenores de percussão a serem lançados a partir de um pad montado na linha da frente, assim como outros apontamentos disparados sabe-se lá de onde. “Carbonated”, “Before i Move Off”, “Maybes” e “Made to Stray” são algumas das músicas interpretadas, num concerto de elevado nível de qualidade e capacidade.

– Manuel Rodrigues


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[HERCULES & LOVE AFFAIR @ FÁBRICA XL] 

Simpáticos e afáveis, os Hercules & Love Affair entraram no palco da Fábrica XL com um “Boa noite, Lisboa”, num sotaque norte-americano pouco carregado. Uma promessa chegou logo a seguir: “Vão ser as primeiras pessoas do planeta a ouvir alguma música nova que temos feito.”

O projecto do DJ Andy Butler, que inclui neste momento Rouge Mary e Gustaph, desfilou temas dos seus discos Blue Songs, The Feast of the Broken Heart e o álbum de estreia homónimo, editado em 2008, para os seus fãs — e parece que havia uns quantos na Fábrica XL a julgar por meia-dúzia de T-shirts na audiência e de uns quantos gritos mais excitados. Pelo meio, chegaram as prometidas novidades, no habitual registo minimalista-dançável do grupo.

Apesar da presença de fãs dedicados, o concerto foi morno e não conseguiu cativar grande parte do público que naquele momento aproveitava para matar a fome ou espreitar as actuações de Branko, Clap! Clap! ou Holy Nothing nos outros palcos.

Ricardo Farinha


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[HOLY NOTHING @ CLUBE ANTENA 3] 

No Lisboa Dance Festival, a palavra de ordem é dançar. E os Holy Nothing são peritos nesta missão. Baixo gingão, a provocar o choque entre as moléculas que encontramos na atmosfera da livraria Ler Devagar; sintetizadores orelhudos, que se passeiam livremente sobre toda a cama de graves, enriquecendo, assim, o espectro de frequências; ritmos irrequietos, que procuram ser muito mais do que uma mera marcação de tempo. Os comandantes de serviço são Pedro Rodrigues, Nelson Silva e Samuel Gonçalves, três músicos constantemente preocupados com a forma como a mensagem está a viajar do emissor ao receptor – são várias as vezes que fazem sinal a um dos elementos do público, certamente omnisciente na matéria, para saber se está tudo equilibrado.

Aquilo que ao início prometia ser um concerto, rapidamente se transforma numa aula de aeróbica, motivada pelo público e a sua vontade de não ser mais um simples abanador de capacete. Há quem sacuda o corpo num eficaz acto de exorcismo (ou catarse, ou purga, como lhe quiserem chamar…) e quem tente, a todo o custo, estar com os pés no chão o mínimo de tempo possível, como se fossem faquires destreinados a pisar uma cama de pregos. O mesmo acontece no B2B entre Riot e Nuno Forte, escassos metros ao lado, na KIA RIO room, antiga recepção do hostel Dorm. Drum & Bass electrizante, salvo uma ou outra incongruência nas passagens, e uma sala completamente ao rubro. A palavra de ordem é dançar, e está a ser cumprida com rigor.

– Manuel Rodrigues


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[HUNEE @ FÁBRICA XL] 

O DJ e produtor holandês deu um dos últimos pontapés de partida para a derradeira noite desta edição do Lisboa Dance Festival. O público enchia grande parte da Fábrica XL e a animação por esta altura já era notória. Hunee é um grande digger de música que cruza frequentemente sonoridades díspares — há boogie, música africana ou disco, mas também house e electrónica da pesada. Em Lisboa, entregou ao público um set construído com pés e cabeça (além de muita ginga corporal).

A disco e a electrónica recheada de soul e saxofones começou por fazer movimentar a pista e aquecê-la, até que o DJ cedeu e mergulhou nas profundezas dos graves da electrónica, num caminho pavimentado que iria levar até ao techno. À nossa volta, a plateia parece estar a gostar da prestação de Hunee, um dos DJs mais competentes a passar este ano pela Lx Factory.

– Ricardo Farinha


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[GEORGE FITZGERALD @ FÁBRICA XL] 

No que a hardware diz respeito, a performance do cabeça de cartaz da noite é um perfeito contraste com a dos Mount Kimbie. Uma mesa de mistura e um leitor de CDs (e um computador, talvez…) chegam para o DJ britânico fazer a festa. No fundo do palco, a projecção vídeo – numa espécie de mapeamento das arcadas de pedra da FÁBRICA XL a fazer lembrar os tempos em que ficávamos colados à componente gráfica do Windows Media Player (ondas, ondas e mais ondas…) – acompanha-o desde o início do set, secundada pelo pisca pisca habitual das luzes presentes no espaço.

Poderá ser ilusão de óptica, ou efeitos do cansaço acumulado, mas, por esta altura do campeonato, momento em que o relógio marca as duas e meia da manhã, parecem estar mais pessoas do que no dia anterior, o que justifica a demora no acesso às casas de banho e o reboliço nas bancas de venda de bebida – as cotoveladas no seio da pista de dança também denunciam esta ideia. A música, por sua vez, destoa por completo da servida por Marcel Dettmann. Fitzgerald foca-se maioritariamente no house, apesar de visitar outros estilos vizinhos, contaminando a sala com construções dinâmicas e magnetizantes. Das músicas seleccionadas, destaque para “Teaser” de Few Nolder, “Rectum” de Fango, e uma remistura de “Colt” de Dense & Pika.

Chega assim ao fim mais uma edição do Lisboa Dance Festival. Para o ano há mais.

– Manuel Rodrigues

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