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Publicado a: 29/12/2017

Os 10 melhores álbuns de rap brasileiro de 2017

Publicado a: 29/12/2017

[TEXTO] Núria R. Pinto [ILUSTRAÇÃO] Abel Justo

2017 deixa muito a desejar. Apaguei e voltei a escrever esta frase meia dúzia de vezes até me sentir confiante de que seria a forma ideal para começar uma lista dos melhores do ano no hip hop brasileiro. Atenção: não é uma frase auto-explicativa da qualidade do trabalho que nos chegou de terras de Vera Cruz. Aliás, não poderia estar mais longe da realidade. A verdade é que 2017 deixa tanto a desejar ao Brasil quanto deve ao seu hip hop.

Precisamos recuar a agosto de 2016 e à impugnação de Dilma Roussef para perceber de que forma a crise política e social contribuiu para um dos anos de ouro do hip hop cantado em português do Brasil. Precisamos recuar a 2016 para olhar para “Sulicídio” de Baco Exu do Blues e Diomedes Chinaski como um aviso à tripulação de que o jogo estava prestes a mudar, e que 2017 era o ano. E foi.

O ano em que Djonga dá um murro na mesa onde só os brancos se sentam, é também o ano em que a Polícia Militar volta a intervir na Rocinha e, em São Paulo, o número de mortes pela polícia chega ao impressionante número 700. O mais alto desde 2002. O ano em que Rincon Sapiência canta a auto-estima preta como ela devia ter sempre sido é o mesmo em que as mulheres continuam a perder direitos – o de abortar em caso de violação, por exemplo. No fim da lista está, mais uma vez, a mulher negra.

2017 é o ano em que ouvimos o Nordeste rimar a hipocrisia da indústria pela voz de Don L e percebemos que “Poetas no Topo” talvez seja uma referência geográfica. É também o ano em que 12 milhões de pessoas perdem o emprego e assistem ao afrouxar da fiscalização ao trabalho escravo no país. 2017 deixa muito a desejar. Mas o ano em que os melhores discos brasileiros foram de hip hop, não é um ano bom. É a chegada do ano lírico.

 


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[BACO EXU DO BLUES] ESÚ

Começamos pelas aprendizagens: se há algo que percebemos com Diogo Moncorvo, o baiano de 21 anos que ao primeiro trabalho encabeça a lista dos imperdíveis de 2017, é que “a questão não é se estamos vivos. É quem vive.” Dizia ao ReB, em entrevista em Novembro passado, que não se preocupava tanto em desfrutar do sucesso conseguido, mas sim em abrir espaço para novas possibilidades. E é facto que o fez em 2016 com “Sulicídio” – o diss que meteu o Brasil de olhos postos no Nordeste, mas, e mais importante do que isso, de ouvidos fixados no hip hop nacional – e voltou a fazê-lo agora. Em Esú, o álbum-ode à identidade africana enraizada e desprezada pela sociedade brasileira, o MC chega para “abrir caminhos” e incomodar quem se acomoda. Canta tanto a auto-estima como a provação do povo preto logo na primeira faixa – “pretos de terno sem ser no emprego. Meus pretos de terno em festas que não sejam enterro” – para nos lembrar que, no Brasil de 2017, a única estatística que baixou foi a de mortes de pessoas brancas. Um álbum carnal, com paixão, vulnerabilidades e Carnaval, que já nasceu para ser um clássico.

Produção: TAS // Salvador da Bahia, Bahia, Nordeste // Setembro, 2017


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[DON L] ROTEIRO PRA AINOUZ, VOL. 3

À mesa de um restaurante japonês em São Paulo, em Novembro, Don L confessava que sentia que o Brasil não iria compreender nunca o seu álbum. Ainda antes disso, já falava ao ReB sobre como o sentimento de se perceber estrangeiro nos lugares para onde a vida o levou moldava a sua arte. Roteiro Pra Ainouz, Vol. 3 é um álbum de êxodos: de lugares e ideias. Um trabalho em que o cearense emigrado em SP expõe, em simultâneo, fracassos e ambições. Onde denuncia a hipocrisia da indústria musical e aponta a falta de senso crítico e auto-avaliação de quem se esconde dentro de uma caixa de comentários. Percebemos a suas suspeitas: de todos os listados, RPA3 é o campeão em profundidade lírica com um disfarce de simplicidade. Aquele que é necessário ouvir vezes e vezes para perceber novos detalhes a cada escuta. É como se costuma dizer: “parece fácil”. Acompanhamos de perto o crescimento de um artista e todas as suas fases, do descrédito à frustração, da depressão ao renascimento. Tudo para ver nascer um MC que, aos 36 anos, se despe de ilusões e chega com uma invejável clarividência da sua condição no mundo. Um álbum, tal como o próprio, grande demais para os lugares comuns.

