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Publicado a: 11/08/2018

NEOPOP’18 – Dia 3: o techno foi ao teatro

Publicado a: 11/08/2018

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTOS] Hugo Silva / Red Bull Music

O techno não pertence apenas à pista de dança, não comanda apenas o corpo. É uma música intensamente rítimica, mas igualmente cerebral, pode ser descarnada e minimal, mas também plena de nuances, texturas, carregada de argumentos harmónicos e melódicos.

Essa ideia ficou ontem esplanada de forma inequívoca na primeira de duas noites carimbadas pela Red Bull Music no Teatro Sá de Miranda. A ligação desta plataforma cultural da marca de bebidas energéticas ao festival electrónico de Viana do Castelo é já longa e profícua: o ano passado traduziu-se na apresentação dos Kraftwerk no NEO Stage com o fabuloso espectáculo 3D e em anos anteriores ofereceu ao cartaz nomes tão incontornáveis quanto os de DJ Harvey ou Moodymann, entre variadíssimos outros.

Desta feita, o cenário é diferente e em vez de uma pista gigante no Forte Santiago da Barra há uma plateia intimista no centenário Teatro Sá de Miranda, sala que nos seus tempos de glória há-de ter recebido operetas e sinfonias, mas que agora estremeceu com um poderoso sistema de som, capaz de acomodar os graves mais cavernosos e os agudos mais cortantes. Ainda bem, porque nem o português GPU Panic nem o britânico Clark estiveram ali para nos dar madrigais ou sonatas…

O participante português na Red Bull Music Academy de 2016, a edição que teve lugar em Montreal, no Canadá, abriu a noite. No palco, um piano de cauda e um arsenal de electrónica. Algures entre o techno mais vigoroso e paisagens abstractas arrancadas ao piano processado, com a voz a surgir envolta num manto de reverb, como um eco de tempos perdidos que se escutaria nalguma rave montada num mosteiro abandonado, a música proposta por GPU Panic demonstra pensamento e vontade zero de compromisso com alguma ideia de “funcionalidade”. Isso pode impor, a espaços, algum teor fragmentado à actuação, mas as ideias que apresenta, nomeadamente a de tomar o techno como ponto de partida para derivas por terrenos não cartografados, não deixam de funcionar por isso…

 


 


Clark foi outra coisa. Quando entrou, o volume sonoro com que nos assaltou quase parecia sugerir que GPU Panic tinha acabado de fazer um concerto de música ambiental, sensação justificada até porque o produtor português terminou a sua actuação sentado ao piano, desenhando algumas melancólicas figuras que se esfumavam entre efeitos.

A apresentar Death Peak “pela centésima vez ou algo assim”, como nos confessou em conversa antes de subir ao palco, o produtor britânico há mais de uma década ligado à Warp sabe que tem uma fórmula oleada e perfeitamente funcional.

Tão brutal como a arquitectura de betão do seu país na década de 70, paisagem urbana que parece ser influência marcante na sua geração, a música de Clark faz-se de um techno extremo e descarnado que parece amplificar algumas marcas menos celebradas do género — alguns crescendos, texturas sintetizadas próximas da memória euro-dance, etc — numa barragem intensa e interminável.

E tudo isto é apresentado envolto num intrincado e imersivo desenho de luzes, com strobs violentos, vermelhos e azuis fortíssimos, moldura visual que depois se conjuga com uma dupla de bailarinas que executa uma coreografia assinada por Melanie Lane, parceira de longa data se Clark.

A dupla segue pela mesma avenida de memória de Chris Clark e executa passos que parecemos pontualmente reconhecer de videoclipes dos anos 90, com ecos evidentes de várias tipologias de dança urbana, do b-boying ou krump ao vogueing, tudo com a fluência do lado mais abstracto e experimental da dança contemporânea. Vestidas com roupas neutras ou totalmente de negro, de forma a melhor surgirem recortadas pelas duas estruturas de leds programados com motivos gráficos de grande efeito visual, as bailarinas acrescentam uma dramática dimensão ao espectáculo de Clark, sobretudo no final quando surgem cobertas por dois diáfanos mantos de seda transparente que dão aos seus movimentos uma estranha forma, quase como se Lane tivesse coreografado água ou fumo.

O resultado é simplesmente incrível e mostra um outro lado da cultura que, também nesta última noite, viu duas lendas como Jeff Mills ou Ricardo Villalobos elevarem a fasquia daquilo que o techno pode ser e alcançar, com sets aplaudidos por milhares de ravers dedicados.

Para hoje, o mesmo espaço oferece mais duas propostas personalizadas na segunda jornada desta programação carimbada pela Red Bull Music: a portuguesa Surma e o também britânico James Holden.

 


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