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Publicado a: 21/03/2017

Netflix & Smino: blkswn em horário nobre

Publicado a: 21/03/2017

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTO] Direitos Reservados

“Só ouviste isso agora? Ando-te a falar desse gajo desde o ano passado”. Não, isto não é uma necessidade de mostrar qualquer degeneração “hipsteriana” da minha parte, mas, aqueles que devoram música em quantidades massivas – como outros farão com séries televisivas, cinema ou literatura -, têm sempre uma vontade voraz de quererem que todos saibam, e sintam, aquilo que eles mesmo sentem e em idêntica velocidade. Para mal dos pecados do ser humano, raramente partilhamos dessa sincronia fundamental. Enfim, tudo isto para quê? Para ter um pretexto para vos falar de blkswn, o álbum de estreia de Smino que vão adorar descobrir “tarde”.

Remetendo este discurso para o título, a ideia do que seria um “horário nobre” na Netflix é, na verdade, o contrário do que entendemos da expressão quando usada no contexto da rádio ou televisão tradicional. A qualquer dia e a qualquer hora, o momento escolhido para se ver alguma coisa na Netflix é sempre o melhor de todos. De volta ao essencial: em 2017, mais concretamente no mês presente, saiu o primeiro disco de Chris Smith Jr, um híbrido curioso que junta a aura gospel e soul dos últimos trabalhos de Chance The Rapper e Kanye West com a funkyness moderna que uma nova geração encabeçada por Kaytranada, por um lado, e Thundercat, por outro, tenta trazer para a música de hoje.

 



Ainda em início de carreira, o MC de St. Louis, Missouri, lança o primeiro longa-duração depois de editar dois EPs: S!CK S!CK S!CK (2015) e blkjuptr (2016).

Tal como GoldLink – outro nome relevante a trazer o future bounce/funk/qualquer-coisa-que-nos-meta-a-dançar-e-tenha-nomenclaturas-trendy -, Smino faz-se rodear de estetas emergentes e com talento de sobra: Monte Booker (o parceiro inseparável tem dedo em 16 de 18 faixas), THEMpeople, Sango, Phoelix e J. Bird dão a tal ginga que torna um álbum longo numa prolongada noite de festa que pode, de preferência, ocorrer na companhia de amigos e de um bom vinho. É só uma sugestão, não se sintam forçados a seguir a receita…

Depois de localizarmos este trabalho em termos de influências e sonoridade, aterramos numa das vertentes que qualquer rapper nunca deveria descurar: as rimas. “B Role” é um tema com fast flow a guiar um beat com argúcia, mas desdobrando-se sempre em inflexões vocais que denotam as tais qualidades diferenciadoras que ajudam tantos a serem mais do que apenas “cuspidores de rimas”. Nessa linha de musicalidade e agilidade para não soar aborrecido, “Amphetamine” é um devaneio soulful sem travões – perto de 8 minutos divididos em duas partes a puxarem-nos atrás de uma melodia e … boom! Noname diz presente (e que presença!). O MC devolve o “favor” à rapper, que o convidou para Telefone, mixtape incrível da artista de Chicago.

 



Tal como toda uma geração que cresceu ligada à Internet, Smino também divaga entre assuntos como quem faz zapping. Encontram-se aí múltiplos assuntos mais ou menos quentes: o Netflix (“Netflix & Dusse”) e John Cena (wrestler e actor), a Monica e o Chandler de Friends, Edgar Allen Poe ou o activismo social que é abordado em “Anita”, canção de homenagem à mulher; em relação a “Blkoscars” não será difícil, só com o título, descodificarem o assunto; e há ainda referências à hoje tão discutida apropriação cultural da música negra em “Amphetamine” – “Appropriating the fellas/ Sucking the fruit from my elders/ Don’t give a Chuck bout no Berry/ They rather listen to Elvis/ Woah, mama“.

Não é uma surpresa total – vimos-lhe talento enorme em lançamentos de Saba e Noname -, mas o jovem artista é, como tantos outros, um filho de uma nova linhagem de rappers que segue religiosamente a doutrina de Chance The Rapper, Kendrick Lamar ou Kanye West: mesmo que seja importante ir olhando pelo espelho retrovisor, o caminho é sempre para a frente.

 


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