Produção: Don L, Deryck Cabrera // Fortaleza, Ceará, Nordeste // Junho, 2017


heresia
[DJONGA] HERESIA

Estão a ver Gordon Ramsay a entrar num restaurante com todo o seu cavalheirismo britânico? E o mesmo Gordon Ramsay a entrar na cozinha imunda lá do sítio e a distribuir bifes de noção em camas de frontalidade impiedosa, com o nariz colado à vossa cara? Pois bem. “De onde viemos não compete o melhor flow, mas quem tem a melhor pontaria.” Se ainda não tiveram o prazer de conhecer o rapper de Belo Horizonte que não tem o mínimo interesse em meter açúcar no que pensa, talvez seja o momento certo. Djonga grita, Djonga vocifera e Djonga tem em Heresia a paixão e o não-conformismo que todos queríamos ter perante a injustiça, o preconceito e o comodismo. Aos 23, o rapper mineiro chega com um estilo inconfundível que, segundo o próprio, assenta nessa ideia de exagero e choque para fazer passar a sua mensagem. A bem ou a mal. O álbum ganha mais na vertente lírica e em referências – começando desde logo pela capa-versão do LP Clube de Esquina de Milton Nascimento – do que propriamente na produção. Sexismo ou hipocrisia, a relação com a polícia ou o preço da fama. Seja qual for tema, herege é quem se recusa à verdade.

Produção: CEIA Ent. // Belo Horizonte, Minas Gerais, Sudeste // Março, 2017


galanga
[RINCON SAPIÊNCIA] GALANGA LIVRE

Antes de Baco Exu do Blues cantar Esú, Rincon Sapiência dava a conhecer o conto fictício de Chico-Rei, personagem lendário que teria sido trazido, como escravo, do Congo para o Brasil e que teria conseguido comprar a sua alforria, tornando-se “rei” de Ouro Preto. Galanga Livre traz, novamente, as questões do racismo para a ordem do dia, com a particularidade de o fazer sobre uma base de música negra, funk e dancehall. O trabalho é, surpreendentemente, o álbum de estreia do MC de São Paulo. Surpreendente, pois chega com a maturidade de quem esteve todos estes anos a preparar a sua estreia com determinação suficiente para criar uma filosofia que a defina: o afro rap. “É esse conceito de beber da música afro e afro-brasileira que eu defino como afro rap. Esteticamente é o resultado que tem nas músicas “Meu Bloco”, “Ponta de Lança”, “A Coisa Tá Preta”, que é essa energia da música afro com a contemporaneidade do rap.”, revelava em entrevista ao ReB. A imprensa brasileira deu-lhe o prémio de Artista Revelação de 2017.

Produção: Rincon Sapiência, William Magalhães // São Paulo, São Paulo, Sudeste // Maio, 2017


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[nILL] REGINA

niLL, o alter-ego de Davi de Andrade, chegou em Julho com o primeiro álbum, Regina. Biográfico e mundano, o trabalho é uma homenagem à falecida mãe do MC, Regina, e diferencia-se dos lançamentos de 2017 por ter na produção lo-fi e no movimento vaporwave os seus traços mais marcantes — foi lançado na íntegra no YouTube como banda sonora para um vídeo em 16-bits. A lírica quotidiana e cheia de pequenos/grandes detalhes da vida real é cortada pelas conversas de WhatsApp entre família e está recheada de momentos em que a melancolia e o humor convivem entre si. Young Buda, De Leve, Rodrigo Ogi, Makalister e Xamã foram os MCs convidados a participar naquele que é, talvez, o trabalho mais “artesanal” da nossa lista. Como aquelas coisas que só as mães sabem fazer.

Produção: SoundFoodGANG // Jundiaí, São Paulo, Sudeste, Julho, 2017


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[RODRIGO OGI] PÉ NO CHÃO

Depois de Crónicas da Cidade Cinza e Rá!, Rodrigo Hayashi, ou Rodrigo Ogi como é conhecido, trouxe Pé No Chão para o catálogo do hip hop brasileiro de 2017. Atrelado ao lançamento de um modelo de ténis com a marca brasileira OÜS, o primeiro EP da nossa lista é um trabalho diferente daquilo a que o rapper de São Paulo nos tem vindo a habituar: com um registo bastante auto-biográfico, Pé no Chão tem no nascimento do primeiro filho do MC a válvula de escape para explanar as dores de ter crescido sem pai, a morte da mãe ou os problemas com o álcool. A produção, a cargo de Nave, evoluiu também para incluir sonoridades que se aproximam do trap ou do boom bap, no trabalho que é considerado o auge da maturidade de Ogi.

