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Publicado a: 07/09/2017

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mxxwll-critica

[TEXTO] Helder Faradai

Quem reclama que em 2017 não tem saído boa música, provavelmente não possui o verdadeiro barómetro do que se passa fora dos holofotes. Para entusiastas, investigadores e ávidos estudantes como eu deste mundo à parte, cada ano tem a sua mística no que toca à descoberta de novos artistas, projectos, colectivos e novidades pelo mundo fora.

Hoje em dia, qualquer artista possui a capacidade de expor a sua música através de plataformas como Bandcamp, SoundCloud, Spotify, iTunes, CD Baby ou Amazon), atingindo qualquer ponto do mundo pela Internet. E, na dualidade deste contexto e num panorama extremamente saturado em que likes e seguidores falam mais alto que o talento, qualquer pessoa com um portátil, controlador MIDI, microfone, sample packs e DAWs à disposição consegue começar a criar música do dia para a noite e, como consequência, a autenticidade torna-se numa miragem para aqueles que escutam com os olhos.

Mas existem aqueles artistas/ pensadores/ inovadores que em vez de se cingirem a regras fixas, ampliam os seus limites e tornam os seus pontos de referência maleáveis. MXXWLL é um desses casos. Beats Vol.1 é o seu álbum de instrumentais de estreia, um exemplo de que a criatividade deve ser colocada antes de qualquer coisa.

Este multi-instrumentista nativo de Sidney, actualmente a residir em Londres, tomou de assalto as redes sociais há 3 anos com breves vídeo-demonstrações na sua página, demonstrando qualidade que poderia encher de orgulho nomes como George Clinton, um dos principais inovadores da música funk e um pioneiro para a geração g-funk surgida na década dos 90s, que certamente não se sentiria rogado em tecer elogios ao jovem produtor que homenageou o género que por uma década serviu de estandarte a Costa Oeste. Nomes como DJ Battlecat, Quik, Snoop Dogg, Kokane, Dam-Funk, Terrace Martin, Warren G e Dr. Dre também dariam o seu co-sign ao produtor – Snoopzilla chegou a fazê-lo – , caso tivessem a chance de esbarrar na sua música. Afinal, e citando os mais antigos, “You Can’t Fake The Funk’”.

À medida que o seu nome ganhou proporções consideráveis através das remixes que foi apresentando, as oportunidades começaram a surgir: a actuação ao vivo em Londres mostrou do que é capaz de fazer, rebentando com a escala na presença de fãs impávidos pela sua técnica e graciosidade.

Em baixo, três exemplos de remisturas bem conseguidas:

 





Mas voltando ao projecto que lançou recentemente: se tivesse que sintetizar este texto para descrevê-lo, é certo que pediria ajuda a Travis Scott: “I get those goosebumps every time”.

É assim que me sinto quando ouço “Palm Trees”, faixa em que sequenciamentos da Maschine e graves profundos ditam o ritmo da malha, juntando-se acordes mornos combinados com sintetizadores MOOG melódicos e sulcos lentos e hipnóticos. O feeling de que o Verão voltou com a energia necessária para revitalizar-nos duma forma suave.

“Pool Parties” combina cortes estrategicamente utilizados num groove com efeito manteiga para qualquer ouvido que deseje desconstruir ou deixar-se levar pelo encanto da sonoridade. O mesmo sentimos com “Lifted’”, tema que alia as suas harmonias que roçam a perfeição com solos de guitarra que nos levam à estratosfera.

“BRRING BRRING”, “Long Flights”, “Cruises” e a faixa final, “Outro”, mostram que para além execução majestosa do g-funk que integra a maioria das suas composições, MXXWLL ainda consegue combinar e explorar meticulosamente o swing indiscutível do som de Detroit, fazendo uma subtil homenagem a uma das suas influências: J Dilla.

 



“Late Night Thoughts” é a slow jam que confortavelmente, proporciona a emoção ímpar em que a noite engole absorta, nossos momentos íntimos, seja com quem for.

E como colaborações que nunca fogem à regra, SodTP, outro monstro fora-de-série que coabita na mesma vibe que o nosso anfitrião, contribui com as suas progressões de teclado com alma e muito groove no tema “Jams”.

“Swich”, “Rooftops” e “Monday Fonk” mantêm com elegância o ritmo andante e indispensável que o tecido sónico e diverso de L.A nos tem mostrado neste últimos sete anos.

Desde o seu ressurgimento, o funk está agora em todos lugares, desde rádios pop a clubes locais de Califórnia, algo que arquitectos como Dam-Funk, Battlecat, Quik e outros transmitiram desde sempre da sua funkmosfera.

A organicidade e o alcance ecléctico de estilos que esta beat tape consegue granjear facilmente o afasta dos demais, conseguindo definir um híbrido entre os elementos contíguos da era dourada a pequenas nuances da música electrónica contemporânea numa colecção de 21 faixas. E destas 21, dou destaque a 11 (sem desprimor pelas restantes): “Palm Trees”, “Pool Parties”, “Swish”, “Rooftops”, “Jams”, “Ocean Fresh”, “Cruise”, “Monday Fonk”, “Late Night Thoughts”, “Pretty Loose” e “Outro”.

Esmiuçar mais sobre a construção dos instrumentais não reflecte nem de perto o sentimento que um músico em formato de banda conseguiu num piscar de olhos. Para quem estiver no Reino Unido e quiser assistir ao vivo às qualidades inquestionáveis de MXXWLL, a chance acontece dia 8 de Setembro no palco da Electric Brixton.

Pela última vez, fica patente a ideia que a música é universal, quebrando o tempo, credo e o espaço. As barreiras são criadas por pessoas, mas a música flui sem restrições quando há empenho, paixão, pesquisa e domínio. Qualquer um através da prática contínua e originalidade pode se tornar numa das pedras angulares da próxima geração musical, o que para MXXWLL poderá não estar longe de acontecer…

 


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