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Publicado a: 17/07/2016

Morreu Alan Vega, vocalista dos míticos Suicide

Publicado a: 17/07/2016

Alan Vega, vocalista dos míticos Suicide, pioneira banda punk nova-iorquina, morreu ontem aos 78 anos, de acordo com uma notícia veiculada por Henry Rollins a pedido da família do malogrado cantor.

Num comunicado, podia ler-se: “Alan não foi apenas determinantemente criativo, escrevendo música e pintando até ao fim, ele foi igualmente espantosamente único. Juntamente com Martin Rev, no arranque dos anos 70, eles formaram a banda de vanguarda de duas pessoas conhecida por Suicide”.

Os Suicide são de facto um espantoso caso de singularidade: caixas de ritmos, sintetizador e voz bastaram para que o álbum homónimo de 1977 se afirmasse como um dos pináculos da colheita punk daquela época, um dos grandes discos produzidos na Nova Iorque dos anos 70 em qualquer género, na verdade. Trata-se de um álbum que atravessava géneros como poucos resistindo a catalogações fáceis. Rock and roll por um lado, certamente punk por outro, era igualmente minimal, electrónico e prenunciava muito do que o futuro trouxe, sendo uma influência reclamada por várias gerações e músicos de muitos géneros variados, do house ao rock.

Alan Bermowitz já contava 32 anos em 1970, nos alvores da sua banda, criada depois de ver os Stooges ao vivo em 1969 e de cruzar ideias trazidas do mundo da arte. A fértil cena de Nova Iorque, onde artistas como Andy Warhol e os Velvet Underground se cruzavam com gente vinda do cinema, do teatro, de artes performativas, sempre em busca de mudanças e desafios, alimentou a visão de Alan Vega que inspirado pelos comic books (“Ghost Rider”) e pela vibração punk se juntou a Martin Rev para criar uma pequena revolução com a ajuda de um orgão Farfisa, um par de processadores de efeitos baratos e uma caixa de ritmos primitiva.



 

Rui Miguel Abreu entrevistou o importante produtor americano Craig Leon para a Blitz. Responsável por álbuns de estreia de gente como os Ramones, Talking Heads ou Blondie, foi igualmente ele que trabalhou o arranque de carreira dos Suicide. Num texto para a revista Blitz, o director do Rimas e Batidas escreveu o seguinte a propósito do envolvimento de Craig Leon com os Suicide:

 


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Quando se pensa na influência exercida pelas bandas com que Craig Leon trabalhou na Nova Iorque da segunda metade dos anos 70 torna-se impossível minimizar a sua importância na história do rock. Mas ter-lhe-ia bastado assinar apenas a produção do álbum de estreia dos Suicide para garantir a posteridade. A lista de bandas e artistas que reclama a influência do trabalho realizado por Alan Vega e Martin Rev nesse disco de 1977 é impressionante – dos Joy Division aos Nine Inch Nails, dos Radiohead aos Sonic Youth e dos Daft Punk a Bruce Springsteen – e rivaliza até com a «descendência» gerada pelos também nova-iorquinos Velvet Underground. Os Velvets e os Suicide são, aliás, a grande referência do mais recente álbum de Luke Haines, líder dos já extintos Auteurs que descreve o trabalho de Craig Leon em temas como «Frankie Teardrop» como «magistral».

 



«Os Suicide eram provavelmente a única banda da cena nova-iorquina com quem trabalhei que reclamava o rótulo “punk”. Foram uma das primeiras bandas a usarem essa palavra para se descreverem, logo no início dos anos 70, nos flyers que faziam para promoverem os concertos». Essa consciência de uma certa diferença colocava os Suicide noutro patamar e o ruído que Vega e Rev cozinhavam juntos não se parecia com nenhum outro. «Eles foram também a primeira banda de Nova Iorque que eu fui ver já como A&R em busca de novos talentos», recorda Craig Leon. «Na verdade, foi uma espécie de audição que eles fizeram para outra etiqueta com que eu estava envolvido antes de aceitar o trabalho com a Sire. Lembro-me que disse ao patrão dessa editora que deveríamos assinar os Suicide e com base nisso ele decidiu não me contratar para o lugar de A&R. Foi aí que aceitei ir para a Sire», revela o produtor. A sonoridade particular dos Suicide era fruto de algum engenho, por um lado, e também das limitações financeiras próprias dos artistas das zonas mais remotas da cena underground. Uma espécie de «do it yourself» «avant la lettre»: «No princípio, os Suicide não tinham sintetizadores, que no início dos anos 70 ainda eram muito caros, volumosos e modulares. Também acontecia serem monofónicos, o que não fazia deles uma grande ferramenta de palco», explica Craig Leon, igualmente um entendido em eletrónica (ver caixa). «o Marty Rev tinha um combo de órgão, que depois era canalizado para diversos amplificadores, rádios transformados e outros aparelhos que ele cuidadosamente montava. E depois tudo isso funcionava em conjunto com um aparelho que era um antepassado das caixas de ritmos, muito semelhante aos que existiam naqueles órgãos caseiros usados nos bares de cocktail e que produziam ritmos dançáveis. Não estou a falar de EDM», ressalva Craig Leon, «mas de ritmos como Valsa, Cha Cha Cha ou Mambo que essas máquinas tocavam. Tudo isso depois era canalizado para um amplificador de guitarra que era forçado a distorcer com diferentes intensidades , consoante as canções». E por cima dessa amálgama de ritmos e ruídos eletrónicos «a voz e a atitude brilhante de Alan Vega», sublinha. «Era uma paisagem sonora única que eu espero ter ajudado a definir ao trazer para a fórmula alguns aspetos apreendidos em bandas de krautrock minimal como os Can – que eu adorava – os delays e os ecos dos velhos discos da Sun e dos toasters de reggae que estavam na ordem do dia. Eu tinha trabalhado com o Bob Marley e o Lee Perry num projeto para a Sire (N.R.: o álbum Escape From Babylon de Martha Velez) e apanhei muitas ideias ao nível da percussão e dos sublinhados dos ecos dub que me pareceram encaixar bem num vocalista como o Alan». Afinal de contas, não foi apenas em Inglaterra e com bandas como os Clash que a inspiração do reggae se fez sentir do lado do punk. Ser punk, nessa época, significava igualmente ser capaz de olhar para as margens e encontrar novas soluções de expressão, procurando na tecnologia, nos efeitos disponíveis em estúdio, uma forma de traduzir novos impulsos artísticos. A ética e a estética do punk, são também aproveitados por Craig Leon para um curioso «desvio»: «Li algures que terá sido a Marlene Dietrich a colar as palavras “punk” e “rock” e que isso terá acontecido quando ela viu um concerto dos New York Dolls no Mercer Arts Centre. Marlene Dietrich… que grande mulher», exclama o produtor. «Ela uma vez pediu à empresa de perfumes Creed para lhe criar uma fragância especial que a tornasse irresistível para outras mulheres quando ela a usasse. O perfume chamava-se Angelique Encens e penso que já não é fabricado», explica o produtor, em nítida deriva de memória.

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