Produção: Ogi, NAVE // São Paulo, São Paulo, Sudeste, Outubro // 2017


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[BK] ANTES DOS GIGANTES CHEGAREM, VOL. 1

Talvez seja pouco consensual trazer para a lista um trabalho que se resume a 3 faixas e a meros 9 minutos de música, mas a verdade é que Antes Dos Gigantes Chegarem, vol. do carioca BK chega para dar corpo à máxima que quantidade não é qualidade. Surpreendendo tudo e todos, o EP do rapper que viu Castelos e Ruínas figurar no topo das listas de melhores do ano de 2016 surgiu em Outubro passado em jeito de antevisão para 2018. Antes dos Gigantes Chegarem, Vol. 1 é monumental sem que ninguém o precise de verbalizar. Com produção a cargo de El Lif Beatz e Jxnvs, as rimas fogem facilmente do padrão do rap brasileiro e deslizam de forma elegante e inata para o trap e o boom bap de peso.

Produção: El Lif Beatz, JXNV$ // Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Sudeste // Outubro, 2017


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[DIOMEDES CHINASKI e DJ CAIQUE] RESSENTIMENTOS II

Se o nome vos parece familiar talvez seja porque ao segundo parágrafo já a referência a Diomedes Chinaski acontecia: um dos responsáveis por mudar o rap game brasileiro, em meados do ano passado ao lado de Baco Exu do Blues, é o último representante da Região Nordeste nesta nossa lista e uma das entradas mais aguardadas antes do fecho do ano. O rapper pernambucano uniu forças com o gigante DJ Caique para criar Ressentimentos II / A origem do Sofrimento na Alma dos Compa$$a$, um EP em que a soul e o jazz são a base perfeita para a lírica emotiva, ora sensível ora agressiva, de Chinaski. Um projecto que, segundo o próprio, se foca nas “emoções reprimidas e herdadas das dificuldades da rua, da periferia e dos conflitos familiares que estão sempre presentes em nossas vidas”. Tido como um aperitivo do que aí vem, o EP conjunto foge da linha habitual do MC de ambientes, musicalmente, mais negros para dar lugar a uma abordagem clássica pelo beatmaker de São Paulo. Mais um trabalho em que a vulnerabilidade e a auto-crítica estão em destaque como, de resto, foi apanágio de 2017. Talvez tenha sido este olhar para dentro para só depois começar a olhar para fora que fez deste um ano pródigo em discos obrigatórios.

Produção: DJ Caique // Recife, Pernambuco, Nordeste // Novembro, 2017


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[FLORA MATOS] ELECTROCARDIOGRAMA

Na nona posição desta lista encontramos o primeiro álbum totalmente dedicado às paixões e aos (de)samores pela caneta da MC de Brasília, Flora Matos. Ao primeiro álbum a solo, a rapper expõe o sofrimento amoroso de uma forma terrivelmente crua, na qual qualquer pessoa que já tenha passado por uma decepção amorosa ou um relacionamento complicado irá encontrar paralelo. Transparência talvez seja o adjectivo certo para caracterizar Electrocardiograma: um álbum à partida mono-temático, mas no qual a MC explora com inteligência todas as batidas do seu próprio coração.

Produção: Flora Matos, Iuri Riobranco // Brasília, Distrito Federal, Centro Oeste // Setembro, 2017


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[SAIN] DOSE DE ADRENALINA

Dose de Adrenalina de Stephan Peixoto, o MC carioca conhecido por Sain e membro do selo Pirâmide Perdida, surge com suavidade em doses jazzísticas repletas de pequenos detalhes, samples e diálogos que o preenchem pacificamente. A adrenalina de Sain apresenta-se de forma subtil para nos lembrar que, talvez, seja mais importante cultivar a disciplina para ir ao encontro de uma paz continuada. Em momentos discutem-se a criminalidade, a família, o sexo ou as drogas. Noutros, a lírica é quase inexistente para dar lugar a momentos de nostalgia instrumental. Um álbum intimista que reflecte o dia-a-dia carioca de um MC que, aos 26 anos, se distancia cada vez mais da sombra do pai, Marcelo D2.

Produção: Pirâmide Perdida // Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Sudeste // Julho, 2017

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