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Publicado a: 04/04/2017

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[TEXTO] Amorim Abiassi Ferreira 

O ritmo de lançamentos de Oddisee é impressionante, especialmente quando temos em conta que ele é rapper e produtor de cada disco seu, facto que é igualmente garantia de qualidade de cada trabalho que assina. Então, o que é que 2017 traz até nós? The Iceberg. Não se desviando da rota escolhida no último EP, Alwasta, o artista explora e decompõe temas sociopolíticos como a desigualdade de géneros, doenças mentais ou islamofobia — neste caso, sentida na própria pele. Se tudo isto parece difícil comunicar de uma vez só, não se preocupem. Oddisee já tem anos de experiência para saber que quanto mais complexa a mensagem, melhor tem de ser a composição que a rodeia.

Para começar, apontamos as nossas forças à componente sónica que sustenta as palavras: as instrumentações ao vivo são, sem dúvida alguma, o ponto incontornável deste álbum. Os metais introdutórios em “Digging Deep”, a guitarra despreocupada em “This Girl I Know” ou a bateria tempestuosa em “Waiting Outside” são exemplos disso mesmo. Se há riqueza no som por toda a organicidade que instrumentos analógicos trazem, o grande feito é conseguir manter sempre isso em equilíbrio ao longo das músicas, algo que o experiente MC exibe com naturalidade nas cadências que emprega sobre as batidas.

No domínio das letras, os temas que The Iceberg aborda dão corpo ao nome que Oddisee construiu para si. Só que nem sempre o fazem com o tacto certo: “Hold It Back” aborda a questão da diferença salarial entre homens e mulheres, e o rapper encerra a questão comparando o desgosto por esta injustiça ao seu ódio por calções cargo. No outro lado do espectro, “You Grew Up” é um óptimo exemplo do uso da narrativa para abordar a brutalidade policial ou terrorismo. No entanto, são músicas como “Waiting Outside” que fazem jus ao nome do álbum, expondo a realidade de doenças de foro psicológico muitas vezes estigmatizadas dentro das comunidades de minorias norte-americanas. A parte visível de um icebergue esconde uma massa bastante maior debaixo da superfície.

Uma das mais subtis questões é reconhecida pelo artista na fenomenal música de fecho, “Rights & Wrongs”. O ritmo quente e dançante serve de base para que Oddisee pondere sobre como o Bem e o Mal podem transformar-se somente com uma mudança de perspectiva. Por consequência, ele admite que tem consciência da posição delicada em que se encontra: “I think I’m giving out advice / But all you hear is judgement on the way you live your life”. A linha entre sermão e mensagem é ténue e quem decide onde esta é traçada é sempre o ouvinte. Escusado será dizer que raramente ligamos a sermões, especialmente se não concordarmos com eles. Só que existem mensagens que têm de ser entregues e para isso vale a pena arriscar, falhar e repetir até acertar o tom — e é exactamente isso que Oddisee está comprometido a fazer.

 


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