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Publicado a: 20/07/2015

O “processo de fermentação de grooves” de Roots Manuva

Publicado a: 20/07/2015

[ENTREVISTA] Alex King [TRADUÇÃO] Ricardo Miguel Vieira [FOTO] Direitos Reservados

 

Roots Manuva tem tudo para ser o mais brilhante filho do hip hop britânico. Desde que editou o seu primeiro EP em 1995 [Next Type of Motion] que o rapper de Brixton tem suportado o género para lá da linguagem importada dos EUA, inovando e colaborando com artistas tão diversos como The Cinematic Orchestra, Beth Orton e os Gorillaz, espelhando como o talento conterrâneo pode superar barreiras e cravar o seu próprio caminho.

Por estes dias, o rótulo hip hop parece ser insuficiente para conter o som progressivo e experimental de Rodney Smith. Neste momento está a trabalhar num novo álbum e se o seu mais recente EP, Facety 2:11, que inclui produções de visionários como Four Tet e Machinedrum, é um trabalho a não ignorar, então o longo representará mais um gigante salto para o desconhecido.

 

Como é que abordaste Facety 2:11 face aos trabalhos lançados anteriormente?

É um processo familiar e, no entanto, a cada nova produção parece que estás a começar de novo porque as coisas continuam a mudar, as pessoas estão sempre a seguir em frente. Apesar de poder ser o mesmo método – terminar a gravação, masterizar, comunicar à imprensa, blá, blá, blá… -, cada novo álbum tem de renovar o teu eterno Peter Pan, abrir a tua mente, ser pensado da mesma forma inocente que te trouxe até aqui.

O que é que te mantém interessado no processo de feitura de um disco?

Interessa-me a edição instrospecta, manter-me numa ideia e conduzir a música por esse caminho, trabalhá-la e ver o que acontece. Aplicar todo o tipo de formas a essa música e ver se ela sobrevive. É quase como espartilhar a música para fazer uma música. No passado eu era mais “fuck it, this is it, o primeiro take é o melhor take, nunca o mudes, este é o pilar”. Mas agora há mais uma vontade em experimentar. Sempre fui de experimentar, mas agora há uma distinta evolução no meu conjunto de ideias. Aquele subtexto e diálogo, a experimentação da performance da palavra: querer que uma palavra seja mais do que apenas uma palavra, que seja camuflada e que ao mesmo tempo tenha múltiplos significados. Ser cativante e ao mesmo tempo apresentar um argumento e debate distintos e incomuns.

 


 


Quais foram as tuas primeiras ideias na época em que te lançaste na música?

No princípio foi rap, rap, rap. Apenas rappar sobre tudo e qualquer coisa. Rappar sobre um disco de Nice & Smooth, rappar sobre um ringtone, rappar uma música inteira através de um dictafone, rappar cenas através de headphones, na realidade gravar qualquer estupidez. Intermináveis gravações de freestyle. Tentar partir em busca de instrumentais antigos e interessantes e realmente encontrar o que quer que seja que eu gosto num break ou num drum.

O que é que se seguiu a este período de experimentação?

Capturar os ouvidos destreinados. Os meus filhos são realmente bons a descobrir estas coisas por eles mesmos. Não discriminam. Se não gostam de alguma coisa, não gostam mesmo, mas fico sempre espantado quando realmente gostam de alguma coisa. Têm idades entre os três e os 12 anos. Quando o meu mais novo tinha dois, eu tinha o hábito de tocar CDs e demos e logo aí ele começou a revelar o que realmente gostava de ouvir. Era sempre surpreendente o que ele queria ouvir. É interessante ver uma criança com dois anos a ser específica em relação a um som quando na realidade ainda nem começou a discriminar os sons. Não começou sequer a gravitar entre géneros, muito menos sabe o que são. Nesta fase ainda não dá conselhos como os meus mais velhos.

Os teus filhos ajudam-te a acompanhar os tempos?

Ser fresh tem mais que ver com um processo interior e com a capacidade de não parar que este se manifeste externamente. É manter a curiosidade sobre o que se passa no mundo e ser honesto perante o facto de que a vida mudou. As coisas mudaram drasticamente e é realmente difícil mantermos o nível.

 



Com quem estás realmente entusiasmado para trabalhar no próximo disco?

É uma boa mistura. O objectivo inicial era saltar fora de algo que eu até conseguisse fazer no quarto da minha mãe e levar as músicas o mais longe possível. Por exemplo, houve visões muito diferentes entre os sons que enviei ao Four Tet e os que ele me enviou de volta – nós tivemos choques de visões, sabes? Ele estava a querer levar as coisas para outros lugares. Na produção ele cortava um refrão completo, uma linha que eu achava que era a melhor que eu tinha escrito em anos. Ele dizia: “já te ouvimos aqui, tens de ir para ali, é aqui que te revejo, é aqui que ficamos”. Foi realmente refrescante trabalhar com alguém diferente, seguro e rápido. Eu podia ter-me virado para ele e rejeitado tudo, dizer para voltar a colocar o refrão. Mas ele estava certo.

Ficas satisfeito por entregares esse controlo criativo?

Como colaborei com muita gente ao longo dos anos, estou habituado que cortem pedaços de música. Só com o passar dos anos é que sou capaz de faz isso. Eu consigo lembrar-me da época onde eu seria totalmente incapaz de cortar pedaços de som, era demasiado auto-consciente, dizia “ouve, isto é o que fiz por isso é melhor trabalhares com o que tens”. Mas agora é como que uma espécie de barómetro interior. Quero estar constantemente a fazer coisas novas por isso estou interessado em trabalhar com qualquer pessoa que tenha novas ideias e perspectivas sobre como capturar a crudez, a performance e o motivo das coisas que faço. A percepção geral sobre Roots Manuva é de que sou eu a rappar numa faixa, mas Roots Manuva não é apenas sobre rap. São beats e a descoberta de beats. Mas também não é apenas sobre beatmaking, porque me junto a bandas e nada é apenas uma coisa. Não se trata apenas de uma abordagem standardizada à arte de estúdio: é sobre a comunhão de pensamentos que procuram viajar de A para B na fermentação do groove. Roots Manuva é muito mais do que apenas aquilo que se joga ao ar.

*Texto originalmente publicado no website da HUCK.

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