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Publicado a: 06/10/2017

Moullinex no MAAT: a realidade vs aquilo que os olhos vêem

Publicado a: 06/10/2017

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Hélder White

“Está ali uma sala com fundo verde, podem ir para lá à vontade…”

O convite endereçado por Moullinex no final do concerto de apresentação do álbum Hypersex no MAAT, anteontem, serviu de mote para uma celebração no palco – reunindo de novo o anfitrião e os convidados da noite (Marta Ren, Da Chick, Ghettoven e Best Youth) – e na plateia, com uma boa parte do público a fazer fila para entrar na caixinha mágica de fundo verde que acabara de ser colocada à disposição de todos. Tudo isto ao som de “Take My Pain Away”, um dos melhores cartões de visita para a obra de Moullinex e, por conseguinte, da sua família Discotexas. A festa que já por si se manifestava intensa desde o início da actuação, alcançou assim um patamar de dimensão imensurável, tudo graças a este novo elemento festivo. Mas, afinal de contas, que cobiçada caixa mágica é esta capaz de transformar um simples concerto num portal de interactividade entre palco e plateia? Para a entendermos melhor, regressemos ao início da noite.

São 23:20. A moldura humana está completa (lotação esgotada há já algum tempo) e todos anseiam pela entrada de Moullinex em cena. Enquanto isso não acontece, o público vai contemplando aqui e ali as obras espalhadas pelo chão, parede e tecto do espaço, num conceito inacabado alusivo à apresentação proposta. Há fitas (daquelas usadas para delimitar perímetros) um pouco por toda a parte, autocolantes amarelos em tudo quando é sítio, quadros colocados na entrada das casas de banho (com as sinaléticas que fazem a distinção de género a serem tapadas por um traçado de fita cola), e, para rematar isto tudo, uma projecção vídeo com Hypersex escrito em letras garrafais. Numa primeira análise, o investimento na componente visual parece ter sido muito, de tal forma que até houve a preocupação de projectar luz numa bola de espelhos que serve de clitóris a uma gigantesca vulva erguida sobre nós, criando uma atmosfera localizada algures entre uma discoteca funk dos anos setenta e um ousado museu do sexo. Na frente de palco há uns degraus, também eles forrados com fita amarela, que nos deixam uma importante dica: vai haver pelo menos um momento de interacção com o público.

 


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Chega então o tão aguardado momento. Moullinex entra em cena, munido de uma indumentária de cor amarela e acompanhado pela sua banda, dividida entre bateria, guitarra e teclas – o baixo pertence-lhe, bem como a vocalização. E é na primeira música que se confirma a suspeita previamente levantada: houve mesmo uma sublinhada aposta naquilo que os olhos vêem, prova disso é o facto do ecrã principal ter passado do estático ao dinâmico, com vários conteúdos a serem misturados no tempo e na temática da música (destaque para uma curiosa sequência de culturismo feminino). É também nesta altura que a nossa caixa mágica começa a dar um ar de sua graça. De súbito, surge na projecção um indivíduo de peruca e lábios pintados que assegura a letra da música e a sua coreografia, com movimentos dignos de palanque de discoteca. Trata-se de Ghetthoven, um dos artistas convidados. E onde é que se encaixa a tão referenciada caixa? Simples. De frente para o palco, logo à direita, há um cubículo estranho que, obviamente, estimula a curiosidade desde o início do espectáculo. Nele podemos encontrar uma câmara e uma série de difusores de luz, quase como se fosse um estúdio de fotografia. É, na verdade, um cenário preparado para usar a técnica chroma key, que consiste em sobrepor uma imagem à outra através da anulação de uma das cores, neste caso a verde. Qual a finalidade? Colocar, por exemplo, uma pessoa a interpretar algo em formato live e projectar essa mesma pessoa numa tela como se fizesse parte do conteúdo. Foi exatamente o que aconteceu com Ghetthoven, anteontem – houve quem tivesse entendido isso logo à primeira, mas também houve quem só tivesse chegado a essa conclusão quando, algures a meio da actuação, Moullinex saiu do palco (os tais degraus na frente de palco) em direcção ao cubo mágico, surgindo, pouco depois, inserido na mistura vídeo.

 


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Hypersex teve uma apresentação à altura, contando com artistas como Marta Ren (sensualidade elevada ao quadrado) e Da Chick (que, a dada altura, aproveitou a caixinha mágica para elevar a sua presença ao cubo) para tal efeito. Ainda que a esmagadora maioria das pessoas que marcou presença no MAAT não tenha escutado o novo álbum de Moullinex na íntegra (apenas os singles colocados à disposição, já que o disco só vê a luz do dia na próxima sexta-feira) uma coisa é certa: se as músicas soarem tão bem gravadas como ao vivo, então não há como recear o dia de amanhã. Dos graves em cama elástica, a fazerem lembrar, salvaguardadas as devidas distâncias, a obra do mais consagrado duo electrónico francês, passando pelas guitarras alegres, que encontraram no escasso intervalo entre pessoas espaço para ziguezaguearem, desembocando na batida que conseguiu ser mais quatro por quatro do que o mais sofisticado e afinado motor a quatro tempos, tudo funcionou na perfeição, com sublinhada eficácia, reservando ainda espaço para visitar temas como “Undertaker”, “Do It Again” (remistura do tema dos Royksopp com Robin) e, para finalizar com chave de ouro, “Take My Pain Away”.

Dos temas de Hypersex apresentados, destaque para “Karnival”, que trouxe novamente Ghetthoven à caixa mágica, desta feita, vestido de vermelho, luvas cinzentas e com um chapéu a condizer; “Love Love Love”, acompanhada por um vídeo repleto de seios (em forma de coração), nádegas (em forma de coração) e testículos (idem idem); e “Work It Out”, cujo conteúdo visual mostrou alguém a arrastar o mesmo canhão fálico que, logo no início da noite, ornamentou a passagem da galeria oval para a sala escolhida para o concerto. Todo o espectáculo de Moullinex parece ter sido construído segundo uma narrativa pensada ao pormenor, procurando, por isso, convergir em certos pontos previamente calculados. A própria exposição de Bill Fontana, Shadow Soundings, instalada na galeria oval – que tem como objectivo amplificar e conferir musicalidade a captações sonoras da ponte 25 de Abril – e munida de um total de sete telas destinadas à projecção de vídeo (pela altura do concerto desligadas), parece ajudar nesta ideia. Moullinex conseguiu, através da técnica chroma key, inserir Ghetthoven no seu espectáculo; Bill Fontana conseguiu, através das mais especializadas metodologias, trazer a ponte 25 de Abril para o MAAT; e nós, que técnica será precisa para inserirmos a liberdade de escolha a nível sexual de uma vez por todas na sociedade?

 


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